A última TOC da Jump agitou bastante o leitorzinho ocidental. Duas capas celebrando o aniversário de duas histórias controversas no ocidente, logo Kill Ao e Nue no Onmyouji, mangás que facilmente acumulam mais haters do que fãs por aqui. Em contrapartida, Kagurabachi, o mangá do momento tomava uma nova facada, mais uma posição horrível na TOC. O mangá continua soterrado nas colocações, atrás apenas de duas histórias virtualmente canceladas.
De um lado, a alegria de poucos, do outro, a fúria de muitos. Como pode, tamanha covardia e injustiça do supervilão Nakano, que ignora o excelente desempenho das vendas físicas de Kagurabachi, ignorando totalmente o seu sucesso e tratando o mangá como um possível cancelado, no fundão da revista??? O texto a seguir elucida, ou pelo menos tenta, a questão.
Partiremos de três principais aspectos da TOC para melhor compreender o futuro de Kagurabachi. Primeiro, por que se preocupar com a TOC? Segundo, entender melhor o lado ”obscuro” da TOC, e por último, refletir sobre a ‘’insignificância’’ da TOC.
Por que se interessar tanto pela TOC?
A boa e velha TOC
De início, é sempre bom lembrar que, neste blog, neste exato recinto, já existe um texto excelente do Nicolin sobre o tema, é sua obrigação te-lo lido. É o mais completo e sucinto texto sobre o tema, em português. O único porém, ao meu ver, começa por um problema insolucionável que o texto não tinha como prever. A difusa e turbulenta divulgação de informações sobre a TOC que percorrem a internet.
Sabemos que animes e mangás são mídias focadas no público jovem, na sua maioria. Temos um fluxo constante de adolescentes e crianças adentrando esse mundo cruel, todas elas sedentas por conhecimento, munidas de uma insaciável necessidade de se enturmar, fazer parte da conversa, estar sempre interada em absolutamente tudo. Para isso, elas precisam conhecer, dominar, opinar sobre tudo que for possível, independente da confiabilidade das suas informações. Com a TOC não seria diferente.
Antes mesmo de continuar e já prevenindo possíveis réplicas, acho importante lembrar que, entre o jovem e curioso leitor que coleta recortes de informações difusas pela internet afora e o blog que trabalha com as TOCs da Jump e outras revistas há mais de uma década, acredito que um deles saiba muito mais do que o outro. Sem ofensas, mas deixa de ser arrogância por ser um fato.
Por mais simples e intuitivo que possa parecer ser, como bem explica o texto do Leonardo, – que foi devidamente linkado – muitos se perdem na simplicidade da TOC.
Várias são as métricas utilizadas para avaliar a recepção de uma série. O engajamento do seu público (visualizações e comentários), o número de vendas físicas, o número de vendas digitais, a qualidade da história, o momento da história, a importância da história, sua recepção interna (editorial), sua recepção externa (público), e, por último, a TOC em si.
Vejam, não existe uma única métrica de observação, existem várias, todas com sua devida importância; mas, sem dúvidas, sobre todas elas, uma se sobrepõe, sim, se você pensou na TOC, você está no caminho certo. Mas DNSS… porque a TOC importa mais do que as vendas? Como pode uma posiçãozinha de um índice interessar mais do que as 80 mil cópias do meu mangá favorito? Isso não faz sentido algum!! Dinheiro é tudo, o que importa são as vendas!! Calma, vou te explicar, siga o raciocínio.
Hoje em dia, qualquer um encontra com enorme facilidade as informações de qualquer história com o auxílio do ranking Oricon e Shoseki, e de novo, acalme-se, isso só conta uma parte da história. Você descobriu quanto vende o volume de um único mangá, não sua relevância para a revista. Vender volumes têm importância, mas vender a revista importa muito mais. A Weekly Shonen Jump é uma antologia de mangás semanais, seu lucro primário vem das vendas da sua revista, são mais de 1.4 milhões de cópias vendidas SEMANALMENTE, não há comparação com um volume de uma única história, lançado a cada três meses.
