O Yu Saito é o novo Editor Chefe da Weekly Shonen Jump e, para muitos, ele era praticamente um professor, por causa de sua grande capacidade técnica em guiar os autores. Deste modo, eu decidi começar uma nova série que terá seis partes, nas quais recolho vários ensinamentos de Yu Saito, espalhados ao longo dos anos, e trago para vocês em português, dando também a minha visão sobre a lição de Yu Saito – por isso é uma união entre o que diz o Editor Chefe e o que eu penso.
Nesse primeiro capítulo, irei comentar sobre um dos seus primeiros ensinamentos: a técnica utilizada por Boku no Hero Academia para facilitar a legibilidade do mangá.
“UM Painel, UMA Informação”
Muitos ignoram a importância da legibilidade de uma obra quando realizam críticas ou comentam uma série. Presos em conceitos como “construção de mundo” ou “roteiro”, não percebem que uma narrativa bem contada precisa de uma leitura fluida. Acompanhando fóruns japoneses como Jump Matome e 2ch, percebo que a capacidade do autor em transmitir informações de modo coeso e, principalmente, trazer uma leitura prazerosa, em muitos casos é considerada mais importante que o próprio roteiro em si. É nisso que muitas séries acabam tropeçando: Yu Saito deixa bem claro em seus ensinamentos que “a legibilidade deve ser sua ferramenta principal”, e não o desenvolvimento da história ou personagens.
Boku no Hero Academia, em seu primeiro volume, sofria de um problema similar, mesmo que em um grau bem menor do que, por exemplo, o odiado pelo Japão Dear Anemone (sobre o qual estou escrevendo uma matéria abordando seus problemas estruturais). E é aqui que entra a lição de Yu Saito: como dito em sua segunda aula, publicada em japonês no site da Shonen Jump em 2019, Boku no Hero Academia em seu primeiro volume sofria de problemas de legibilidade.
Se usarmos o terceiro quadro da segunda página de Boku no Hero Academia, logo percebemos um excesso de informação, de modo desnecessário para a narrativa. Yu Saito lista esses “excessos”, que são:
- Um fundo relembrando o momento da captura.
- Um monólogo explicando a dor por causa da captura.
- Um diálogo escrito: “Que terrível”.
- A expressão de Deku que se sobrepondo as palavras “Terrível” e “Aguentando”.
Esse painel acaba sendo problemático por causa de sua alta densidade de informação, que pode dificultar a leitura do mangá. Isso acontece porque, como dito pelo Editor Chefe, “temos sobreposição de informações”. E, se analisarmos bem, podemos perceber isso: a expressão do Deku com a imagem de fundo já transmite perfeitamente o sentimento do protagonista e a gravidade da situação, sem precisar de uma grande explicação, muito menos da frase “Que terrível”. Yu Saito adiciona que esse excesso de informação “pode acabar distraindo a atenção do leitor”, criando um “borrão” na decodificação do painel.
Já utilizando como exemplo o último painel da segunda página do capítulo 231 (Volume 24), percebemos que Kohei Horikoshi, autor de Boku no Hero Academia, decidiu adotar uma progressão bem mais limpa, continuando a expor as informações, mas sem a “sobreposição” e sem adicionar mútiplas informações. Yu Saito considera essa página um bom exemplo de composição, diferente da página do capítulo 01: “Adicionando várias informações em um quadro aumenta a carga cognitiva do leitor, intensificando o esforço para terminar a leitura do mangá”, disse Yu Saito em sua aula.
Seu conselho, deste modo, é, ao invés de produzir painéis com muitos diálogos, se deve aumentar o número de painéis na página, distribuindo melhor as informações – Quadro 1 (Não-ideal) vs Quadro 2 (Ideal).
Yu Saito conclui sua aula com mais duas dicas essenciais para autores novatos:
- Painéis sem diálogos não sobrecarregam o leitor, mesmo havendo vários deles.
- Painéis com apenas o fundo também não sobrecarregam o leitor.
Essas duas dicas são essenciais, pois, como os autores inexperientes tendem a focar muito no desenvolvimento do personagem ou na criação de um roteiro espetacular, acabam deixando de lado aquilo que, para Yu Saito, deve ser o ponto principal na criação de uma obra: garantir que sua leitura seja simples e fácil de entender. Outro exemplo de página que o Editor Chefe utilizou para mostrar a técnica de Boku no Hero Academia é justamente essa abaixo, que desta vez eu (Leonardo Nicolin) irei detalhar com mais atenção:
Mergulhamos nessas duas páginas do Capítulo 228 de Boku no Hero Academia, nas quais pode parecer uma simples exposição, mas mostram a competência de Kohei Horikoshi. O autor mantém a regra de “Um Painel, Uma Informação” e dispõe os balões em posições laterais, para assim centralizar a atenção do leitor na arte. Se voltarmos ao primeiro capítulo, percebemos que os balões não estavam tão bem posicionados, poluindo visualmente a página e dificultando a leitura.
O segundo e terceiro painel são bem parecidos, mas são essenciais na construção da tensão: essa página sem diálogo, como comenta Yu Saito, não sobrecarrega o leitor e torna a leitura mais rápida e mesmo assim informativa. O leitor imediatamente entende o que está acontecendo. Provavelmente no passado o próprio Kohei Horikoshi teria colocado nesse quadro uma explicação como “Eles estão se aproximando” ou ainda uma continuação das frases desesperadas do personagem (Twice). Com a experiência, Kohei Horikoshi optou por simplesmente deixar esse quadro somente com a arte.
O autor depois utiliza também um quadro com um “fundo”, que é o cenário da torre, com um monologo que combina perfeitamente com o conselho de Yu Saito: “Painéis com apenas o fundo também não sobrecarregam o leitor”. Assim, o autor pôde manter a regra de “Um Painel, Uma Informação”, tornando a página ainda mais legível ao adicionar somente um cenário, sem sobrecarregar o leitor de informações visuais juntamente com o balão.
Na página seguinte, no sexto painel, Horikoshi repete o que é realizado no quarto painel, enquanto no quinto e sétimo mantém a técnica de ouro: “UM painel, UMA informação”. Yu Saito não explica o motivo, mas na sua aula deixou claro a importância do terceiro, quarto e sexto painel na composição dessa página dupla, e podemos ver muito bem o motivo simplesmente conhecendo os seus ensinamentos.
Por isso, eu repito algo que Yu Saito quis transmitir nessa lição e que acredito ser importante para todos aqueles que pretendem criar uma obra ou avaliar um mangá de modo mais crítico, entendendo o motivo pelo qual uma obra consegue vingar: a legibilidade é O PONTO PRINCIPAL na criação de um mangá, e só depois temos o desenvolvimento de personagens e de roteiro. Sim, esses dois elementos também são importantes, mas com uma legibilidade ruim, as chances desses dois pontos brilharem diminuem bastante. Foi melhorando a legibilidade que Boku no Hero Academia conseguiu vingar e alcançar mais de 500 mil compradores por volume.
O próximo tópico será sobre Dragon Ball, por isso fiquem de olho!