Quando lancei o vídeo de Sakamoto Days, em abril desse ano, dediquei alguns minutos para avaliar quanto a série realmente vendia. A partir daquele momento comecei a estudar e me dedicar um pouco mais em duas matérias que tratarão do mesmo assunto: A primeira sobre como interpretar os dados do Ranking Oricon. A segunda mais atual sobre a queda das vendas dos mangás. Essa segunda pretendo lançar em novembro. Eu considero que esses dois serão um dos artigos mais importantes do Analyse It, pois terão como objetivo principal servir como um guia na interpretação das vendas do Ranking Oricon atuais, principalmente nesse momento de crise no qual as vendas físicas estão se tornando cada vez menos hegemônicas.
Mas temos que entender alguns conceitos que serão importantes nessa análise, o primeiro é justamente o que é esse tal de Oricon. Então, Oricon é uma emprensa japonesa que recolhe os dados de vendas de várias mídias diferentes, de música a mangás, e divulga semanalmente os dados recolhidos. Nós nos concentramos somente nos mangás, mas historicamente, Oricon é mais centrado no ambiente da música. No site do Oricon é divulgado somente os trinta primeiros colocados, mas quem paga pelo serviço tem acesso até mesmo aos cem mais vendidos da semana (pelo menos isso até seis meses atrás, quando decidi pagar por um mês de inscrição para avaliar o sistema).
Também é importante lembrar que o Ranking Shoseki e Ranking Oricon usam metodologias diferentes, por isso suas posições em vendas e quantidades de vendas recolhidas serão diferentes. Deste modo unir os dois números tem uma utilidade prática, mas não científica. Quando digo utilidade prática é que, para a análise que usaremos aqui, no qual não temos acesso aos dados completos das vendas e nunca teremos, podemos unir os dois métodos, mas quando se deve realizar uma análise cientifica, não se pode unir liberamente dois métodos diferentes, já que podemos acabar acerbando as distorções de cada um.
Mas então do Ranking Oricon sabemos a metodologia? Em parte e vou explicar a vocês como a empresa recolhe os dados:
Metodologia Ranking Oricon
Em qualquer análise de vendas, um dos pontos mais importantes para serem analisados é justamente a metodologia utilizada pela empresa, pois a confiabilidade dos dados depende diretamente da precisão e rigor do método. O Ranking Oricon tem atualmente 19 mil lojas credenciadas no Japão, que “enviam automaticamente” os seus dados ao Oricon. Esses dados são enviados cada vez que um produto é pago utilizado o “PoS” (ponto de venda). “PoS” é uma caixa, como aquela de super mercado, que registra as vendas de um produto. Raros erros no sistema e pagamentos em dinheiro no qual o vendedor decide não utilizar o PoS (também raro entre as lojas credenciadas ao Oricon) podem levar os resultados coletados pela empresa a serem um pouco menos precisos.
Outro ponto importante a ser observado quando analisamos a precisão da metodologia do Ranking Oricon são as variáveis de subnotificação das vendas. Atualmente temos quatro dessas variáveis. A primeira é a possibilidade de erros casuais e sistemáticos no sistema PoS, como já citado anteriormente. O segundo é a ausência de algumas lojas importantes no sistema de credenciamento do Ranking Oricon, como a Honto e a Comic Zin, lojas que tem uma grande quantidade de clientes. A ausência dessas lojas pode sim reduzir os números de vendas dos volumes, dos Blu-Rays e dos CDs de cada franquia. Variação ao longo dos anos dessas empresas credenciadas, com ausência de grandes corporações podem variar assim também os números recolhidos pelo Ranking Oricon ao longo dos anos.
O terceiro ponto importante é que o Ranking Oricon NÃO recolhe as vendas digitais. Com vendas digitais não estamos dizendo as vendas realizadas por sites onlines, por exemplo a Amazon japonesa é credenciada SIM no Ranking Oricon e os volumes físicos vendidos pela Amazon entram, mas os volumes vendidos digitalmente pela mesma não são contabilizados. Deste modo acaba sendo natural uma subnotificação das vendas totais. O quarto e último ponto acaba influenciando pouco na precisão do Ranking Oricon, mas somado a todos os demais fatores, acaba também entrando no bolo: O Ranking Oricon não conta os produtos exportados, mesmo ele influenciando sim nas vendas de uma série. Por isso, quando nós do ocidente compramos um volume de um novo mangá da Weekly Shonen Jump para ajudar em suas vendas, essa compra é contabilizada pela Shueisha, mas não pelo Ranking Oricon
Contudo mesmo com todos esses fatores de subnotificação, tivemos quatro anos atrás uma imprecisão estranha, como já reportado pela Erzat. Em 2019, a Shueisha revelou que Kimetsu no Yaiba vendeu 10.8 milhões de cópias, enquanto o Ranking Oricon reportou 12 milhões, uma diferença de 1.2 milhões de cópias vendidas a mais. Ambos consideraram o mesmo período em vendas e não se sabe o motivo pelo qual temos essa diferença na contabilização. Levando também em conta que não sabemos a metodologia utilizada pela Shueisha, podemos somente chegar a conclusão que um dos dois cálculos (ou até mesmo os dois) não representam a realidade dos fatos. Entretanto devemos considerar os dados da Shueisha mais confiáveis, já que são dados OFICIAIS.
