O segundo pilar da Jump Plus!
Para muitas pessoas, mudar de opinião é algo ruim ou algo de positivo, eu digo que é algo relativo: Ver uma série que você gosta piorando, e juntamente, a sua opinião sobre a mesma se tornando mais negativa, não é prazeroso. Contudo, ver uma série que inicialmente você criticou pesadamente melhorando, é sempre algo de positivo. Dá uma sensação de vitória: “Eu poderia ter abandonado esse mangá, mas eu acreditei e melhorou”.
Já manter a opinião sobre uma série é… confortante. Dá respaldo as suas críticas precedentes e te dá uma sensação de coerência interna: “Eu tinha razão e continuarei tendo razão”. Muitos leitores tendem a não mudar de opinião justamente por este motivo: Soa contraditório, para muitos, mudar de ideia. Eu acho que, se bem fundamentado, a opinião não só pode mudar, como DEVE realmente mudar.
Nas minhas primeiras impressões, eu tinha gostado bastante do primeiro capítulo de Kaiju 8-gou, porém teci duras palavras para o seu segundo e terceiro capítulo – conclui recomendando mesmo assim a leitura do mangá, já que tinha chance de melhorar – Será mesmo que o mangá melhorou ou manteve os defeitos do capítulo dois e três? Vou responder nessa crítica dos seus dois primeiros arcos.
Para quem não sabe, Kaiju 8-gou é um mangá de Battle-Shounen futurístico, que une cenas de ação com uma boa comédia leve. A série é lançada quase semanalmente na Shonen Jump +, plataforma online da revista Weekly Shonen Jump, e conta a história de Kafka, um jovem limpador de tripas de monstros que se transforma em uma figura antropomórficas, metade humano e metade Kaiju. Essa minha análise irá se basear nos dois primeiros arcos da série (+ a introdução) e vocês terão alguns spoilers leves. Algumas informações terão que ser ditas, mas de modo genérico, para assim agradar tanto quem lê quanto quem não lê a série.
Introdução e Arco do Exame de Seleção (Capítulo 1 até o 10):
Quando se trata de Weekly Shonen Jump, as primeiras impressões são essenciais para o sucesso de uma série: Se um mangá apresentar um primeiro capítulo de baixa qualidade, o caminho para o cancelamento já está meio andando. E nisso, Kaiju não decepcionou de nenhum modo, pois entregou um primeiro capítulo de altissima qualidade, com vários momentos memoráveis.
O autor, em um capítulo, conseguiu apresentar muito bem um protagonista carismático, com uma profissão insólita, preso em um mundo que desperta a curiosidade do leitor. O capítulo não apresenta, de modo competente, somente o protagonista, mas também o seu companheiro, Ichikawa, e sua melhor amiga de infância, Mina (mesmo ela não partecipando ativamente do capítulo). Todos esses três personagens serão importantíssimos para o desenvolvimento dos primeiros arcos da história – e também para a curva de crescimento do protagonista, por isso era essencial os leitores terem boas primeiras impressões sobre eles.
Deste modo, o escritor e artista da série, Naoya Matsumoto, consegue equilibrar um universo interessante, com personagens divertidos e boas cenas de ação. Em poucas palavras, entregou tudo que um bom Battle-Shounen pede. Aliás, o mangaká consegue ir um pouco além também, entregando algumas referências a literatura, que mesmo clichês, acabam sempre sendo acrescentando algo a mais para a série. Sim, estou comentando sobre o nome do protagonista: Kafka.
Todos os adultos já ouviram sobre “Metamorfose” do escritor austro-húngaro, Franz Kafka. Metamorfose é um dos contos mais prestigiados da história, com uma narração e escrita sublime, contudo, em Kaiju 8-gou o utilizado como uma pequena referência “pop”, que não acrescenta muito a história, porém que representa bem o que acontece com o protagonista do primeiro capítulo em diante: A transformação do protagonista em criatura estranha, símil ao modo que Gregor se transforma em um inseto gigantesco em “Metamorfose”.
