Fazenda de Carne.
Foi uma festa enorme quando soubemos que iria ser lançadas novas séries na Weekly Shonen Jump. A verdade é que quase todo mundo não estava mais suportando a revista ser tão estática, mas se o pessoal já estava ansioso por novos mangás, quando soube que Posuka Demizu seria o desenhista da primeira série dessa nova leva, simplesmente os seguidores da revista “explodiram” de alegria. A maioria ignorou o nome do roteirista, que sinceramente, é bem desconhecido, e focaram no anúncio que Posuka Demizu iria lançar uma série.
A internet não ficou eufórica, simplesmente por Posuka Demizu ser um artista talentoso, mas provavelmente o que fez a maioria dos leitores ficarem tão animados, é saber que um autor que início na internet, publicando seus trabalhos gratuitamente, pode ter a possibilidade de crescer em um ambiente tão fechado e tradicional – O caminho que os autores deveriam seguir era praticamente o mesmo para qualquer. A estrada apresentada em Bakuman, mas, o mundo está mudando, e parece que os editores estão se adaptando a isso. Com a internet, os editores encontraram outro modo de convencer os editores que podem ter um grande futuro, o autor de Sesuji wo Pin! to também começou publicando suas histórias na internet. Ainda é necessário enviar seu trabalho para a Shonen Jump e fazer os editores gostarem, mas caso não gostem, existe outros modos de fazê-los mudar de ideia.
Yakusoku no Neverland começa da maneira correta, o autor reservou as primeiras páginas para apresentar ao leitor a dinâmica do orfanato, e principalmente, demonstra que todas as crianças ali, mesmo sendo órfãs, se sentem muito felizes. Era necessário mostrar que as crianças se veem como uma família, justamente para dar um grande impacto quando essa imagem fosse destruída, ainda nesse primeiro capítulo. Deste modo, Kaiu Shirou cerca de 10 páginas somente de momentos “alegres”, onde as crianças comem, se divertem, riem e parecem estar muitos felizes. A transposição do roteiro feito por Posuka Demizu também é eficiente, vemos na arte, o que é dito nos balões, mas acredito que o trabalho mais eficiente por parte do desenhista nesta 10 primeiras páginas é principalmente a “mãe” (que é a gestora do orfanato), que consegue passa uma ideia aconchegante, como fosse realmente uma mãe que ama todas as crianças que ali vivem. Ideia que todas as crianças do orfanato cultivam, mas que será destruída nas próximas páginas também.
É a partir da décima página que começamos a notar alguns elementos bizarros no mangá – A história ainda podia estar parecendo alegre, várias crianças que comem alegremente, mas quando vi que cada criança leva um número no pescoço, imediatamente percebi que tinha algo de errado naquele local. E na página seguinte, esta minha suspeita foi confirmada: Assim que a protagonista da história coloca o fone de ouvido, Posuka Demizu entra um quadro bem mais escuro, onde as crianças tem expressões bem mais serias. Totalmente oposto do que estávamos lendo nas páginas anteriores (onde as crianças tinham expressões mais felizes e os quadros eram extremamente brancos). Quando um autor começa a adicionar na própria história quadros mais sérios e “bizarros”, é sempre um pré-anúncio que a história tenderá a ser mais obscura, mesmo que as primeiras páginas sejam mais claras e felizes – Essa cena um pouco mais bizarra, em comparação a anterior, acabou sendo muito interessante e importante para o desenvolvimento dos três protagonista, já que serviu para apresentar mais elementos do orfanato (questões da inteligência e também da idade limite), além de nós fazer entender mais sobre os três protagonista, principalmente a heroína da história.
Falando na protagonista, para mim foi de uma grande coragem por parte de Kaiu Shirou apostar em uma protagonista feminina que não é “hiper-sexualidade” – Temos realmente poucas personagens femininas como protagonista na Weekly Shonen Jump, e essas poucas normalmente são “peitudas” e com um “sexy appeal” gigantesco, por isso, podemos dizer que são mulheres que não espelham as “leitoras”, e sim, mulheres que estão ali para atrair os “leitores”, o público masculino. Deste modo, é realmente legal ver uma série entregando uma personagem feminina que possa servir de exemplo outras garotas, que são cerca de 35% a 40% das compradoras da revista atualmente – Muitos podem argumentar a protagonista foi “masculinizada”, como alguns fizeram na 2ch, mas eu discordo. Vimos uma heroína esperta, que usava das suas habilidades físicas para conseguir vencer a brincadeira, e mesmo não superando o seu colega, que utiliza a “estratégia” para vencer, conseguiu passar uma impressão de uma garota bem mais atlética que a maioria das personagens que vemos no Japão. Talvez, pensamos nessa ideia que a personagem tenha sido masculinizada justamente por ela não seguir os ideias japoneses de garota, por isso, um personagem do sexo “frágil” e extremamente “fofa”, assim ao vermos uma personagem sapeca, que corre, brinca e se diverte, sem pensar nos esteriótipos de gênero, tentamos enquadra-la em uma estereotípico, considerando-a mais masculina, e menos feminina. Emma é somente uma criança muito sapeca.