Isso pode indicar que todos os números do Ranking Oricon são superestimados? Não exatamente, pois é errado utilizar um exemplo único como regra. É uma indicação que o Ranking Oricon pode entregar resultados diferentes daqueles da Shueisha, mas como não sabemos os motivos desse erro reportado é impossível entender se essa variação é casual (podendo assim variar positivamente ou negativamente ao longo das séries), sistemática (por isso é algo que se repete em todos cálculos) ou causado pela imprevisibilidade das vendas de Kimetsu no Yaiba em 2019. O que podemos e irei fazer é ver que não tem outras incongruencias que indicam uma superstima em mais casos.
De qualquer modo, é por causa dessas variáveis que quando avaliamos o Ranking Oricon não podemos interpretar os dados como absolutos, e principalmente quando temos poucas diferenças em vendas (poucos milhares) não podemos dizer que um mangá vende mais que o outro. Dizer Nue no Onmyouji que vendeu 15.161 cópias vendeu menos que Ichinose-ke no Taizai que vendeu 15.506 é errado. Mas se não podemos interpretar os dados do Oricon como absolutos e não sabemos quanto uma série vende digitalmente, como podemos saber quanto um mangá vende por volume?
Mas quanto um volume realmente vende?
Então é algo muito complicado de se calcular. Muitos podem utilizar as “Cópias em Circulação” para chegar a um resultado, contudo, as cópias em circulação nos ajudam a entender quantos volumes foram enviados as lojas em todo o período de vida de uma determinada série. Não conseguimos separar muito bem a quantidade vendas físicas, vendas digitais e volumes não vendidos, encalhados nas lojas. E também é complicado saber quanto um novo volume está vendendo usando esse método. Realizar comparações de “Cópias em Circulação por volume”, mesmo parecendo um método ótimo para entendermos a popularidade de uma série em comparação a outra em períodos diferentes, acaba criando dados falsos.
Se pegarmos as vendas de Jujutsu Kaisen, que estão atualmente em seu ápice, as suas cópias em circulação serão altíssimas. Mas se a série continuasse por mais 50 volumes, as vendas iriam se reduzir e assim as cópias em circulação por volume também. Por isso quanto mais próximo uma série encerrou a sua jornada em seu momento de pico de popularidade, maior são suas cópias em circulação por volume, enquanto séries que continuam a lançar volumes após o momento de pico, vão piorar gradualmente a própria média. O que não significa que a série que tem uma média de cópias em circulação menor tenha sido menos popular, na verdade o seu pico pode ter sido maior e até mais duradouro.
Deste modo para saber quanto uma série realmente está vendendo atualmente é necessário ver a progressão das cópias em circulação. Eu vou utilizar como exemplo o nosso querido Sakamoto Days, já que o cálculo realizado é bem complexo e não temos muitas séries a disposição para tal. Recomendo vocês lerem com muita atenção, pois serão usadas várias informações importantes nesse cálculo e vocês notarão que um problema de imprecisão dos dados do Oricon surgirá.
Cálculo das Vendas com Método Oricon
Em Abril de 2023 descobrimos que Sakamoto Days alcançou 2.8 milhões de cópias em circulação com 11 volumes lançados. Por isso, a Shonen Jump / Shueisha enviou para as lojas japonesas 2.8 milhões de cópias desde a criação da série. Esse número não representa a quantidade de cópias vendidas, mas sim quantas unidades foram enviadas para as lojas e depósitos desde Abril de 2021 (quando lançaram o primeiro volume) até Abril de 2023 (Pré-Lançamento do Volume 11). Esses 2.8 milhões contam com a tiragem inicial do volume 11 e as impressões dos volumes anteriores, ENTRETANTO, não entram no cálculo as vendas digitais do volume 11.
