
Voltamos agora com mais um episódio da nossa querida série sobre técnicas de mangás, desta vez, comentando mais uma técnica explicada pelo atual Editor-Chefe da Weekly Shonen Jump, Yuu Saito. Para quem não sabe, Yuu Saito, antes de assumir esse cargo, era professor da Jump School e também foi editor de várias obras de sucesso, incluindo Kuroko no Basket, Nisekoi e We Never Learn. Por isso, nada melhor do que retomar suas palestras e aulas.
Desta vez, vamos nos concentrar no momento em que o Editor-Chefe respondeu a seguinte pergunta: “Para tornar um mangá interessante, qual é a melhor estrutura de uma história?”.
Saito explica imediatamente que, teoricamente, é possível utilizar diversas técnicas na criação de um mangá, sem restrições definidas: “Kishotenketsu”, “Jo-ha-kyu”, “Estrutura em Três Atos” e “Beat Sheets” — todas já foram amplamente estudadas e aplicadas em roteiros e narrativas de mangás. No entanto, ele alerta que é preciso ter cuidado ao empregar certas técnicas mais comuns em animes ou filmes (como Beat Sheets), pois o ritmo dos quadrinhos é diferente do audiovisual. Essas mídias conseguem transmitir mais informações em menos tempo.
Seu grande exemplo é como o primeiro episódio do anime de “Darling in the Franxx” adaptou 120 páginas do mangá — são tempos distintos, e por isso algumas estruturas, mesmo que aplicáveis, exigem maior atenção em um mangá. Contudo, Saito também menciona que o “Kishotenketsu” e a “Estrutura em Três Atos”, embora sejam de fácil uso para autores experientes, costumam ser mais difíceis para iniciantes.
Com mais de dez anos de experiência orientando novos talentos na Weekly Shonen Jump, Yuu Saito observa que muitos autores iniciantes focam tanto em seguir rigidamente o Kishotenketsu que acabam tornando o processo criativo artificial e cansativo. O editorial Shonen Jump concluiu que métodos rígidos de contagem de páginas podem ser prejudiciais para alguns autores e, assim, desenvolveram um guia flexível para autores novatos que até hoje utilizam em suas histórias.
Essa abordagem ajuda os novatos a entenderem “o que priorizar” na criação de seus mangás, sem excluir o uso de outras técnicas narrativas em conjunto.
ETAPA (Ponto) 1: “DEFINA O QUE MUDA ENTRE A PRIMEIRA E ÚLTIMA PÁGINA”
Saito deixa claro que, embora existam gênios capazes de criar histórias sem mudanças significativas, para a maioria, é essencial estabelecer uma transformação evidente: “O protagonista supera os seus medos”, “O romance se concretiza”, “O personagem é salvo pelo herói” — exemplos simples e eficazes. Eu, Leonardo Nicolin, acrescentaria que essa técnica é crucial tanto para one-shots quanto para séries, onde é preciso transmitir uma sensação de progressão ao leitor em cada capítulo.
Por isso, antes de começar, pergunte-se: “O que muda neste mangá?” — em um capítulo, pode ser até um único elemento, mas esse elemento deve estar CLARO na mente do leitor. Com isso definido, podemos avançar para o segundo ponto.
ETAPA (Ponto) 2: “CONSTRUA SITUAÇÕES QUE DESTAQUEM ESSA MUDANÇA”
Após definir o elemento que mudará (idealmente algo impactante), é hora de pensar em como destacá-lo. Na minha visão, esse elemento deve ser evidente tanto na estrutura narrativa quanto no aspecto visual durante a produção do name (conhecido como “storyboard” no Ocidente). Ele é essencial para transmitir a sensação de que “algo aconteceu” e que a história “avançou”.
Retomando Saito, ele exemplifica: se o autor quer escrever “uma história triste sobre um casal que se separa”, além da cena de separação, pode incluir:
- Cenas de afeto (para contrastar com a dor da separação).
- Um motivo convincente (ex.: guerra, obrigações familiares).
Se o foco for “um protagonista com um segredo perigoso”, a história deve ter:
- Consequências se o segredo for revelado.
- Situações de quase-descoberta (para gerar tensão).
- Um antagonista que pressione o protagonista.
Planejar evita histórias confusas. Criar algo cativante “no improviso” exige talento excepcional. Por isso, é vital definir quais páginas e momentos destacarão plenamente essa mudança entre a primeira e última página. Esses momentos devem ser CLAROS e BEM PLANEJADOS antes de seguir para o último ponto:
ETAPA (Ponto) 3: “UTILIZE AS DEMAIS PÁGINAS PARA DESENVOLVER A PERSONALIDADE DOS PERSONAGENS”
Antes de explicar esse ponto, gostaria de destacar algo sobre “Personalidade do Protagonista”: Quem estuda mangás há anos já ouviu falar muito desse termo, mas ele não se limita apenas à forma como o personagem age. Seu design, roupas e aparência nas páginas (postura, balões de fala, disposição nos quadros) também são fundamentais para construir sua personalidade.
Saito ressalta que autores experientes dominam isso: com poucos quadros, conseguem transmitir a essência de um personagem, como Shimabukuro faz com Toriko já no primeiro capítulo.
No entanto, iniciantes muitas vezes negligenciam o que, para Saito, é O PONTO MAIS IMPORTANTE DO MANGÁ: criar páginas que valorizem a personalidade do protagonista (o que o irrita, entristece ou alegra) e que destaquem as diferenças entre os personagens. Essas páginas de desenvolvimento de personalidade vão ajudar a criar profundidade na história, criar empatia pelos personagens importantes e vão servir de “cola” para que os momentos centrais da mudança (Ponto 2) tenham um valor ainda maior.
Se você perceber que não tem páginas suficientes para desenvolver o protagonista adequadamente ou diferenciar os personagens, é sinal de que seu mangá pode estar SOBRECARREGADO.
Nesses casos, uma dica clássica dos editores da Shonen Jump é: “Não pense no que será cortado, mas no que é indispensável para a história”. Após identificar o essencial (incluindo o desenvolvimento do personagem), reavalie o enredo e o mundo da sua história para torná-la mais coesa. Assim, você encontrará os elementos mais “cortáveis”.
Na minha visão editorial (Leonardo Nicolin), concordo com a abordagem da Shonen Jump: técnicas como Kishotenketsu, Estrutura em Três Atos e até mesmo o Jo-ha-kyu são eficazes e ajudam no planejamento, mas não devem se tornar uma obsessão ao ponto de limitar sua criatividade — são incríveis ferramentas, não regras rígidas. Combiná-las com técnicas facilitadoras pode turbinar seu processo criativo.
Trabalhando com autores, percebi que essa técnica tem um valor extra na revisão: após produzir o seu “NAME” ou “Roteiro”, usar esses três pontos para avaliar a clareza da história ajuda a identificar problemas estruturais que passaram despercebidos durante a produção.
Saito encerra com uma mensagem importante: Cada autor e gênero tem suas peculiaridades, mas esses três pontos são um guia flexível para evitar armadilhas comuns.
Por isso, com uma tirinha incrível de Mauricio Lima, autor de Fablend, vamos revisar os três pontos (Leitura Oriental):