Essa semana, o editor de Boku no Hero Academia e Kagurabachi revelou que está em busca de assistentes para trabalhar em algum do seus projetos. Shihei Lin, editor de várias séries da Shonen Jump+, também revelou que está em busca de assistentes para uma nova série, mas nesse caso, o editor deixou claro que precisava de assistentes EXPERIENTES. Nos anos passados vimos também anúncios parecidos por parte dos editores da Shonen Jump, como o de Muroaka que também estava em busca de assistentes. E isso não é algo que aconteceu somente agora, nos últimos anos, anúncios de procura de assistentes estão aumentando, indicando assim uma escassez de desenhistas no departamento editorial da Shonen Jump.
Mas quem são esses assistentes? Eu dividiria em duas categorias. O primeiro sendo os “autores novatos” que precisam ter mais experiência no desenho, por isso acabam se tornando assistentes de autores veteranos, e tem condições de trabalho precárias, sem remuneração pelas horas extras e salários baixos. Esses assistentes tem uma alta rotatividade e praticamente quase todos os autores que um dia lançam um mangá na Weekly Shonen Jump passam por esse “estágio”. Normalmente são autores com salários baixos e condições precárias de trabalho, mas que realizam esse função, pois a Weekly Shonen Jump precisa de mão de obra barata e também testar a capacidade de um autor de manter um ritmo semanal de desenho.
O segundo grupo são os assistentes mais experientes; normalmente são artistas que não conseguiram se estabelecer no mercado, por isso se tornaram perenes ajudantes de autores mais veteranos. Esses assistentes experientes são essenciais para desenhar páginas mais complexas que requerem uma maior técnica. Não sabemos exatamente a condição de trabalho de todos os assistentes experientes, já que pode mudar de revista para revista, mas tradicionalmente também não tem salários altos.
Ambas as categorias estão com uma alta escassez na revista, por variados motivos. Todos esses motivos são teorias, que não são certezas absolutas já que não temos dados CONCRETOS sobre a distribuição de assistentes nas editores japoneses, a qualidade do salários deles e também não temos dados sobre a condição de trabalho de todos os desenhistas japoneses. O mercado dos mangás e também das artes em gerais é muito grande no Japão, com milhares de profissionais que trabalham diariamente em vários projetos diferentes. Mas mesmo assim podemos chegar a duas principais conclusões lógicas sobre os motivos dessa escassez com os poucos dados concretos que temos:
O primeiro o motivo é a mudança no modo que artistas modernos podem ganhar dinheiro – atualmente desenhistas conseguem criar um bom salário trabalhando em encomendas na internet, além de encontrarem em outras áreas comerciais também boas propostas de emprego -. Como historicamente os salários da Weekly Shonen Jump são mais baixos, é possível que tenha nesse caso uma tendência dos autores veteranos de trabalharem em áreas mais bem remuneradas ou somente em mangás já bem estabelecidos no mercado que dão uma maior estabilidade financeira (menor chance que sejam cancelados). Isso resultado em uma diminuição de assistentes experientes em obras de menor importância.
Essa escassez de desenhistas qualificadas é visto também em outras áreas, como na indústria de animação japoneses. Shingo Adachi, animado de Sword Art Online, comentou em 2019 que a escassez de animadores e desenhistas é um grande problema para a produção de animes. Yoshiaki Nishimura, ex-produtor do estúdio Ghibli, também comentou que cada vez menos aparecem desenhistas qualificados para o trabalho. Deste modo todo o mercado de desenhistas sofre com dois problemas claros: A gigantesca quantidade de produção de obras que pedem bons desenhistas e baixa quantidade de desenhistas qualificados.
Mas isso então justifica o problema da Weekly Shonen Jump em encontrar assistentes qualificados, mas aqueles novatos, qual é o motivo da ausência deles? Autores novatos, se querem se tornar mangakás, DEVEM trabalhar cedo ou tarde como assistentes, para assim entenderem como FUNCIONA a produção de um mangá. É praticamente um estágio obrigatório. Mas do mesmo modo que a indústria de animação está sobrecarregada de animes em produção, com cronogramas loucos para aumentar o lucro, a indústria de mangás com a chegada do aplicativos onlines criaram uma quantidade exagerada de mangás, em grande parte de péssima qualidade.
Atualmente a Shonen Plus + lança mais de 70 mangás, e juntamente com os mangás da Weekly Shonen Jump (que são 20), chegam a quase 100 mangás lançados pela Shonen Jump. Antes de 2014, o departamento editorial da Weekly Shonen Jump tinha que se preocupar somente com as 20 séries da revista principal, além de lançar os One-Shots dos autores que não tinham série em produção. Esses 70 mangás a mais precisam de assistentes experientes e também precisam de mão de obra barata, por isso os assistentes não qualificados. Para piorar, esses mangás da Plus são em grande parte escritos e desenhados por aqueles autores que antigamente eram simplesmente assistentes nas séries da Weekly Shonen Jump.
Mas esse modelo é sustentável a logo prazo? É questionável. A indústria de mangás e animes estão trabalhando com a lógica de precarização do trabalho e de produzir uma quantidade industrial de material para ver se algum deles dá certo. É uma lógica terrível para os trabalhadores, mas que não obrigatoriamente é ruim para a empresa. O nível de acerto da Shonen Jump +, por exemplo, é extremamente baixo. A grande maioria das obras lançadas pela plataforma não superam a marca de 5 mil cópias vendidas, mas não sabemos se mesmo vendendo tão pouco dão lucro, já que o cálculo não deve ser realizado somente através das cópias vendidas e não temos todos os dados disponíveis para avaliar o modelo econômico da Weekly Shonen Jump.
Se esse sistema acaba criando um maior lucro para a Shonen Jump, mesmo que tenha uma precarização do trabalho, para a empresa não será um problema. O mesmo vale para todas a outras revistas que tem atualmente uma plataforma online, como a Shonen Sunday, Shonen Magazine e Young Jump. Mas isso não muda que essa escassez de assistentes é um sinal claro de problemas sérios que TODA a indústria está passando. Um problema que atinge principalmente o trabalhador, que acaba tendo que trabalhar ainda mais para sustentar um sistema produtivo industrial de mangás e animes que não tem trabalhadores o suficiente para respeitar o cronograma de lançamento.
Nós consumidores até sentimos a consequência dessa corrida pelo dinheiro. Vemos animes com animações questionáveis, vemos mangás realizando mais pausas ou entregando capítulos com uma quantidade baixa de páginas, como acontece com Boku no Hero Academia. É possível que a escassez de assistentes possa sobrecarregar o trabalho por parte dos autores principais, que já sofriam com doenças causadas pelo cronograma pesado de lançamento há década. Então essa escassez e a sobrecarga de trabalho pode aumentar tanto a possibilidade dos autores adoecerem quanto também dos assistentes, que todos ignoram nessa equação.
É um sistema que acaba mordendo o próprio rabo. Mas ao invés de criticarmos esse sistema pautado na quantidade e na precarização do trabalho, estamos jogando pedras nos autores que se adoecem, nos assistentes que desmaiam de tanto trabalho e comemoramos os resultados comerciais da nossa empresa preferida.