Após a sequência, onde conseguimos entender mais a qualidade dos três protagonista, além de conhecermos um pouco melhor o mapeamento da região, tivemos a despedida de uma das crianças do orfanato, que teoricamente seria adotada por um casal. Contudo, após a sua partência, Emma e Norman reparam que a criança adotada (Conny) havia esquecido o seu ursinho favorito, e assim decidem leva-lo até o portão, na esperança de Conny ainda não ter partido. É nesse momento que temos a grande reviravolta da história. A dupla descobre que na verdade Conny estava morta, e que o orfanato é na verdade uma fazenda de carne humana de luxo. O roteirista Kaiu Shirou construiu nas primeiras 35 páginas uma noção alegre sobre o orfanato, justamente para nessa sequência revolutivas de páginas, destruir toda a nossa noção, assim deixando-nos surpresos. Sinceramente, por mais que não me tenha surpreendido assim tanto, a reviravolta conseguiu me agradar bastante. A arte de Posuka Demizu também foi de extrema importância: Conny morto com a flor que sai do peito, Conny dentro do recipiente, o designer dos monstros, os monstros se abaixando para pegar o corpo, os quadros mais escuros, as expressões de susto de Emma, as expressões sérias e apáticas da “Mãe”, são um dos pontos que comprovam como a arte de Posuka Demizu foi de grande importância para o efeito impactante que a sequência causou.
Por sorte, as duas crianças conseguem escapar a salvo dessa situação e retornam ao orfanato com um grande objetivo: Escapar do local levando todas as crianças embora – O universo da série não pode ter sido muito bem apresentado e como as próprias crianças do orfanato, não temos a minima ideia do que está além daqueles muros (e com certeza essa é uma decisão do próprio roteirista, Kaiu Shirou. Dar ao leitor a mesma sensação de insegurança, cegueira e ignorância que as crianças sentem. Elas não sabem o que está além dos muros, nós também), porém, mesmo nós não tendo uma noção do que esperar do universo da série, dá para imaginarmos que o mundo está dominado por essas criaturas estranhas, mas mesmo assim, os seres humanos ainda existe, que devem viver escondidas para não serem executadas ou mesmo comidas.
Sejamos sinceros, o conceito de Yakusoku no Neverland é muito interessante, e por mais que o primeiro capítulo não tenha apresentado quase nada sobre o universo, conseguiu realizar com eficiência o seu objetivo principal: Mostrar como o mundo de três crianças alegres pode se destruído por uma realidade esmagante, além disso, jogou ao leitor um mistério que pode despertar a curiosidade de muitas pessoas, que tenderão a votar na série para saber a resolução deste mistério. O conceito de “fazenda de carne de luxo” (já que pelo que entendi na conversação das duas criaturas, a carne era destinada a pessoas ricas), pode nos levar também a várias discussões sociais: O mangá tem um potencial enorme para fazer uma grande crítica ao capitalismo, já que estamos falando de comercialização da vida humana, para que somente os mais ricos usufruem. O mangá pode também entrar em uma ótica mais animalista, já que essas crianças são tratadas como os animais que cuidamos para o consumo humano atualmente. E também pode discutir uma ótica mais niilista da importância da vida humana, onde os humanos são simplesmente peças sem importância, em uma humanidade dominada por criaturas, uma espécie de “Planeta dos Macacos” sem macacos. Logicamente essas são temáticas que a história tem abertura para discutir, mas não podemos esquecer que estamos tratando de um mangá lançado na Weekly Shonen Jump, por isso todas essas temáticas podem acabar sendo ignoradas. Yakusoku no Neverland é um mangá interessante, que deu um bom ponta-pé inicial, e que eu espero que consiga sobreviver, pois tem um grandíssimo potencial.