O que Michelagenlo diria?
Com o transferimento de Gintama, os editores decidiram não perder mais nenhum segundo, e lançaram na mesma edição, dois mangás de comédias que tem potencial para substituir uma das maiores comédias da história do mundo dos mangás. Tanto Jimoto Ga Japan quanto Shishunki Renaissance David-Kun estreiam com um peso nas costas absurdas – A Weekly Shonen Jump nesses últimos anos perdeu várias comédias de peso e as novas que estreiavam não conseguiam compensar em popularidade. Vimos SKET Dance, Beelzebub, Ansatsu Kyoushitsu, KochiKame, PSI Kusuo Saiki e Gintama irem embora. E nesse período quais séries novas conseguiram se manter por ao menos 1 ano na revista? Isobe Isobee Monogatari e Samon-Kun wa Summoner. A primeira teve um pico de sucesso, mas depois ficou sem material e acabou com 16 volumes. Já a segunda chegou a agradar os leitores, principalmente aqueles mais “cult”, mas nunca conseguiu se ter uma grande rede de seguidores, mesmo recebendo grande destaque por um período.
A consequência é essa revista que de comédias tem somente as rom-com. Os editores deste modo estão a procura de novas comédias para que o público que gosta do gênero não abandone a revista de uma vez por todas. Existem três estilos de comédia muito presente no mercado: 1 – Comédias puras, voltadas somente para piadas com várias referências e situações engraçadas (KochiKame, PSI Kusuo Saiki e Dr.Slump) 2 – Comédias mais reflexivas, que misturam constantemente assuntos sérios com cenas engraçadas (Gin no Saji, SKET Dance, Yotsuba To!), 3 – Action-Gag, que são comédias que misturam ações frenética com comédia CONSTANTEMENTE – não só em alguns arcos, mas constantemente – (Beelzebub, Gintama e Bobobobo-bo). Os editores devem estar planejando lançar mais comédias que misturam ação, mas esses mangás são mais complexo e precisam de roteiros mais bem articulados, o mesmo vale para comédias mais reflexivas. Deste modo, talvez por falta de autores preparados para os outros dois estilos, os editores lançaram dois mangás de comédia mais tradicional ou puras.
Mas será que esses mangás são bons o suficiente ao ponto de conseguirem se tornar um novo grande sucesso? Obras do gênero não precisam obrigatoriamente vender muito, é mais importante ter uma popularidade interna alta. Deste modo, será que esses dois mangás vão conseguir agradar o público interno da revista? Bem, nessa análise irei comentar o primeiro capítulo desses dois mangás, dando a minha opinião técnica (e deixando em certos momentos o meu gosto de lado – não por completo, porque é impossível -. Irei comentar mais meu gosto pessoal em relação as séries no Podcast que sairá em breve), e depois quando terminar irei dar uma nota para o primeiro capítulo e deixarei minha opinião sobre a possibilidade da série se tornar um sucesso, me baseando somente no primeiro capítulo (Sobre os demais capítulos vocês poderão descobrir lendo a TOC semanal, no qual nos capítulos 4, 5 e 7 das séries, darei uma prévia sobre suas chances de se tornar um sucesso). Sem mais delongas, vamos ver nessa análise minhas primeiras impressões de Shishunki Renaissence David-Kun, e amanhã (ou quarta) veremos de Jimoto Ga Japan.
Shishunki Renaissence David-Kun
O mangá que abriu a edição #42 da Weekly Shonen Jump acabou sendo a estréia “Shishunki Renaissence”, o mangá é escrito e desenhado pelo novato Yushin Kuroki, que venceu em 2012 o “Jump Treasure Shinjin Mangasho”, competição que premia o melhor One-Shot de um autor novato. Yushin Kuroki na época tinha lançado divulgado um One-Shot diferente, e que por motivos desconhecidos acabou não sendo serializado na Weekly Shonen Jump. Sua segunda aparição relevante no mercado acabou sendo ainda nesse ano de 2018, com o próprio Shishunki Renaissence David-Kun, que acabou sendo lançado na própria Weekly Shonen Jump, como One-Shot. A série acabou tendo uma ótima recepção por parte do público japonês, e os editores decidiram reaproveitar a série.
