Não é incomum de ver comentários ocidentais questionando a continuidade de Nue’s Exorcist (Nue no Onmyouji) na Shonen Jump. O mangá é um dos mais impopulares da line-up no Mangaplus e sempre foi controverso entre muitos leitores, que o consideram “genérico”.
No entanto, o caso é bem diferente no Japão, aonde Nue é parte da primeira metade da revista em questão de vendas, superando séries de batalha num estilo mais tradicional como Shinobigoto e Kiyoshi-kun, a circulação do mangá o coloca acima das 100 mil cópias por volume, foi vencedor do prêmio de “mangá que mais quero ver animado” do evento AnimeJapan, colecionou elogios de autores famosos da indústria e ganha mais produtos que qualquer série nova não animada tirando o colosso Kagurabachi. O que explica essa diferença tão grande?
MAS O QUE É NUE’S EXORCIST?
Para começo de conversa, vamos apresentar o roteiro e a estrutura básica do mangá para quem não conhece. Gakuro Yajima é um típico estudante japonês mais tímido, mas que consegue enxergar espíritos. Ao conhecer uma mulher misteriosa (Nue) em sua escola, ele firma um contrato com ela que lhe concede seus poderes para poder lutar contra esses seres. Com o tempo a meta de Nue é revelada em exterminar os Hyo, poderosos espíritos altamente perigosos para a humanidade.

Parece um roteiro de um típico battle shonen certo? Mas aí que vem o segundo aspecto do mangá; ele é também uma romcom harém. Cada arco em Nue é centrado em alguma nova heroína que se envolverá com Gakuro, juntos vão ficar mais próximos e até enfrentar outros inimigos. Os capítulos são divididos basicamente entre esses momentos slice of life, romance e batalha.
Nue é popularmente visto como parte do gênero battle harem. Um sub gênero de mangá, anime, light novels, games, etc, que é definido pela existência de roteiros típicos de histórias de batalha, mas mesclados com isso da romcom, só que com o adendo das heroínas serem parte ativa dos momentos de ação, tendo poderes e força de luta similar ao protagonista.
Na Shonen Jump mesmo histórias do tipo são raras na sua história. Seu editorial preza por procurar obras de enorme apelo de massa no mercado, preferindo então battle mais tradicionais. Mangá harém até aparece na revista de vez em quando, mas sem lutas do tipo, alguns exemplos são Ichigo 100%, To Love-ru e o atual Hima-ten.
Entretanto definir o “battle harém” em si parece ser algo que depende do quanto os elementos são balanceados e se pendem demais para um lado. Em Katekyo Hitman Reborn, existe uma trama secundária de Tsuna ser interesse romântico tanto de Kyoko e Haru, entretanto as duas garotas não são lutadores e a história eventualmente foca muito mais nas épicas batalhas. Já em Ayakashi Triangle existe um romance entre o ninja Matsuri e sua amiga de infância Suzu, mas apesar de ter algumas batalhas, era visto mais como uma obra ecchi que de ação.
O exemplo “moderno” mais próximo que penso seria talvez Nurarihyon no Mago, no qual existe até um trio de heroínas com Tsurara, Yura e Kana. Entretanto o foco do mangá é definitivamente na ação.

Os exemplos mais claro do battle harém são séries fora da Jump como Negima, Highschool DxD, Tenchi Muyo, etc. Mas as duas formas de mídia que mais tiveram obras do tipo são as Visual Novel e Light Novels. Dentre muitos títulos, duas séries se destacam e são influências narrativas e estruturais diretas para Nue. A dupla Fate/stay night e Tsukihime, do mundo do autor Kinoko Nasu, e a franquia To Aru, de Kazuma Kamachi, que engloba o universo de To Aru Majutsu no Index e To Aru Kagaku no Railgun, dentre outros.
A influência de Nasu está diretamente na mistura do romance com heroínas diversas em meio à situação de iminente apocalipse que paira sobre a vida cotidiana de Gakuro. Os Hyo estão despertando e seu acordar acabaria com tudo de sua vida e as pessoas que ama. Esse lado sobrenatural tem algo de “chuunibyou” [síndrome de oitava série] com os designs monstruosos dos personagens e seus golpes que usam ideogramas incomuns e nomes complicados até para leitores japoneses.
Narita Ryohgo, autor de Baccano, Durarara e Fate/strange fake, é um grande fã de Nue e já elogiou essa atmosfera de precisar ler o furigana, a leitura silábica, por cima dos kanji esquisitos dos ataques da série. Esse elemento era comum em VNs e Light Novels nos anos 2000.

