Hoje, dia 27 de Maio de 2024, tivemos finalmente o anúncio do tão esperado anime de Sakamoto Days, mas de uma forma inesperada e que foge das regras comuns de como anúncios do tipo são normalmente feitos pela Jump: o anúncio veio numa apresentação por vídeo do canal do Youtube da Shonen Jump diretamente aos seus fãs e não pela tradicional capa da revista com letras imensas anunciando “Anime confirmado para Sakamoto Days!”. O que causou essa mudança? Isso tem implicações diretas em entender como a forma de comunicação entre empresas japonesas e seus fãs está mudando.
Primeiramente, o anúncio do evento foi feito pelo Twitter oficial da Weekly Shonen Jump e até traduzido em inglês oficialmente, atraindo atenção de fãs internacionais. Anunciado como um programa REGULAR, o Jump Press foi apresentado pelo editor-chefe da Jump, Hiroyuki Nakano, e em tom descontraído, mostrou várias novidades de várias franquias:
– Uma disputa entre oneshots de esportes, julgados pelos autores de obras lendárias do gênero na revista Takehiko Inoue (Slam Dunk), Riichiro Inagaki (Eyeshield 21), Tadadoshi Fujimaji (Kuroko no Basket), além do maior astro do esporte japonês moderno, Shohei Ohtani, um ídolo do baseball e jogador do Los Angeles Dodgers.
– Um capítulo novo especial do clássico Kochikame numa das edições da Weekly Shonen Jump nesse verão japonês, celebrando as Olimpíadas de Paris.
– Uma colaboração da Jump com um espaço da Bandai para um café de Nue no Onmyouji, com produtos especiais do mangá.
E por fim, o mais importante: o anúncio do anime de Sakamoto Days pelo estúdio TMS. Um trailer foi apresentado, tivemos estúdio e os principais membros do staff anunciados, a voz de Sakamoto foi revelada como o popular Tomokazu Sugita (famoso como voz de Gintoki em Gintama) e uma distribuição gratuita gradual dos capítulos da série será feita online para o Japão. Nakano depois se despediu e encerrou esse primeiro episódio do Jump Press.
O QUE O JUMP PRESS NOS FALA DA JUMP EM SI, DE COMUNICAÇÃO COM FÃS LOCAIS E INTERNACIONAIS
Muitos, tanto japoneses quanto fãs internacionais, apontaram a semelhança entre o formato do programa e o Nintendo Direct. Explicarei o que é para quem não conhece e a origem do formato, além do que pode ter influenciado a Shonen Jump.
Nintendo Direct é um programa criado pela desenvolvedora de jogos e consoles Nintendo, focado em anunciar ou atualizar os espectadores sobre os produtos, geralmente jogos, da empresa. A apresentação é feita pelos seus produtores do alto escalão, numa linguagem descontraída e de maneira rápida, com diversos blocos ao longo de um programa variando de jogos nicho para até titãs da indústria de games, como Mario e Zelda. Soa familiar ao que vimos com Nakano, não?
Criado em 2011, o formato demorou a realmente atrair espectadores, esses mais acostumados às apresentações de games em conferências gigantes como a E3 ou por meio de anúncios em revistas ou sites de imprensa. Em 2016, o anúncio que a Nintendo não teria uma conferência na E3 inclusive levou a mídia a pensar que a empresa poderia estar saindo de fora do mercado de consoles, que seria agora dominado pelo Playstation da Sony e Xbox da Microsoft, que ainda contavam com esse tipo de apresentação.
Entretanto, as transmissões diretas para os fãs criaram um hábito de comunidade de sempre assistir, reagir, compartilhar em redes sociais e assim aumentaram em muito a audiência assistindo com regularidade. O sucesso de um novo console aliado à essa nova prática levou as rivais a criarem suas próprias versões do formato, o State of Play (Playstation) e Xbox Inside, além de similares de outras empresas como a Capcom, Devolver, etc. A falta de necessidade de uma terceira parte intermediária transformou transmissões diretas numa forma padrão de comunicação de desenvolvedores de jogos com seus fãs, dessa forma a E3 aos poucos decaiu até seu fim, anunciado em 2023, com um de seus executivos afirmando que encerraram a feira por causa do domínio dos “directs”.
