Batalha dos sexos.
A segunda estréia da leva de Outubro de 2017 foi o mangá de esporte “Full Drive”, de um autor novato (igual ao outro mangá da leva, Golem Hearts que analisei a algumas semanas atrás). Por isso, chegou o momento de eu dar o meu veredito sobre os três primeiros capítulos, dizendo os seus pontos positivos, negativos, problemáticas que uma série do gênero pode sofrer e logicamente, suas chances de se tornarem um sucesso na maior revista de mangás do mundo.
Uma obra de esporte como Full Drive, acaba sofrendo de um problema do gênero: deve seguir regras tão claras no primeiro capítulo que acabam sendo prevísiveis demais e MUITO controladas – a introdução a uma série de esporte acaba sendo muito igual, independente do mangá -. Somente poucos autores conseguem mudar desse clichê esportivo, que para mim, começou a ser o calcanhar de Aquiles da série do gênero. Outros mangás decidem se manter no clichê, mas mudam poucos detalhes que deixam a história mais rica e acabam agradando o público, temos como grande exemplo séries como Hinomaru Zumou que se manteve no esquema tradicional e mesmo assim apresentou um dos melhores primeiros capítulos já vistos da revista.
Full Drive apresentou um primeiro capítulo dentro desse esquema mais tradicional, não tentou apresentar um conceito totalmente fora do regular, como aconteceu com os primeiros capítulos de Rikudou, mangá de boxes lançado na revista Young Jump e que teve vários capítulos traduzidos para português ou mesmo Haikyuu!! que mesmo não usando um esquema original, também não se encaixou no tradicional. Levando em conta que o autor, Ono Genki, decidiu se manter no seguro, para conseguir entrar um bom início de série, o diferencial deveria ser realizado nos detalhes, além de obviamente, utilizar bem os elementos que fazem parte desse esquema. Se o autor não souber utiliza-lo, o capítulo com certeza terá uma leitura prazerosa.
O esquema escolhido por Full Drive, é o mesmo de Kuroko no Basket e Hinomaru Zumou. O primeiro passo é apresentar o protagonista, que por incrível que pareça é um novato no pedaço (como em Hinomaru Zumou e Kuroko no Basket). Esse novato já tem um passado no esporte, sendo inclusive muito vitorioso ou simplesmente muito habilidoso, por isso não é qualquer um. Chegando nessa nova realidade, ninguém acredita realmente na habilidade do personagem, pois visualmente fraco ou seu esporte é marginado (como no caso de Zumou). Contudo, por variados motivos, o protagonista encontra um “inimigo” já no seu primeiro dia nessa nova realidade, e obviamente esse inimigo zomba da habilidade do protagonista, e por subestima-lo decide desafia-lo em um combatimento direto (no caso dos mangás relacionados a trabalho em equipe, esse “malvado” se vê obrigado a trabalhar com o novato que ele tanto despreza). O resultado éapós uma partida (do esporte central) muito emocionante e bem desenhada, o protagonista consegue vencer o seu inimigo. Essa derrota demonstra ao vilão da história quanto é forte o nosso herói da história, e também acaba servindo para demonstrar o mesmo aos leitores do mangá.
Os autores utilizam essa estratégia por dois motivos: os leitores amam a sensação do “underdog” que consegue demonstrar quanto é forte. Isso acontece em todos os mangás Shounens – Deku mostrando para Bakugou que não é mais um garoto fraco. Hinata dando seu salto pela primeira vez e chocante os inimigos. E Tamahiro, humilhado pela garota, mostrando que na verdade é um ótimo jogador de tênis de mesa. É uma estratégia válida, utilizadíssima nesse esquema tradicional, que funciona se o autor conseguir desenvolver bem essa sensação que o protagonista é um “underdog”. O outro motivo é que ao menos o autor pode apresentar a verdadeira força do protagonista, algo que necessariamente deve acontecer no primeiro capítulo, nesse esquema tradicional.
Tirando pequenas alterações, Kuroko no Basket, Hinomaru Zumou e Full Drive são iguais, a única diferença grande é que as duas primeiras se tornaram um sucesso, a terceira série não (ou pelo menos, acredito que não irá se tornar). Pois Full Drive pegou esse esquema, e falhou em alguns passos, além de não apresentar elementos únicos que realmente são únicos e interessantes. Kuroko no Basket e Hinomaru Zumou apresentaram elementos únicos bem cativantes e impactantes, principalmente Zumou que seu elemento “único” dentro do esquema tradicional era justamente o esporte, o tão esquecido e ridicularizado, sumô.
