É o momento de comentarmos uma estreia no mercado nacional, um dos projetos mais ambiciosos dos últimos anos: a Shonen West, a revista de mangás ocidental.
TOC Shonen West #01/Julho 2024
01. Kintsugi Warrior c01
02. Blue Steel c01
03. Jonas, O Quase Mago c01
04. Tamers c01
05. Garotas da Terra (One Shot)
Leia a Shonen West: AQUI
A Shonen West tem como objetivo dar espaço para autores brasileiros (e ocidentais) de mangás, além de ajudar a desenvolver o mercado brasileiro de mangás que ainda está em crescimento. É um projeto comandado pela Editora Double Page com a parceria da Me2 Art Studio, que vocês já conhecem por causa das duas vezes em que participaram do nosso Podcast. Como eu faço com a TOC da Action Hiken, irei comentar os principais mangás desta edição, apresentando cada um e dando também minha opinião, para que vocês possam dar uma lida nessas obras, que, já adianto, são de ótima qualidade.
Lembrando que a revista será comentada TODO MÊS aqui no Analyse It, por isso se tornará um QUADRO FIXO!
Kintsugi Warrior
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Em primeiro lugar na ordem de leitura, tivemos o mangá Battle-Shounen “Kintsugi Warrior” de Josh Dunbar. Nada melhor do que abrir a primeira edição da revista com um mangá que parece que irá unir Battle-Shounen com aquele clima aventuresco que tanto amávamos nas obras dos anos 90 e que está muito ausente nos mangás da atualidade. A ambientação de Kintsugi Warrior justamente espelha esse clima leve, pois o autor apresenta uma realidade triste, na qual, por causa de terremotos silenciosos, a cidade natal do protagonista está ruindo, mas compensa com o design do protagonista alegre e juvenil, que, mesmo na tragédia, mantém o seu sorriso. Além de utilizar páginas com predominância do branco para o cinza escuro, minimizando assim o uso da cor preta utilizada para criar um clima mais pesado, comum em mangás atuais como Jujutsu Kaisen e Kagurabachi.
A quadrinização e a composição da narrativa neste primeiro capítulo também mostram um profissionalismo e talento que são incomuns em autores novatos do mercado ocidental. Josh Dunbar sabe utilizar a certa quantidade de palavras em cada quadro e balão, evitando assim a sobrecarga do leitor – e consegue criar, através de uma composição dinâmica, uma ideia de movimento contínuo. A sua arte, deste modo, é profissional e uma das melhores da revista atualmente.
Talvez o único problema que a história sofre neste primeiro capítulo seja a sua quantidade de páginas, que acaba cortando o primeiro capítulo em um momento crucial no seu desenvolvimento, no qual começamos a entender a proposta real da série. O autor apresenta a personalidade do herói e o mundo que o circunda, mas no exato momento em que passamos das páginas introdutórias e começamos a entender a história real da série, o capítulo termina. Isso acaba deixando uma sensação de “quero mais”, que é importante, mas um “quero mais” incompleto, por não entendermos bem do que se trata o mangá.
Eu continuarei a ler Kintsugi Warrior, que sinceramente tem um grandíssimo potencial, principalmente pelo seu maravilhoso clima leve que eu realmente sinto saudades em muitos mangás Shonen atuais. Kintsugi Warrior é um respiro de alívio que nós amantes de mangás merecemos.
Blue Steel
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O segundo mangá da revista é Blue Steel, obra ambientada em 2080, na qual conhecemos um protagonista malandro, mas que não pensa duas vezes em ajudar pessoas em necessidade. O primeiro capítulo da obra é bem redondo, seguindo a técnica de apresentação muito utilizada em revistas Shonen clássicas, como a Weekly Shonen Jump, Shonen Gangan ou Weekly Shonen Magazine, nas quais o primeiro capítulo serve como um One-Shot com pontas em aberto para o próximo capítulo. É diferente das técnicas de gancho utilizadas em muitos Webtoons ou mangás da J+, também comuns em mangás que priorizam o lançamento em volume, sendo a revista só um meio secundário, nos quais o primeiro capítulo não tem uma conclusão alguma.
Pessoalmente, eu prefiro essa tipologia de introdução, pois acaba dando uma sensação de leitura completa, essencial para criar uma satisfação em mim, mas também há pessoas que preferem a segunda técnica. A mídia e periodicidade da leitura trazem públicos diferentes e, assim, por consequência, também gostos diferentes. Em uma leitura em uma revista na qual você tem uma concorrência pelos votos, é essencial ter uma introdução mais fechada. Para uma plataforma online ou para um volume, não é.
Eu não consigo ler essa obra e não pensar em alguém experiente ou extremamente estudioso, já que não é um mangá com desenhos bonitos, mas que conscientemente utiliza várias técnicas precisas para alcançar resultados exatos. O sombreamento e também as linhas de movimento, como as da página cinco, remetem a obras dos anos 80 e começo dos anos 90, não muito utilizadas nas obras atuais, mas que, na minha opinião, enriquecem demais a leitura de um mangá. Assim, o autor consegue de maneira muito curiosa e competente unir elementos modernos com técnicas mais antigas.