E sim, a referência a Franz Kafta termina nisso. A obra não se propõe a criar um personagem como Kaneki, que transborda as mesmas inseguranças e medos que vemos em Gregor, e sinceramente, a decisão de não ir além, está corretíssima: Kaiju 8-gou se propõe a ser uma leve aventura Battle-Shounen, e aprofundar-se em questões existenciais afastariam o seu público-alvo. Essas pequenas referências nos ajudam, a entender o pensamento do autor, a sua intenção, mas não deixam de ser somente uma referência pop, não essencial para entender a narração da série. Você pode consegue captar a mudança de forma do protagonista, sem precisar ter lido o conto de Franz Kafka.
Porém, juntamente com essa mudança do protagonista, a série também muda muito o seu ritmo: O equilíbrio entre drama, ação e comédia, desaparecem, entregando assim entre o segundo e quarto capítulo, várias piadas forçadas, com um roteiro extremamente apressado. O autor, desesperado em chegar em um determinado momento da história, o exame de ingresso, ignora todos os elementos basilares de desenvolvimento de um personagem.
São três capítulos, que em um anime seria somente um episódio, que não fazem jus a qualidade que a série entregou em sua estreia. A pressa do autor, pune o mangá em curto-prazo, entretanto acaba premiando a série em longo prazo: A partir do quinto capítulo vemos um arco de exame de ingresso bem construído, com momentos simplórios, porém eficazes; tudo volta a caminhar corretamente. As cenas de tensão e ação funcionam, e as cenas de comédias voltam a fazer os leitores darem boas gargalhadas.
O vice capitão Soshiro Hoshina observando Kafka, os olhares estranhos de Mina, a grande habilidade da Shinomiya, e até mesmo o modo que Kafka consegue ser ruim em tudo que o teste se propõe, dão uma carga equilibrada para a série: É uma leitura extremamente divertida, que acaba sendo potencializada pela ótima tradução para português da Gravity Scans. O autor entrega um arco World Trigger Style, que é impossível não agradar os bons amantes de um Battle-Shounen leve.
Naoya Matsumoto, sabiamente, não utilizou esse arco como um simples teste, mas o utilizou para expandir o seu universo, adicionando em seu encerramento, elementos de mistério que levam os leitores a teorizaram os reais motivos desse “estranho inimigo” e seu objetivo. Estimular os leitores a se aprofundarem na obra, é fundamental na popularização de uma série: Jujutsu Kaisen, Naruto, ONE PIECE, Boku no Hero Academia, Shingeki no Kyojin, são tão relevantes, justamente por terem uma grande comunidade que cria teoria após teoria.
O teste também acaba desenvolvendo, além do protagonista, a loirinha, Shinomiya, personagem secundária que pouco a pouco vai se tornando um dos personagens mais relevantes da série. Com utilizo de “Flashbacks” e de uma cena dramática que revela algumas fragilidades da heróina, Naoya Matsumoto apresenta por completo ao público os elementos psicologicos básicos que compõe a Shinomiya. Em compensação, o personagem Ichikawa acaba sendo totalmente esquecido, se tornando somente um amigo de Kafka.
Por isso, propor imediatamente um teste, que ao mesmo tempo apresenta muitos personagens secundários, joga o protagonista em uma situação de estresse (que vai resultar em boas cenas de ação), e por fim, expande o universo do mangá, foi uma escolha acertada e merece os nossos aplausos.
Mas, mesmo merecendo nossos aplausos, não é que o que o autor realizou seja inovador: HUNTER X HUNTER também vai ao exame “Hunter” em pouquíssimos capítulos, porém, Togashi em nenhum momento sacrifica um sequer capítulo introdutório para levar o protagonista ao exame. A verdade é que Naoya Matsumoto, por mais que seja um autor promissor, ainda está apresentando, e é normal entregar uma história com uma qualidade mais variante.
Missão de Sagamihara (Capítulo 11 até o 23)
O autor chega na primeira missão com vários pontos importantes a serem desenvolvidos: Os novatos precisam mostrar para o que vieram, e Kafka, também precisa demostrar que merece essa vaga, mesmo sendo uma tragédia em combate: As cenas de comédia, muito presente no arco anterior, são reduzidas, e o autor aposta em capítulos mais dramáticos (que continuam sendo bem leves), com cenas de ação mais incisivas.