INDÚSTRIAS EM MUDANÇA
Mas pode a indústria de mangá, muito menor, adaptar o conceito? Quais seriam os benefícios disso?
Sinceramente, não acho que a maioria das empresas tenha necessidade, mas é algo que faz sentido para uma marca gigante e de apelo global como a Weekly Shonen Jump, que lança digitalmente capítulos traduzidos de todas as suas obras em tempo real.
Um aspecto muito importante para empresas é o controle da informação. Isso é algo que toda grande marca tem noção, a Apple quando organiza um evento para anunciar um novo produto está controlando as informações que chegarão aos consumidores, assim escolhendo pontos positivos que queiram ressaltar acima de tudo. O mesmo vale para um game, os desenvolvedores escolhem as partes mais interessantes e atrativas para um trailer.
É PRECISO que existam formas de avaliação para que o consumidor possa ter noção real dos produtos que tenha interesse, então impressões de críticos, fãs não afiliados, especialistas e demais são importantes. Mas as empresas obviamente sempre vão querer passar uma primeira impressão positiva e é nisso que apresentações diretas mais as beneficia. É importante que essa noção não seja esquecida por ninguém como consumidor, mas também interessante de se pensar quando analisando essa questão da comunicação.
Trazendo para o mundo dos mangás, vamos trazer um exemplo simples e que provavelmente todos lendo esse texto viram recentemente: Jujutsu Kaisen. O mangá é um sucesso global e por isso há naturalmente um interesse em leaks. O problema é que o leitor japonês comum não precisou lidar com leaks de mangás populares em escala de massa por décadas, a leitura padrão da Jump era feita no dia que ela saia e os capítulos eram discutidos a partir daí e tudo isso mudou com o advento de fanbases globais e o compartilhamento de leaks em redes sociais. Jujutsu Kaisen teve o leak de maior proporção da história da indústria, com uma morte de impacto “vazando” quase uma semana antes do capítulo sair — tivemos fãs fazendo altar em países como Chile antes mesmo da Weekly Shonen Jump daquela semana ficar disponível aos seus leitores locais ou aqueles lendo no Mangaplus, que basicamente tiveram aquele evento inteiramente spoilado.
É quase impossível segurar totalmente leaks de mangás populares como Jujutsu Kaisen, One Piece e Boku no Hero Academia. Leitores de fora conseguem ler, avaliar, comentar esses capítulos antes que a Shonen Jump tenha a chance de distribuir, já que a revista tem uma data específica para entrega. Assim, até anúncios de anime eram vazados com antecedência. E sabemos bem o que a Shueisha, Kodansha e outras editoras de mangá acham desses leakers após terem conseguido a prisão de alguns no começo de 2024.
Mas não foi o caso de Sakamoto Days. Embora rumores existissem a respeito do anime, que inclusive acertaram o estúdio TMS, não tivemos leakers de revistas de mangá dizendo que a próxima Jump teria o anúncio do anime de Sakamoto Days, a informação em si continuou nas mãos da editora Shueisha.
O Jump Press assim então mostrou em primeira mão o trailer do anime de Sakamoto Days. Novinho em folha, os fãs japoneses e estrangeiros assim tinham a chance de ver o anime juntos pela primeira vez — tudo isso com o controle da informação sendo da Shueisha, sem leakers ou intermediários.
