Um sonho de muitos fãs, mas que parecia basicamente impossível aconteceu: Ruri Dragon ganhará um anime pela Kyoto Animation (que será referida como Kyoani pelo resto do artigo)!
O desejo dos leitores fazia sentido, se existe um estúdio com fama de adaptar obras slice of life da melhor forma possível, é a Kyoani. Mas por outro lado, parecia algo bem difícil de acontecer — eu mesmo sempre disse que achava muito improvável. Então o anúncio caiu como uma bomba, fazendo com que Ruri Dragon imediatamente se tornasse o tópico mais discutido das redes sociais no Japão. Para explicar um pouco da significância do anúncio precisamos falar da Kyoani em si.
Fundado na década de 1980 pelo casal Yoko e Hideaki Hatta, o estúdio de Kyoto é um dos mais famosos e reverenciados do mundo do anime, sendo casa de clássicos como Suzumiya Haruhi, K-ON, Lucky Star, etc. Fugindo dos problemas comuns da indústria, a Kyoani preza pela qualidade de vida de seus funcionários, que recebem contratos fixos no lugar do foco em freelancers e animadores online tão comuns em outros estúdios. Esses animadores recebem treinamento interno, benefícios e condições ideais para exercer seu trabalho da melhor forma possível.

Enquanto cada vez mais estúdios pegam mais e mais projetos, precisando estourar seus limites para manter a demanda, a Kyoani preza por lançar um número limitado de obras por ano. Geralmente um anime de TV e algum outro projeto como um filme. Em 2025, por exemplo, eles lançaram CITY The Animation como série de TV e o filme de Kobayashi-san Chi no Maid Dragon nos cinemas. Esse método de trabalho permite um foco grande em cada obra, com diretores, animadores, etc tomando o tempo que for preciso para entregar o seu melhor.
Com uma galeria de sucessos ao longo das décadas, a Kyoani se desprendeu ainda mais do padrão da indústria ao conquistar autossuficiência; a partir dali, o estúdio decidiu só tomar projetos que interessem ativamente seus criativos, cortando relações com comitês de produção e editoras que tentem exercer controle criativo grande demais sobre seus anime. Alguns exemplos aparecem com o fato da Kyoani ter parado de adaptar obras da editora Kadokawa e em como vários produtos de Maid Dragon precisam usar os designs do mangá, já que a Kyoani tem direitos sobre os designs do anime.
Com isso dá para entender o porquê da dificuldade de imaginar um anime da Weekly Shonen Jump na Kyoani, certo? A Shueisha toma parte ativa nos seus projetos e, por isso, pouca gente acreditava que a Kyoani toparia trabalhar com eles. Entretanto…

Após uma semana de tease e dicas de seu próximo projeto, a Kyoani revelou um pequeno vídeo no qual um relógio revelava o icônico pirata da Jump e quase todo mundo imediatamente apontou para Ruri Dragon. A parceria que parecia impossível estava prestes a ser anunciada.
O anúncio oficial veio num pequeno vídeo com os projetos futuros do estúdio, como um novo filme compilação de Hibike Euphonium e Nijusseiki Denki Mokuroku como seu anime de TV em 2026. Ruri ficou com a data 2 mil e “Jump”, mas é provavelmente uma obra para 2027. Eles não vão dar uma data tão antes, mas deve ser o anime de TV deles para esse ano.
Mas como Ruri chegou na Kyoani exatamente? Não temos respostas, mas podemos assumir algumas coisas baseadas em comentários anteriores de gente do estúdio. A Kyoani continua SIM até hoje escolhendo os seus projetos: CITY veio do quanto criadores do estúdio são fãs do trabalho do mangaka Keiichi Arawi, também criador de Nichijou, igualmente adaptado por eles. Já Maid Dragon continuou recebendo sequências por ter diretores apaixonados pela série.
Como mangá, são obras que não chegavam perto de serem gigantes do mercado em vendas, mas o interesse do staff da Kyoani é o que prevalece e as duas obras receberam produções basicamente melhores do que quase qualquer outro projeto na indústria. Ser shonen ou não pouco importa, inclusive não é a primeira obra da demografia pela Kyoani, com Koe no Katachi da Weekly Shonen Magazine tendo recebido uma adaptação por eles.

Isso quer dizer que o desejo de adaptar Ruri veio da Kyoani? Não. Pode ter vindo da Shueisha mesmo que viu na obra um potencial de apelar para o público fã do estúdio e/ou que tem mais interesse no slice of life que em gêneros mais associados à Weekly Shonen Jump como battle ou spokon. O ponto é que existia gente na Kyoani com interesse em Ruri e gente na Shueisha interessada em criar uma relação de trabalho única para a obra.
Uma das provas da diferença do habitual da Jump é que todo o tease e o anúncio oficial vieram PELA Kyoani. Ela promoveu, publicou o vídeo e nada leakou em lugar algum, implicando que, provavelmente, a existência do projeto ficou apenas para o estúdio, o autor do mangá seus editores diretos e alguns executivos da Shueisha.
Nem na próxima edição da Weekly Shonen Jump teremos o anúncio do anime de Ruri ainda. Tendo noção dos vazamentos da revista, para manter o controle de informação com a Kyoani, o anúncio nas páginas da Weekly Shonen Jump só deve aparecer daqui algumas semanas.
E só para lembrar, recém tivemos a Jump Festa, aonde Ruri basicamente não recebeu nada. Nem um painel promovendo o mangá. A Shueisha realmente deixou a Kyoani no controle desse aspecto. Mas isso não quer dizer que a editora não esteja envolvida.