Antes do lançamento do volume 12, a Weekly Shonen Jump anunciou que Sakamoto Days tinha 3 milhões de cópias em circulação, um aumento de 200 mil cópias entre o pré-lançamento do volume 11 e o pré-lançamento do volume 12. Esse aumento é fruto das vendas digitais do volume 11, da tiragem inicial do volume 12 e possivelmente também de reimpressões de volumes antigos. Esse aumento de 200 mil cópias indica a progressão em vendas de Sakamoto Days e é o PONTO PRINCIPAL para calcularmos quanto Sakamoto Days está vendendo por volume. Devemos agora descobrir dessas 200 mil unidades, quantas são derivados da tiragem inicial do volume 12. Para isso devemos descobrir quanto a mais a Weekly Shonen Jump imprime em relação as vendas demonstrada no Ranking Oricon.
Utilizando os dados da AJPEA, descobrimos que ONE PIECE em seu volume 104 teve 3.2 milhões de tiragem inicial, mas a série vendeu 1.671.025 milhões de cópias (sem reimpressão) em 1 mês de acordo com o Ranking Oricon, por isso 52.22% das cópias impressas. Já o volume 37 de Hunter x Hunter teve como tiragem inicial 1.3 milhões de cópias, vendendo 749.041 mil cópias em 1 mês, 57.62% das cópias impressas. Já Jujutsu Kaisen teve 1.950.000 milhões de cópias impressas inicialmente e vendeu 1.148.984 mil cópias em 1 mês, 59.22% das suas vendas. O volume 12 de Chainsaw-man teve uma tiragem inicial de 700 mil cópias e vendeu 426.671 mil cópias em 1 mês, por isso 60.95% das suas vendas. Sem precisar utilizar mais e mais exemplos, notei uma correspondência de 51% a 62% das vendas da tiragem inicial dos mangás da Weekly Shonen Jump (É importante dizer que cada empresa pode ter um percentual diferente).
Esse percentual é válido somente para séries que tem vendas estáveis, por isso não estão tendo uma queda continua em vendas (vide Ichinose-ke no Taizai), um aumento (vide Angou Gakuen no Iroha) ou é simplesmente uma nova série (vide Nue no Onmyouji). Nesses casos aumenta a possibilidade da Weekly Shonen Jump errar os cálculos, já que a performance é mais imprevísivel. Mas Sakamoto Days é um ótimo exemplo, pois tem vendas estáveis e não sofre com problemas de falta de estoque atualmente.
Utilizando esse critério, vamos voltar para Sakamoto Days. Usando o Ranking Oricon-Shoseki o volume 10 vendeu em 1 mês 105 mil cópias em 1 mês, por isso sua tiragem deve ter sido aproximadamente entre 169 e 202 mil cópias. Já o volume 11 vendeu 112 mil cópias, por isso uma tiragem inicial entre 180 e 215 mil cópias. O volume 12 vendeu 109 mil cópias em 1 mês, por isso tiragem inicial entre 175 mil e 209 mil. Se usarmos os cálculos das vendas após 10 semanas (Somando Oricon e Shoseki), vemos que o volume 11, por exemplo, vendeu 148 mil cópias usando o Ranking Oricon-Shoseki, mas isso nos faria acreditar que realmente 180 mil cópias de tiragem inicial é aceitável.
O problema dos números
A questão é que nasce um problema. Como eu disse, esse aumento de 200 mil cópias entre o volume 11 e 12, indicaria assim: A tiragem inicial do volume 12, as vendas digitais do volume 11 e possíveis reimpressões dos volumes anteriores. A Weekly Shonen Jump só está anunciando reimpressões das séries novas, por isso não sabemos se Sakamoto Days teve ou não impressões nesse período. Mas se a tiragem inicial de Sakamoto Days for realmente 175 mil cópias, o mínimo possível praticamente, significa que a série vendeu 25 mil cópias digitalmente no volume 11, o que seria menor que 22% das vendas do volume 11.
Como hipótese podemos dizer que meu cálculo de tiragem inicial é muito alto, e podemos dizer que na verdade a tiragem inicial de Sakamoto Days é de 150 ou 160 mil cópias, mas isso resultaria em uma escassez de volumes nas lojas, por isso um aumento de reimpressão, já que o volume 10 e 12 conseguiram superar 140 mil cópias vendidas em 10 semanas. Mesmo assim, se fosse esse caso parte desses 200 mil cópias iriam para as reimpressões. A questão é que Sakamoto Days não sofre atualmente de problemas de estoque, por isso não teve a necessidade de reimpressões urgentes, nem mesmo vendendo 148 mil cópias em 10 semanas como no volume 11.