E eu acredito que esse arco acabou sendo o momento que o Naoya Matsumoto demonstrou ser um mangaká pronto para desenvolver uma série de sucesso: Não exagerando nas cenas de ação, o arco consegue entregar tudo o que os leitores esperam – É simples, direto, rápido e de boa qualidade –
Vemos um ulterior desenvolvimento de personagens secundários (Com a exclusão da Shinomiya, que já tinha sido bem desenvolvida no arco anterior). Cada capítulo tem como utilidade justamente expandir o leque de personagem da série, dando mais volume para cada um deles (independente de serem personagens bem conhecido ou não): A introdução serve, por exemplo, para mostrar a utilidade intelectual de Kafka, depois tivemos uma sequência que mostra a incrível habilidade de Mina, seguida por uma cena dramática entre Ichikawa e Furuhashi, que conseguimos entender bem mais os seus temores, personalidades e objetivos de vida – Mesmo que ambos, por enquanto ainda sejam personagens bem vazios (O Ichikawa continua sendo bem superficial, mas tem espaço para ser mais bem desenvolvido, a história só está começando), nesse questão ainda tem muito a melhorar -.
E quando tudo parecia que ia dar terminar mal, temos o nosso momento “LUFFY”, no qual o protagonista aparece para salvar a história: Em ONE PIECE esses momentos de tensão tendem a serem construídos por mais capítulos, contudo, Kaiju 8-gou se propõe a ser uma história mais veloz, por isso chegamos ao clímax do arco rapidamente. E, não cansado em desenvolver os personagens secundários, a cena após batalha, com o Vice Capitão Hoshino, nos ajuda a conhecer mais o vice capitão e entrega uma ótima sequência de ação.
Deste modo, diferente do arco passado que tivemos grandes problemas no seu início, nesse segundo arco da história, esses problemas foram minimizados e a qualidade latente de Kaiju 8-gou conseguiu se realçar. Acredito eu, que o mangá, a cada arco tenderá a se tornar mais épico e muito mais interessante, por isso a estrada de Kaiju 8-gou, parece ser só em subida.
Conclusão
Eu acho que Kaiju-8 sofre bastante entre o capítulo 2 e 4, porém é uma pequena sequência de capítulos, praticamente insignificantes, que tinham peso somente nas minhas impressões (pois eram minha opinião sobre, justamente, esses capítulos). A série, deste modo, até o momento entregou 23 capítulos (dois arcos) muito bons, que mesmo mergulhando de cabeça no óbvio e no clichê, consegue desenvolver bem a sua história.
Nenhum personagem irá te fazer refletir sobre a vida, a história, até o momento, não me despertou nenhuma real emoção, além de uma sensação de “divertimento”, mas é justamente isso que muitas vezes precisamos: Kaiju 8-gou, por enquanto, não é uma história dramática, é um Battle Shounen leve e divertido, que leva aos seus leitores a rirem, enquanto “gozam” de uma boa cena de ação.
Os personagens são todos bem apresentados: O autor está realmente construindo uma equipe de “soldados” interessante, e em breve teremos uma ligação emocional com todos eles. É um quebra cabeça bem simples que está sendo montado com calma. O universo, ainda muito básico (a história tem somente 1 ano), também está sendo construído de modo simples, mas muito eficaz.
Não devemos julgar uma obra pelo que QUEREMOS que ela seja (um grande Battle-Shounen de guerra contra os Kaijus), mas sim pelo que ela se propõe a ser e pela capacidade do autor de alcançar esses objetivos: E Kaiju 8-gou alcança muito bem os meus objetivos, cometendo somente alguns erros, causado pela inexperiência do Naoya Matsumoto. É uma leitura prazerosa e divertida, que me leva sempre a rir. É algo que eu espero continuar lendo nos próximos meses e que eu espero que continue no meu TOP 30 de Melhores Mangás, como aconteceu no ano passado. Eu recomendo dar uma chance a Kaiju 8-gou.
Nota: 7.5