O uso da quadrinização também é muito profissional, já que o autor sabe muito bem o momento de mostrar as expressões faciais dos personagens para construir tanto a tensão quanto o diálogo, e de modo inteligentíssimo também sabe dar foco ao certo elemento na cena, como na boca do personagem quando diz “Não acredito” ou nos pés estáticos do vilão antes de mostrá-lo imponente, após o mesmo dizer “não se mexam”. O correto uso também das páginas duplas (spreads) é essencial para a leitura fluída – é comum autores inexperientes quererem exagerar em páginas com um único quadro ou com spreads para chocar o leitor, mas são os bons autores que sabem realmente quando utilizá-las. Esse é o caso de Blue Steel.
Isso, para mim, criou a melhor leitura desta primeira edição da Shonen West.
Jonas, O Quase Mago
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Logo após, tivemos “Jonas, O Quase Mago”, um mangá que une comédia, ação e elementos de RPG que tanto amamos. A obra é escrita por Vitor Bardo, que já tinha lançado, em 2023, a HQ “Algaia”, que conseguiu agradar muitos leitores brasileiros. O autor desenha há mais de 15 anos, e podemos ver em sua nova série, que tem uma arte detalhada com um perfeito timing para a comédia. Aliás, a comédia é de longe o melhor elemento de Jonas, O Quase Mago, pois o autor criou o protagonista mais expressivo e hilário dessa revista até o momento.
E eu sempre digo que existem duas comédias principais: aquela na qual a piada está na construção do diálogo situacional (comum em obras como SKET Dance e Isobe Isobee Monogatari), assim a arte serve como um suporte à piada; e aquela em que a piada está no quesito visual, como nas expressões distorcidas dos personagens e situações visualmente engraçadas (comum em obras como Dr. Slump e Harenchi Gakuen), o diálogo assim servindo como suporte para a arte.
Utilizando uma arte que lembra muito as HQs modernas americanas, e que também é muito utilizada em várias HQs brasileiras, Vitor Bardo consegue justamente entregar essa comédia visual com muita competência, ao mesmo tempo que entrega também piadas nas quais o ponto principal está justamente no diálogo, servindo como um mix entre os dois (vemos isso em obras como Gintama e KochiKame). Mas, para ter um controle tão competente da comédia e, ao mesmo tempo, adicionar cenas de ação emocionantes com a aparição de invocações incríveis, é necessário não somente um grande talento, mas também muito estudo e técnica. Para concluir, Jonas também entrega um capítulo redondo, que conclui a primeira aventura do nosso mago. Eu estou curioso para ler mais sobre a obra.
Tamers
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Em quarto na ordem de leitura, tivemos “Tamers”, que conta a história de um garoto que acorda ao lado de um estranho ovo. O primeiro capítulo do mangá é muito interessante, pois acaba unindo drama com um terror psicológico, principalmente relacionado ao sentimento de culpa e não pertencimento. O primeiro capítulo passa muito rapidamente na leitura, por causa da sua arte fluida, mas também pela ótima construção de tensão.
Como Kintsugi Warrior, Tamers escolheu um primeiro capítulo completamente aberto, sem estrutura de um pseudo One-Shot, algo mais comum em Webtoons, mas eu não acredito que seja uma escolha ruim, pois a série se propõe justamente a criar um mistério que levará o leitor a criar vários questionamentos durante a sua leitura. Esse mistério é muito bem executado com as páginas mostrando o “monstro”, que, ao mesmo tempo em que remete ao psicológico do protagonista, também acaba remetendo ao misterioso ovo. É uma obra muito competente em seu roteiro, e que tem uma arte que consegue dar um bom suporte a esse roteiro.
Eu continuarei a ler todas as obras apresentadas na revista, mas certamente Tamers me despertou uma curiosidade diferente das outras, aquela curiosidade que somente um mangá dramático de mistério consegue.
Garotas da Terra
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E concluímos essa primeira edição com um One-Shot de Guilherme Junior, que utiliza em sua obra uma técnica de rabisco que acaba se diferenciando bastante das demais obras da revista. Algo que eu sinceramente consegui apreciar, já que o autor constantemente utiliza os seus rabiscos para criar distorções nos personagens, nos cenários e nos quadros. Garotas da Terra, que conta a história da rivalidade no Rio de Janeiro, é uma proposta interessante.
Ela me faz pensar em um elemento que eu senti um pouco de falta nesta primeira edição: brasilidade. Eu espero que tenhamos mais mangás que consigam também explorar os elementos culturais do Brasil ou do ocidente, assim se conectando também com a realidade dos seus leitores. Seria interessante uma revista diversificada, que consiga ter dentro de sua line-up obras de fantasia, obras inspiradas na realidade japonesa e também obras inspiradas na realidade ocidental-brasileira.
A Shonen West apresentou uma primeira edição espetacular, com um nível profissional altíssimo e com vários mangás promissores, e eu vou continuar cobrindo essa ótima revista mês após mês, apresentando as novas séries, mas também comentando sobre o resultado das votações!