Sobre alguns passos que Full Drive acabou falhando, o primeiro foi apresentar uma partida de tênis de mesa realmente pouco emocionante, a partida entre Marin e Tamashiro por mais que tenha sido divertida, não conseguiu transmitir a beleza do esporte. A sensação que me deu foi simplesmente que tinha um vulto passando pelos quadros do mangá – problemática que se repetiu no terceiro capítulo -. O que prejudicou ainda mais as cenas no qual os personagens utilizavam seus “super golpes”. Eu simplesmente não consegui sentir nenhuma daqueles quadro como algo chocante ou espetacular. Qual é a graça de ver vultos passando pelas páginas? Nenhuma. Uma boa dinâmica de movimento na arte é importantíssima em qualquer série que utiliza objetos esféricos em movimento.
Continuando a comentar sobre o clímax do primeiro capítulo, o fato que o autor decidiu produzir um mangá no qual as partidas são exageradas (por isso que parecem batalhas B-Shounen) é um elemento que sinceramente não me agrada, contudo, é uma escolha de estilo, que não conta como fator negativo por sí só. O problema desse subgênero dos mangás de esportes, é que atualmente estão cada vez mais fora da moda. Os japoneses querem ver cenas exageradas, mas em menor grado, como acontece com Haikyuu!!. O corvo por traz de Hinata quando salta, acaba sendo uma metáfora para exaltar a cena, mas em nenhum momento o seu salto parece totalmente irrealístico (somente um pouco). A suspensão de descrença que o leitor deve ter com mangás como Prince of Tennis, e no caso Full Drive é muito maior, é maior que com Hinomaru Zumou e Haikyuu!! (e Kuroko no Basket no início). O que acontece é que os novos leitores de mangás não estão dispostos a diminuir a descrença ao ponto de acreditar que os golpes do protagonista com sua raquete são tão fortes que parece mais que ele atirou com um fuzil, criando inclusive uma explosão de ar. Por isso, por mais que não seja um elemento negativo, acaba se tornando uma problemática quando o assunto é conquistar votos.
Outro elemento dentro do esquema tradicional que Ono Genki não conseguiu desenvolver muito bem foi a personalidade do protagonista, que acabou sendo muito nula. Tamashiro, que também utiliza um nome nada original, é um personagem que tu pode até criar um pouco de empatia (diferente do protagonista de Golem Hearts), entretanto, não te faz realmente torcer pela sua vitória. A personalidade da vilã (que sabiamos desde a primeira página que viraria companheira do protagonista), talvez tenha um apelo muito maior com japoneses, que gostam desse gênero de personagem feminino que o protagonista. Aliás, o desenvolvimento de Marin acabou sendo um acerto, talvez o diferencial que o autor deu ao seu mangá que pode acabar dando uma chance de sucesso a série.
Adicionar já o passado do protagonista foi importante para termos uma noção sobre o amor que Tamahiro tem ao esporte e também entender bem seu objetivo no Japão. Acabou sendo um acerto, que ajudou no desenvolvimento da história, deixando-o mais credível o protagonista, principalmente o motivo pelo qual ele utiliza sempre a mesma raquete, mas não fez tanta diferença, ao ponto de aumentar a empatia que o público sente pelo nosso herói. A cena no qual o protagonista tira o casaco e mostrar seus músculos também acabou sendo interessante para o desenvolvimento do primeiro capítulo, mas não chegou a ser impactante.
Acabou que tivemos um primeiro capítulo dentro do esquema, que não apresentou realmente nada de novo para o leitor, e mesmo sendo agradável a sua leitura, já que realmente em grande parte o roteiro foi em escrito e as cenas bem desenhadas, acabou passando longe de ser um capítulo memorável. Nos capítulos seguintes (segundo e terceiro) o autor continua a desenvolver bem os personagens, suas personalidades vão se tornando mais empáticas, contudo, a falta de emoção nas partidas de tênis de mesa, continuou sendo um grande problema para a série. E eu diria que o mangá teria chance de sobrevivência, se não tivesse essas partidas realmente bem mornas e sem graça. Infelizmente o autor parece não saber transportar o tênis de mesa ao papel.
Full Drive não é um mangá ruim, eu diria que entrega um produto aceitável e que com o tempo pode se tornar muito bom, porém tudo indica que não teremos esse “tempo” para ver a série crescer e mostrar sua verdadeira força, já que sua recepção acabou sendo negativa. A verdade é que entregar uma série “nota 6” em uma revista no qual temos vários mangás “nota 8 para cima”, não é o suficiente para fazer que sua série sobreviva e conquiste votos dos leitores. Tu precisa entregar ao menos capítulos notas 7.5 para isto, e Full Drive não chega a tanto. Se o mangá tivesse sido lançado a quase dois anos atrás, quando a revista estava com pouquíssimos novatos de sucesso, as chances de Full Drive sobreviver seriam bem maiores.