Outro importante aspecto, o que faz uma série vender bem ou mal não é a diferença de 100 cópias para 1 milhão de cópias, é a relação que uma série tem diante de outra série. Se todo mangá da revista vender 1 milhão de cópias por volume, o mangá novato que estrear e vender ‘’somente’’ 500 mil cópias será um fracasso. Se um mangá vender 10 mil cópias mensais em uma revista que a maioria não alcança nem 5 mil cópias mensais, esse mangá será um sucesso.
Não é complicado, o sucesso só é demonstrado através da comparação direta com seu concorrente, não de forma isolada. Assim opera o valor atribuído, pela relação do que é ofertado, e o valor atribuído para aquela oferta. É por isso que você encontra mangás cancelados na Jump vendendo 25 mil cópias por mês, enquanto na Sunday e na Magazine encontramos histórias vendendo 5 mil cópias por volume e completando 4 anos de vida.
A Shonen Jump, ou melhor, toda revista de quadrinho japonesa opera dessa forma. A Jump se destaca mais que as outras pois ela é o ápice, é a referência do mercado, de qualidade, e principalmente, a referência em novidades. É uma revista que constantemente injeta novos mangás, e isso não vem somente de dentro, vem também de fora, pela demanda do seu próprio público que anseia por novidades constantes, novas histórias, novos sucessos.
Então, retomando o argumento principal. A TOC. A TOC se sobrepõe sobre todas as métricas, por uma razão óbvia, ela sintetiza e agrega todas as outras métricas invisíveis. A TOC significa o acúmulo de informações não mensuráveis. A posição na TOC simboliza a recepção de determinada história, e isso leva em consideração todo um conjunto que envolve seu desempenho em vendas, sua recepção na votação, seu engajamento nas redes, seu apoio editorial, seu potencial comercial, absolutamente tudo.
Certos aspectos podem ser mais valorizados do que outros, quem decide, no final do dia, é o editorial. Já vimos histórias sendo canceladas mesmo com vendas consideravelmente boas, já vimos mangás no fundo da revista sobrevivendo por muito tempo, mas não lembro de encontrar mangás bem ranqueados sendo cancelados sem razão alguma.
A explicação é óbvia, a TOC, apesar de ser uma métrica confusa, quase que metafísica, é a mais apropriada. Nem de longe ela é uma ciência exata, mas é ela que aponta com a maior precisão o caminho certo. A TOC funciona como uma bússola, apontando para uma única direção, mas assim como uma bússola não serve de nada para quem não sabe a diferença entre leste e oeste, a TOC não tem serventia nenhuma para quem a interpreta erroneamente.
O mundo invisível do Editorial
Hiroyuki Nakano – O lenhador
Já foi exaustivamente explicado, a TOC não se explica no curto prazo, mas no longo prazo. De nada significa uma posição aleatoriamente jogada no fundo da revista, sendo que a média da mesma história é regular ou boa. Para um mangá ser cancelado ele não passa um dia no fundo da revista, ele passa meses, muitos meses.
E pior ainda, a métrica não é a mesma para todas as histórias. Certas histórias possuem um respaldo maior do que outras. As comédias tendem a ter um ranquamento instável na maioria das revistas, costumam também vender menos do que mangas de batalhas, esportes e romances, mas mesmo assim, duram o mesmo tanto, quando não mais.
A métrica difere, a exigência se distingue. Não se espera que um mangá de comédia alcance os números de One Piece ou Jujutsu Kaisen, se espera dele um bom apoio interno e externo, que agregue uma boa diversidade para a sua revista, isto costuma ser o suficiente para sua sobrevivência. Não tem como manter uma revista de 20 histórias todas sobre ação e aventura, o leitor precisa de diversidade, e isso só vem cada vez mais se intensificando, demonstrado por sucessos como os de Blue Box, Ruri Dragon, Akane Banashi, mangás que quebram o histórico de publicação da revista, e alcançaram o sucesso.
