O segundo e último mangá dessa nova leva é “Dear Anemone”, do autor novato Rin Matsui. “Dear Anemone” conta a história de um garoto, Gaku, que desembarca na Ilha de Galápagos, onde estão ocorrendo perigosas mutações nas criaturas locais. Inicialmente, não tinha muitas expectativas em relação à série, mas assim que vi a sua página colorida de abertura, percebi que, pelo menos no quesito arte, o autor tinha um grande potencial.
Contudo, é sempre importante ter um passo atrás em relação a qualquer nova série: a Weekly Shonen Jump é um ambiente com uma altíssima concorrência, e pequenos erros podem ser punidos pelos leitores. Como aconteceu com “Red Hood”, que teve uma ótima recepção no primeiro capítulo, mas foi cancelado devido ao ritmo de desenvolvimento lento demais. Como é quase impossível para um autor novato não cometer erros, seus acertos devem soar tão bons que acabam escondendo as falhas.
Acredito que a estratégia que “Dear Anemone” apostou foi entregar uma arte impecável que pudesse compensar as fragilidades do roteiro. De fato, para um novato com apenas 22 anos, Rin Matsui demonstrou ter um grande controle sobre seu traço, a quadrinização e o uso da tonalidade de cinza. Nesse primeiro capítulo, ele utilizou várias páginas duplas, totalizando 20% do capítulo, e quatro vezes a estratégia de criar um quadro único ou um quadro que ocupa 75% da página para aumentar o impacto das cenas (páginas 5, 25, 37 e 47). O autor tentou mostrar sua principal qualidade: a arte, e chocar os leitores com cenas de grande impacto visual.
Mas por que era tão importante esse impacto? O primeiro capítulo de “Dear Anemone” não quis exatamente apresentar por completo o protagonista ou a história, mas passar uma sensação de desespero e terror aos leitores, para assim chamar atenção dos leitores. Todas as cinquenta primeiras páginas têm como objetivo construir uma tensão para que a cena da página colorida de abertura aconteça. Assim, tirando as explicações básicas para o universo (necessárias para a compreensão da obra), o autor se concentra em criar um crescente desconforto na leitura através de cenas visuais desesperadoras.
Quando lançou o seu One-Shot em 2020, por mais que Anemone tinha conceito interessesantes, falhava na minha opinião em conseguir prender o leitor imediatamente – uma história no mundo moderno precisa ser imediatamente cativante -. O utilizo assim de uma arte impactante, com criaturas humanoides desconfortantes, tem como objetivo prender os olhos do leitor nas páginas. Se alguns autores utilizam de bons roteiros para compensar uma arte não tão chamativa (como é no caso dos curtas de Fujimoto), outros autores utilizam da sua grande habilidade visual para assim prender a atenção do espectador. Isso serve tanto para um One-Shot, séries ou até mesmo um anime.
Acredito que nesse sentido tenha dado certo: os quadros no geral conseguiram passar uma grande sensação de terror, como se estivesse assistindo aos clássicos filmes de terror, nos quais criaturas monstruosas caçam os personagens principais. O incrível detalhismo e o design bizarro dessas criaturas, que têm dentes humanos e olhos esbugalhados, também ajudaram a criar essa sensação de desconforto que muitas dessas páginas transmitiram. O desenho mais rabiscado (e com uma menor sensação de digitalização) nas sombras, criaram uma variação de tonalidade de cinza essencial para as cenas de terror. É inegável que Rin Matsui aprendeu muito das técnicas de Kohei Horikoshi no tempo em que trabalhou como assistente do criador de “Boku no Hero Academia”.
Contudo, ao mesmo tempo, me preocupei com a questão do roteiro, pois nos momentos em que o autor decidiu desenvolver o protagonista – algo essencial para a sobrevivência da série nos próximos capítulos -, “Dear Anemone” acabou sendo bastante superficial. Sinceramente, não estou reclamando das explicações sobre o Darwinismo, necessárias para alcançar um público mais jovem ou aqueles leitores que não conhecem muito bem a biologia. E também não estou reclamando da aparição da “Anemone” não ter uma explicação lógica (por enquanto), isso de nenhum modo me incomodou. Acredito que, no quesito tensão e construção narrativa para a aparição de Anemone, o autor acertou.
Mas os motivos apresentados nesse primeiro capítulo para o herói ter se aventurado em uma missão suicida realmente não são convincentes. Não existe uma real equivalência entre “o passado do autor” e suas “ações”. O que quero dizer com isso: o personagem principal sabia que ninguém voltou vivo da missão, mas decidiu participar para se tornar uma pessoa mais forte, uma pessoa diferente daquela criança que não conseguia se defender do bullying na escola. Acredito que seja, talvez, uma ação um pouco extrema. Talvez optar por se inscrever em um curso de judô fosse mais inteligente.
É evidente que a aparição da “Anemone” na última página será o ponto CENTRAL para o desenvolvimento do rumo da história, que ainda não é claro para nós leitores. O desenvolvimento da relação do Anemone com o protagonista assim será o que renderá a série um sucesso, o autor pode tentar reverter esse roteiro fraco, criando, por exemplo, um desenvolvimento mais kafkiano entre o herói e seu monstro interior, como vimos em obras como “Tokyo Ghoul”. A temática do terror, do ódio a si mesmo e também da transformação é constantemente presente em Kafka – “Metamorfose” é um conto que inspirou inúmeros mangás e continua sendo uma estratégia narrativa extremamente funcional.
O protagonista quer mudar, e assim, essa evolução que vimos na última página pode ser a “mudança” que o herói procura, mas essa mudança pode também trazer uma crise de identidade, transformando o protagonista em um monstro. Esse dualismo entre “querer mudar” e “odiar a própria mudança” é um elemento psicológico que poderia enriquecer tanto a obra quanto os aspectos de sobrevivência dela. O personagem precisa sobreviver aos monstros internos e externos. Este é somente um exemplo, de tantas outras estratégias que o autor pode utilizar para criar um protagonista interessante, sem necessitar criar também um “background” dramático.
Apostar somente na arte e nesse terror de sobrevivência sem criar um protagonista interessante, sem apresentar personagens secundários interessantes e sem definir um rumo real para a história não irá dar certo, são bases narrativas necessária para o desenvolvimento de uma história cativante, que consiga prender semana após semana o espectador. Esses elementos estão completamente ausentes nesse primeiro capítulo, que, porém, consegue se sustentar bem devido à sua construção artística e visual impactante. “Dear Anemone” é um deleite artístico, contudo, repito que isso não será o suficiente para prender manter o público da Shonen Jump. Os próximos dois capítulos precisam entregar os elementos que eu citei para assim criar uma ligação com o público e fidelizar os leitores que se interessaram pela obra devido ao seu indiscutível apelo visual.
“Dear Anemone” é uma boa estreia, eu diria uma das melhores quando o quesito é proposta de história e arte. Lembrou-me um pouco a sensação que tive quando li pela primeira vez “Yakusoku no Neverland”. Mas, por decisão do autor ou para esconder seu defeito em escrever roteiros, a narrativa passou longe de ser convincente. Estou muito curioso para saber para onde a história irá prosseguir, e isso já é algo espetacular. Estimular o leitor a ler os capítulos seguintes é o primeiro passo importante, e ele conseguiu comigo. Agora vamos ver se os próximos capítulos vão conseguir desenvolver bem os pontos deixados em aberto nesse primeiro.