Ao final do vídeo no qual o anime foi anunciado, tivemos esse slide promovendo o mangá com Ruri Dragon. Primeiro relembrando que Ruri Dragon sai na WEEKLY SHONEN JUMP DIGITAL (importante, voltaremos aqui) e que já existem 4 volumes disponíveis para compra.
Um sucesso imenso de imediato, Ruri Dragon publicou seis capítulos na Weekly Shonen Jump, a revista física, e depois ficou 2 anos em hiato por problemas de saúde de seu autor Masaoki Shindo. Foi um baque imenso para a Jump que viu uma obra que vendeu 100 mil cópias em um mês no seu primeiro volume entrar num longo hiato.
A solução encontrada para trazer o mangá de volta foi seu lançamento na Weekly Shonen Jump Digital, a versão virtual da revista. Ela recebe os mesmos mangás com os mesmos capítulos da revista normal: One Piece, Sakamoto Days, Witch Watch, etc, só que com um capítulo bônus de Ruri Dragon a cada duas semanas.
A questão é que além disso, esses capítulos ficam disponíveis para compra individual no serviço Jump+ e isso levou muitos a: 1. não saberem que o mangá retornou 2. associar o hit com a Jump+, enquanto os editores claramente querem que essa marca de sucesso seja associada com a Weekly Shonen Jump, que perdeu vários de seus maiores hits nos últimos anos.
Trazer Ruri Dragon em anime pela Kyoani é uma forma de revitalizar uma marca de enorme potencial de mercado e que dá a impressão da Shonen Jump ainda ter várias obras de sucesso. Até hoje quando um volume de Ruri é lançado, as lojas japonesas o colocam entre os destaques da Weekly Shonen Jump. Quando estive lá em Novembro, as lojas sempre botavam em destaque os volumes novos de One Piece e Ruri Dragon, com os demais lançamentos do mês em claramente uma posição menor de foco.

Ainda não dá para saber o quanto cada empresa terá de controle de aspectos como merch ou a imagem do anime em si, mas dá para ver claramente como tanto Jump quanto Kyoani enxergam essa como uma parceria Ganha Ganha para os dois lados, tanto uma ênfase enorme na grandiosidade da colaboração entre duas marcas renomadas.
A Shueisha basicamente garante que uma de suas obras com mais potencial terá uma adaptação excelente e segurança de sucesso, além de trazê-la de volta à conversa após o hiato ter impactado seu crescimento. Enquanto isso a Kyoani fará uma adaptação que já chega com uma fanbase grande, diferente da maioria de suas obras, e pode expandir ainda mais o seu público. Os dois lados podem ter cedido um pouco do controle que habitualmente teriam sobre seus anime, mas com os dois saindo vencedores com um grande sucesso.
A Kyoani ainda deve ter um controle criativo enorme sobre como adaptar Ruri. Se a obra não fosse da Jump, não haveria surpresa alguma do estúdio ter se interessado: Ruri se assemelha muito às vibes de vários anime de sucesso deles, sendo um slice of life com elementos fantásticos e designs fofos. Não era incomum ver gente falando que Ruri é uma obra da Manga Time Kirara perdida na Shonen Jump.
Isso não quer dizer que a Kyoani está mudando então. Terem feito Koe no Katachi não implicou em mais adaptações da Magazine. Eles devem continuar adaptando obras que interessem seus criadores.
Vi gente falar “isso quer dizer que a Kyoani poderia adaptar um mangá como Madan no Ichi?” e, como provado por esse anúncio, nada é impossível. Porém também não se torna algo provável. Não sei se o estúdio teria interesse e também não acho que a Shueisha queira um estúdio que faça 12 episódios só por ano e depois Ichi fique esperando 3 ou 4 anos para ganhar mais uma cour. Ruri já encaixa perfeitamente na imagem e necesidades de produção do estúdio, tanto por seu gênero como o fato de receber menos capítulos que um mangá semanal.

Mas é claro que isso cria uma relação de trabalho. Então se no futuro mais obras interessarem a Kyoani e encaixarem na imagem do estúdio, não é impossível ver mais alguma colaboração entre eles e a Shueisha.
Dito isso, o mérito em si é de Ruri Dragon que superou um hiato que teria acabado com várias obras. Em seis capítulos o mangá conquistou tantos fãs que fez a Jump “quebrar regras” para mantê-lo. E agora consegue talvez a melhor produção de uma obra Jump dos próximos anos, com potencial grande para um boost de vendas e se tornar numa marca enorme para produtos, colaborações, eventos, etc. A Kyoani pode ser ótima com seus funcionários, mas ainda é uma empresa focada em fazer dinheiro e eles são excelentes em saber monetizar todas as IP que trabalham com.
Uns tempos atrás, escrevi um artigo sobre algumas das influências e do apelo de Ruri Dragon. Nele falei de como Ruri conseguia extrair o melhor de vários gêneros diferentes que influenciaram seu autor, sejam eles battle shonen, tokusatsu ou até visual novels dramáticas.
A versatilidade é um dos maiores trunfos da Kyoani justamente, que consegue fazer as cenas de lutas mais incríveis imagináveis num anime como Chuunibyou demo Koi ga Shita, sabem trazer o máximo de emoção possível num anime de comédia como Tamako Market ou transformam orquestras escolares nas apresentações musicais mais épicas em Hibike Euphonium. A dualidade de Ruri como história escolar e seus poderes de battle shonen estilo Shonen Jump encaixa como uma luva com seu estúdio.
Curiosamente, Masaoki Shindo fez uma arte para celebrar o anúncio do anime e lá revelou que era um fã imenso do anime de Hyouka e seu arco do festival escolar, feito pela Kyoani. A admiração que um dia ele teve deles como fã agora é também uma admiração que os criadores do estúdio possuem pelo seu mangá a ponto de uma das parcerias mais inusitadas dos últimos anos ter sido criada para trazer cores à famosa menina dragão.