Um dos elementos que ajuda Yoshin Kuroki a se destacar tanto, ao ponto de vencer prêmios, é sua arte muito bem detalhada e com várias expressões faciais interessantes, intensificando assim a relação dos leitores com sua comédia. Esses elementos acabaram sendo muito bem elogiados por várias pessoas nos seus One-Shots, e o autor já nas primeiras páginas da série demonstra aos leitores que o já seguiam que sua primeira série manterá esses elementos presentes no One Shot: boas expressões faciais e uma arte muito bem detalhada. As primeiras páginas são muito focadas em apresentar o protagonista: tanto a sua personalidade pervetida quanto seu “range” de expressões faciais e movimentos característicos. Isso acontece, pois a construção do personagem dessa vez deve ir OBLIGATORIAMENTE além da sua personalidade ou pensamentos.
Shishunki Renaissence aposta em uma comédia muito vulgar, surreal e visual. Sobre seu surrealismo: Estamos vendo a estátua de David que é protagonista de uma história colegial japonesa, no qual ninguém se questiona sobre tal fato (em certos momentos o protagonista faz isto, mas com uma extrema naturalidade) – O humor da série se baseia nessa visão surreal e sem sentido, que pode te levar aos risos somente em pensar. Para intensificar a comicidade da situação, o protagonista não deve ser uma estátua sem expressões e emoções (por mais que seja engraçada a ideia, não iria se sustentar por mais de 5 páginas), ele deve apresentar uma reação humana, que na verdade deixa a situação ainda mais surreal, pois é estranho ver uma pessoa que parece muito com o David, ficando avermelhado quando vê a garota que ama. A humanização de David acaba deixando o visual da série ainda mais cômico e funcional. Deste modo, o autor inteligentemente utilizou sua ótima técnica em transportar emoções já nas primeiras páginas, intensificando a comicidade da série.
Porém quando o assunto foi desenvolver a PERSONALIDADE do protagonista, podemos dizer que a série pode ter cometido alguns erros, se o objetivo for agradar o público mais geral. Acertos se o objetivo era segregar as opiniões. David-Kun não é simplesmente um herói atrapalhado apaixonado por uma garota que parece Vênus do quanto “O Nascimento de Vênus” de Sandro Botticelli, o autor decidiu dar uma característica de pervetido impulsivo que faria de tudo para ver a calcinha de sua amada. O problema dessa escolha é que além de ser um tema muito batido, que já foi utilizado a exaustão nas séries (por isso não traz um real diferencial, como os elementos anteriores trouxeram, já que foram raramente utilizados), mas também acaba afastando parte do público feminino, que deve compor cerca de 40% dos leitores da revista, e aqueles leitores masculinos que não gostam de obra do gênero. O autor com esta escolha cria uma polêmica sobre o mangá, que pode ser muito arriscada, pois certamente afasta tantíssimo leitores, mas caso seja bem utilizada, pode atrair os leitores que gostam de tais elementos.
PORÉM, como eu apenas escrevi, essa personalidade pervetida do protagonista e essa tendência ao “ecchi” deve ser bem utilizada. Para mim, nas primeiras páginas o autor consegue utilizar bem em alguns momentos e mal em outros. Por exemplo, quando o protagonista diz “Cazzo” e faz uma expressão de irritado, acaba funcionando, pois o uso do italiano mais sua expressão acabam sendo um elemento de surpresa, algo que o leitor não espera. Porém, quando ele repete a mesma técnica após o personagem principal mentir para sua “crush”, não consegue mais trazer o mesmo impacto cômico: O elemento surpresa desapareceu e pareceu somente uma cena forçada. A comédia sempre caminha nesse nuance que poucos autores sabem equilibrar. Yushin Kuroki nos seus primeiros capítulos apresentou cenas engraçadas, mas muitas outras piadas talvez acabaram não dando tanto certo. Ás vezes o autor deve optar por poucas piadas de qualidade, que são construídas de maneira calculada, do que várias piadas jogadas em somente uma página, no qual tantas não acabam dando certo.
Se em suas primeiras páginas a série caminhava em um elemento polêmico, mas dando passos pequenos, as cenas seguintes, com utilizo de elementos obscenos para fazer piadas, talvez jogou a série imediatamente em uma zona de desconforto para muitos leitores. O autor PROPOSITALMENTE adiciona elementos que deixariam muitas pessoas chocadas, no mesmo tempo que poderia fazer rir o público adolescente mais jovem (que gosta de piadas relacionadas a xixi, genitais ou peido) ou aqueles que gostam de piadas mais extremas com uma comicidade que não podemos considerar de alto nível. Sejamos sinceros, Yushin Kuroki decide adotar piadas de baixo escalão com um humor escrachado, mas ainda baseado no surrealismo da situação. Toda a sequência do banho dourado acabou não tendo nenhum sentido lógico, superando os limites do bom-senso e entregando algo que talvez muitos autores não tem a coragem de fazer: Uma obra de comédia com uma vulgaridade decameronica (inspirada no Decamerão de Giovanni Boccaccio). Foi uma decisão arriscada e muito corajosa, o autor está apostando na polêmica para divulgar sua série. A vulgaridade, por mais que não me agrade nem um pouco, não é exatamente um elemento negativo, Go Nagai utilizou do grosseiro para ser conhecido por todo o mundo, antes de apostar em obras menos vulgares e mais contidas. Porém, não podemos negar que tal elemento é excludente, e destinado a um público restrito. É uma aposta arriscadíssima.