Esse problema é visto também em outras séries estáveis da Weekly Shonen Jump, no qual as vendas digitais parecem minúsculas em comparação ao total. Akane Banashi e Ao no Hako você encontra o mesmo problema, no qual as vendas digitais acabam correspondendo a 20-25% das vendas em 1 mês, ignorando as possíveis reimpressões e também os volumes vendidos pelas LOJAS NÃO CREDENCIADAS no Ranking Oricon, o que seria um absurdo. Os números Oricon rendem inviáveis a progressão em vendas das cópias em circulação de muitas séries, vemos uma clara distorção do Oricon se usarmos para esse objetivo, pois para os seus números serem sustentáveis as cópias digitais, as reimpressões e as vendas das lojas não credenciais devem ser minúsculas.
Nesse caso chegamos somente duas possíveis conclusões: As vendas digitais estão longe de representar uma parcela grande no mercado e mesmo com a queda em vendas dos volumes físicos, não está aumentando como se deve. Essa redução parcela podendo ser tranquilamente abaixo de 20%, dependendo da quantidade de reimpressão ou das vendas das lojas não credenciadas. Ou temos de novo uma sobrestima de vendas por parte do Ranking Oricon, como aconteceu com o Kimetsu no Yaiba – provando que talvez não era um erro casual, mas sistemático, que deve ser considerado sempre quando usamos o Ranking Oricon, e principalmente quando somamos ao Shoseki -. Eu vou considerar ambas as possibilidades válidas, pois em ambos casos serão essenciais essas duas hipóteses quando formos avaliar a “Queda em Vendas” dos volumes do mercado na segunda parte que irei lançar em novembro, assim que os dados das vendas de outubro foram completados.
Conclusão
Podemos assim concluir que mesmo com o Ranking Oricon sendo submetido a quatro variáveis de subnotificações, sendo a mais importante as lojas não credenciadas, é possível que tenhamos uma imprecisão em seus dados, com uma superestima dos resultados como aconteceu em 2019 com Kimetsu no Yaiba, no qual tivemos uma superestima de 11% em comparação as vendas oficiais. Caso não tenha essa superestima, significa que as vendas digitais das séries correspondem a certamente menos de 20 a 25% das vendas totais de um mangá. O que seria ainda mais preocupante, pois significa que mangás como Sakamoto Days que atualmente vendem 103 mil cópias mensais, estariam vendendo 128 – 136 mil cópias em 1 mês no passado quando não tínhamos vendas digitais, uma quantidade que poderiamos considerar baixa para o mangá mais promissor da revista.
É importante dizer que mesmo com uma sobrestima do Ranking Oricon, é possível que as vendas digitais estejam entre 25% – 30% do mercado, o que não compensaria certas quedas em vendas, principalmente de algumas grandes revistas. É possível também que seja a união dos dois elementos: Vendas digitais mais baixas do que o imaginado (algo que estamos vendo em outras mídias que também tendem a supervalorizar a influência das vendas digitais no Japão) e superestima do Ranking Oricon. Seria necessário encontrar uma alternativa para avaliarmos a qualidade do Ranking Oricon. A questão é que não temos alternativas.
Para piorar, para utilizar as cópias em circulação, devemos colocar uma série em pé de igualdade, sem avaliar as “cópias totais” puramente. A questão é que colocar em pé de igualdade é muito complicado quando não temos os dados de todas as séries. Exemplo, para avaliar se o pico de Jujutsu Kaisen acabou sendo maior de Naruto, se deve: Garantir que ambos os números sejam unicamente das cópias em circulação nacional, garantir que ambos tenham a mesma quantidade de volume no arco de tempo analisado e que ambos estejam em seus picos quando tivessem o mesmo volume. A questão é que o pico de popularidade de um mangá varia de acordo com quando o anime também chegou ao pico, por isso as chances de ter uma desfazagem entre os volumes na análise é grande.
Se utilizarmos a progressão, sofremos com um grande problema que é a ausência de dados progressivos das cópias em circulação das obras. Deste modo, nos resta somente continuar utilizando os números Oricon, mas não é correto utiliza-lo como um parâmetro absoluto das vendas – principalmente para compararmos períodos de tempo diferentes -. O Ranking Oricon deste modo deve ser utilizado como um parâmetro que podemos comparar de modo relativo as vendas da série em um determinado período de tempo, talvez em um arco de dois anos. Pois é possível e também provável que tenhamos uma superestima dos resultados que vai se modificando ao longo dos anos, principalmente com a interação com as vendas digitais e mudanças nas lojas credenciadas.
Para compararmos períodos diferentes é necessário utilizar mecanismos que coloquem as séries em pé de igualdade. Algo que trabalhei nesses últimos meses para assim entregar uma segunda parte desse artigo mais exata possível. Segunda parte no qual eu comentarei se o mercado de mangás está em crise ou não, utilizando como referência os dados do Ranking Oricon.
Edição às 16h17m de 14/10/2023: Correções gramaticais e alterações na estrutura de alguns parágrafos.