Outro fator absurdamente negligenciado pelo público é a reputação da Shonen Jump. Muito se supervaloriza a importância comercial de certas histórias, e claro, é mais do que óbvio para qualquer um que toda empresa funciona com o objetivo principal de lucrar. Entretanto, há um grande porém nessa relação, já que nela existe um fator externo, muito poderoso para ser tão subestimado, essencial para empresas que trabalham com seu valor intelectual, o seu prestígio.
A Shonen Jump não administra uma empresa de enlatados ou de copos plásticos, ela sustenta a marca de uma editora de quadrinhos, ela trabalha com Arte – O debate de quadrinhos serem ou não arte é extenso demais para que eu arrisque minha sorte, foge totalmente da necessidade do texto e da minha capacidade. Eu mesmo não considero mangás como arte, mas essa discussão fica pra outro momento. O que importa é que a Jump trata seus mangás como obras de arte, não somente como um produto -, e a Arte tem um valor que vai além do puramente monetário. Há uma carga de importância intelectual e histórica que precisa de uma constante administração, a manutenção do seu legado, da sua marca, da qualidade das histórias que se promovem e que entram na line up da revista, tudo isso é observado e levado em consideração, o tempo todo. Você pode até julgar que não vêm sendo esse o caso, devido a qualidade suspeita de algumas estreias que a Jump distribuiu, mas sim, isso ainda é bem relevante.
Certas histórias podem não vender bem, mas podem carregar uma qualidade artística valiosa para a imagem da revista, tornando-as indispensáveis. Isso acontece bastante com histórias que exaltam algum aspecto cultural que vem perdendo força no Japão, por exemplo.
Akane Banashi faz isso com o Rakugo, Hinomaru Zumou fazia isso com o Sumo, Maiko-san Chi no Makanai-san faz isso na revista vizinha, com as Geishas. São exemplos simples de histórias que carregam uma qualidade tão preciosa quanto seus desempenhos em vendas, que possuem um valor além do monetário, e não subestime o quanto isso importa.
Hiroyuki Nakano é, de longe, a figura mais personalizada da Shonen Jump atual. O editor-chefe entrou no imaginário popular como o cabeça da operação, para muitos, um ser maligno, encoberto por trevas, responsável por tudo que existe de ruim na terra. De certa forma, há um leve fundamento nisso. Por mais que Nakano não seja um ditador maligno que decide tudo a seu bel prazer, ainda é ele que toma a decisão final, o homem que bate o martelo. Se o mangá não atender as exigências fiscais da revista, ele pode ser cancelado. Se o mangá não se encaixa na qualidade que o editorial visualiza a revista tendo, ele será cancelado. Nada do que é feito é feito pela decisão individual de Nakano, mas sim do coletivo que se sobrepõe e se submete a ele. Ainda assim, é ele quem transparece o invisível, facilitando bastante a proximidade do público com toda a equipe editorial.
A inutilidade da TOC, Cancelamento e Kagurabachi
Kagurabachi será cancelado???????
Voltas e explicações foram dadas, contextualizadas, para alcançar finalmente o tema do momento. O nosso querido Kagurabachi da massa. Podemos, finalmente, acalentar os corações dos bachibros.
Não tem como negar, as posições de Kagurabachi não são ideais, pelo menos, não vem sendo. Como já elencado, inúmeras são as possíveis explicações. Baixo apoio interno, baixo apelo dos seus leitores, conflito com estreias e veteranos em reta final, ou até uma birra pessoal do maligno Nakano, não sabemos, não dá pra descartar. Agora, o que também não dá pra descartar é o enorme sucesso comercial das vendas físicas de Kagurabachi.