Toda a sequência muito vulgar, no qual a estátua do anjinho urina no protagonista, que é obrigado a trocar de roupa enquanto comenta sobre “o poder do seu pênis” (que está para ganhar vida própria), culmina na personagem “Vênus” entrando no quarto em que ele se encontra, tropeçando e caindo perto do protagonista nu e sujo de urina, reproduzindo visualmente a obra de Michelangelo, “A criação de Adão”, presente na Cappella Sistina no Vaticano. Caindo, Vênus se aproxima da genital de David, que diz (a genital) “Ciao” para a garota. A garota fica extremamente envergonhada pela cena e David acaba quebrando em vários pedaços também por causa da vergonha. Toda essa sequência chega a um nível surreal gigantesco e aposta em uma vulgaridade que supera qualquer obra lançada nos últimos anos na revista.
Obviamente o autor poderia ter construído toda a cena, no qual culmina na reprodução na pintura de Michelangelo de modo bem mais leve, porém o autor QUIS apostar em algo mais agressivo e “over the limit”. Foi uma escolha consciente e muito bem calculada. Tanto Yushin Kuroki quanto o seu editor sabiam qual seria a reação da grande maioria dos leitores. O seu humor está justamente em entregar uma vulgaridade decameronica juntamente com um surrealismo sexual – que de modo muito mais artistico e inteligente (ao ponto de anular a comparação) Salvador Dali já fazia -. Devo assumir, quando o assunto é entregar uma comédia chocante, Yushin Kuroki tem propriedade. Mesmo eu não gostando da obra, devo admitir o seu domínio neste quesito. . O autor utiliza de vários elementos vulgares e obscenos justamente para dar essa sensação de desconforto e transgressão aos leitores. Você não está lendo que sua moral aceita tranquilamente. É uma escolha muito bem calculada e equilibrada. Já quando o assunto é constância de sua comédia, eu acredito que o autor deveria diminuir o ritmo das piadas, apostar em poucas piada, mas boas. Eu não acredito que Shishunki David-Kun teve um bom primeiro capítulo: para mim suas piadas não foram bem desenvolvidas e acabaram sendo bem apressadas. A pouca quantidade de páginas prejudicou bastante a série, PORÉM, a obra mesmo não entregando um bom desenvolvimento, é muito corajosa e pode alcançar o seu objetivo.
A verdade é simples, Shishunki Renaissence David-Kun deixa MAIS DO QUE CLARO que não quer ser uma comédia reflexiva, não quer ter piadas para a família e não quer respeitar a moral japonesa. David-Kun quer provocar o leitor com cenas vulgares decameronicas (que não chegam a qualidade do decamerão, obviamente) que podem levar algumas pessoas a cair na gargalhada. É um humor voltado ao extremo que vai desagradar muitos, mas pode agradar um público específico, fazendo assim que a série se torne um sucesso. Dependendo da reação das pessoas, Shinshunki Renaissence David-Kun pode inclusive se tornar um grande sucesso comercial, superando as 200 mil cópias por volume – Se o público jovem interpretar a série como um modo de transgressão, como muitas obras de Go Nagai eram interpretadas -. Por causa da sua comédia vulgar, as chances da obra acabar fracassando e sendo cancelada precocemente são muito altas. A série também pode acabar agradando um pequeno público, vendendo pouco, mas mesmo assim se mantendo na revista. Porém, caso o público consiga comprar essa ideia e interprete, como eu disse agora pouco, a obra como um símbolo de transgressão e comédia corajosa, pode acabar dando muito certo e se tornar um grande sucesso. É uma série que dependerá muito da recepção do público japonês. Atualmente acredito em seu cancelamento precoce.
Entretanto de uma coisa eu tenho certeza: Michelangelo tem sorte de estar morto.
Nota: 5/10.