Ao mesmo tempo, muitos espectadores que foram excitados assistir ao stream antes viram as outras informações. O alcance do prêmio de spokon, Kochikame e Nue no Onmyouji foi expandido graças ao interesse dos fãs pelo possível anime de Sakamoto Days. Isso é similar a como falei antes, as empresas de videogame podem anunciar um evento e mostrar diversos jogos, fazendo com que séries maiores ajudem a expandir as marcas de franquias menores– um fã de Resident Evil pode assistir a um evento da Capcom esperando por novidades da saga e assistirá trailers de outras franquias como Street Fighter ou Ace Attorney.
Também é importante falar como o formato é bom para os públicos japoneses e internacionais. O Nintendo Direct é fortíssimo no Japão, o último que teve foi anunciado como sem jogos da Nintendo em si e mesmo assim tem por volta de 2.5 milhões de visualizações no canal em inglês e quase 3 milhões no japonês! É um benefício imenso para o marketing desses produtos e que permite que todos recebam as informações ao mesmo tempo nesse ambiente controlado.
JUMP PRESS E O FUTURO
Baseado nesse formato tão popular com as empresas japonesas de games, outras marcas de apelo local e global como a revista, o Jump Press é uma clara tentativa da Shueisha de expandir sua marca dentro e fora do Japão, e também com outras demografias. Jovens são acostumados com transmissões em streaming e o Jump Press pode aos poucos construir sua marca de modo que domine trending topics em redes sociais, atraindo mais olhos para seus mangás — o que é chamado no mundo empresarial de brand awareness, a consciência de marca, que tem como foco ao menos levar nomes e aumentar reconhecimento visual ou de nome.
O primeiro episódio subiu a barra das expectativas em relação ao programa ao ter seu primeiro grande anúncio com o anúncio mais esperado da revista, Sakamoto Days, uma obra que já é uma das mais vendidas na demografia shonen mesmo sem uma adaptação. É também um mangá de apelo global, ganhando leitores estrangeiros cada vez mais graças ao seu elogiado arco atual e também pelos iminentes finais de Jujutsu Kaisen e Boku no Hero Academia.
É importante que essas expectativas sejam entendidas pela Shueisha, que agora sabe que fãs podem assistir esperando ao menos a um trailer de anime e algumas novidades menores de aperitivo.
Isso não quer dizer que nunca mais teremos anúncios na revista ou que a Jump não dará mais capas com anúncios. Mangá impresso não morreu e está longe de, mais de 1 milhão de leitores compram a Weekly Shonen Jump física TODA semana e a revista em si tem sua capa por aí em qualquer loja de conveniência do Japão. Os leitores mais casuais, aqueles que não acompanham editoras e autores de mangá em redes sociais, podem conhecer ou se interessar por Sakamoto Days ao passar por uma loja e ver lá na capa: “Anime de Sakamoto Days anunciado!”. É importante sempre que tanto o físico quanto o digital se auxiliem para maximizar o alcance das obras.
Também não sou contra de forma alguma à conferências ou eventos tradicionais, a Jump Festa, a feira pública anual da revista, tem cada vez mais streams e atrações focadas no público “de casa”, alguns até com tradução simultânea. É uma forma de manter contato direto com os fãs e permite que editores, autores, pessoas que trabalham no anime, etc passem uma idéia dos criadores por trás de tantas franquias populares. Inclusive já tivemos anúncio de anime na Festa antes, Ayakashi Triangle foi lá e mostra que talvez planos do tipo estivessem em produção por algum tempo.
Olhar para exemplos locais, mesmo que fora da indústria, exibe uma imagem moderna da Weekly Shonen Jump. O Mangaplus já foi uma forma da Jump de expandir o acesso direto da da revista a leitores de todo mundo, mas a criação do Jump Press implica que agora a revista pode estar analisando como expandir e tomar de volta o controle da informação e comunicação para fãs de todo mundo também.
Além de um dia de vitória para Sakamoto Days em si, o evento pode ser uma vitória a longo termo para a Jump. Estaremos esperando pelo segundo episódio para maiores conclusões.