Não se tem um Battle-Shounen com começo tão promissor assim desde Jujutsu Kaisen, o mangá já supera boa parte do mercado com suas 50 mil cópias mensais. O mangá é um sucesso, ponto. Discutir suas posições na TOC e suas possíveis razões são teorias, teorias que são quase sempre infundadas. Não existe métrica que avalie o quanto o editorial apoia uma história, não existe divulgação da votação dos seus leitores, não existe evidência que sustente a sua suposta baixa popularidade interna. O que existe é a suspeita, a inferência, não a certeza. E isso não é o suficiente. Não existem explicações simples para questões complexas.
Enquanto isso, o seu sucesso não se trata de teoria, mas de um fato, totalmente demonstrado e irrefutável, o mangá performou de forma absurda já no seu segundo volume. Alguns argumentam contra, por meio de teorias ainda mais absurdas:
‘’O mangá tem na verdade tanta cópia porque poucas pessoas compram 10-20 cópias do mesmo volume, muita fujoshi maluca fazendo isso’’. Quem diz isso ignora que a mesma coisa é feita para qualquer outra história, o estereótipo do otaku fanático que compra diversas cópias da mesma história para colecionar, guardar, emprestar e ler é mais velho do que tudo, não tem novidade nenhuma nisso.
Esse mesmo tipo de argumento não foi levantado para desmerecer as vendas de Haikyuu, Blue Lock, Kuroko no Basket, obras queridas que também possuem um forte apelo para fujoshis. No fim do dia, nada mais do que argumentos vazios usados simplesmente para irritar o fandom de Kagurabachi, que costuma morder a isca sem dificuldades, sempre engajando em provocações óbvias.
Retomo uma última vez, o fator final que define o que vai ou não ser encerrado é a comparação. Na frente de Kagura, temos Dear Anemone e Green Green Green, que já estão com o pé na cova. Depois deles, três novos estreantes que não possuem fundação alguma, todos com menos prioridade que Kagura. Fora que, pelo histórico da Jump, pelo menos 2 desses três tendem a ser cancelados. Depois disso, temos Boku no Hero e Jujutsu Kaisen em reta final. Kill Ao e Nue vivem a mesma situação de Kagurabachi, oscilando e demonstrando uma segurança mista de desconfiança.
Façamos as contas. Dois cancelados, três novatos, dois encerramentos, dois mangás em situação semelhante. Nove histórias, são 9 histórias que a Shonen Jump tem que se preocupar, antes de sequer cogitar o cancelamento de Kagurabachi.
Seguro, e sem estar em risco de cancelamento, ficar em primeiro ou em penúltimo, o conteúdo da história não se altera, a oscilação na TOC não interessa para a narrativa do mangá, que recebe mais prioridade e atenção que outras 9 histórias. O mangá está seguro, sem perspectiva de cancelamento pelos próximos meses, seu conteúdo não se perde por conta de uma ou outra posição ruim no índice da revista, então, qual o pânico?
Quem tenta implicar no cancelamento de Kagurabachi primeiro precisa considerar a fila enorme que se forma, uma fila que tem Kagura bem no fundo. Depois que essa fila esvaziar, e caso as posições da TOC de fato se estabilizarem no fundo da revista (o que é muito improvável), aí sim, o clima de terror deve prevalecer, os haters podem comemorar, mas antes disso, nada mais do que uma polêmica vazia, feita para irritar os fãs da série, que não pensam duas vezes antes de dar audiência para um drama invisível.
O texto foi longo, mas me sinto satisfeito com ele. Espero que o meu chefe, Leokano Hikuri, aprove. Que sirva para ilustrar a importância da TOC, que ajude a desfazer confusões recorrentes, para um convívio mais saudável entre os interessados pela TOC. Ajudando na interpretação dos inúmeros aspectos que a rodeiam, e como nós, do Analyse it, facilitamos esse trabalho.