Já em termos de estrutura, Nue parece tomar mais de To Aru. Em VNs, os jogadores escolhem uma rota de heroína para seguir até o final, culminando num romance. Entretanto, as light novels adaptaram esse elemento do múltiplo romance para um tipo linear de narrativa, assim focando em revezar heroínas por arco.
Em Index isso é óbvio, seus três primeiros arcos seguem o mesmo esquema de uma garota central sendo foco da narrativa de ação, enquanto o protagonista Touma se envolve com elas e parte para a ação por essa conexão. No arco Index é a titular Index, no arco Deep Blood é Himegami Aisa, enquanto o clássico arco das Sisters foca na popular Misaka Mikoto.
Em Nue não é diferente: o arco da Família Fujino é focado em Shiroha, o da Vila em Shitotsu, o de Suzaku em Ishu, etc. Sempre há uma conexão entre a nova personagem, que será desenvolvida, e o ponto de ação que será apresentado.
O autor Kota Kawae não esconde suas inúmeras referências (inclusive com figures de Saber, de Fate, e Misaka Mikoto, de Railgun, aparecendo em cena), então esse lado que diretamente é influenciado pelas obras otaku do tipo dos anos 2000 dialogou com muitos fãs e autores que apreciam aspectos dessa era e que viram em Nue um retorno à estrutura que perdeu força com a ascenção das novel de isekai e jogos mobile, que tomaram muito desse espaço nicho otaku.
Com vários comentários brincando desde o começo que Nue parece ser um mangá adaptação de uma visual novel de PSP, a Jump parece ter abraçado essa identidade. A revista recentemente fez uma mini VN romântica com garotas da série.

DIFERENÇAS CULTURAIS
Com tudo isso explicado, agora vamos entrar nessa parte da discussão. É inegável que o desenvolvimento da cultura de anime e mangá é diferente em diferentes partes do mundo baseado em tópicos como: 1. tempo que foi introduzido 2. obras que fizeram essa introdução 3. cultura de fã.
Um bom exemplo é que Saint Seiya é visto como uma obra pilar do imaginário popular de anime no Brasil. O anime chegou cedo no país e introduziu muitos dos elementos principais do Battle Shonen para o público brasileiro, como a força de amizade e superação, protagonistas que sempre levantam mesmo depois de apanhar, a estrutura de arco de “um fica para lutar e os outros avançam”, etc. Marcou época e até hoje é influente para os fãs brasileiros.
Entretanto os EUA veio a se interessar por anime depois, já tendo Dragon Ball Z antes de Seiya. Assim a obra nunca criou a mesma forte identidade entre os norteamericanos. Muitos foram apresentados a esses aspectos por obras posteriores diretamente influenciadas por Saint Seiya, como Bleach.
Em contrapartida, o Brasil adentrou o tokusatsu com séries como Jiraya e Jaspion que são vistas como pilares do gênero aqui e não no Japão, aonde a identidade cultural do gênero fica mesmo nos ícones dos primeiros Kamen Rider e Ultraman. Chega ao ponto de que atores dessas séries falam que são mais reconhecidos por brasileiros que por japoneses até.
Mas aonde quero chegar com isso? É simples, o fã de anime e mangá japonês que cresceu nos anos 1990 e 2000 no país teve um acesso maior à cultura otaku “Akiba-kei”. É um termo um pouco vago que define o estilo do bairro otaku de Akihabara, mas é muito associado com o lado mais nicho de várias indústrias que apelavam para um público mais dedicado e um pouco mais velho que adorava uma gama de subculturas relacionadas, como idols, maids, VNs (dating simulators), anime e mangá mais nicho, cosplay, eventos, obras doujin, etc.

Nas sombras do mainstream da Shonen Jump, que publicava várias das obras mais populares do Japão nos anos 1990 e 2000, como Dragon Ball, Slam Dunk e One Piece, a subcultura de Akiba criou seus próprios ícones, subgêneros e aspectos narrativos. Obviamente ainda existia um diálogo entre essas obras por serem da mesma indústria, Love Hina foi lançado na Shonen Magazine e trouxe muito da cultura bishoujo (“garotas bonitas”) que era febre em dating sims para uma revista shonen mainstream, tornando-se extremamente popular e influente. Mas de fato, a Jump sempre buscou obras com maior alcance de mercado como seu foco.
To Love-ru foi um mangá ecchi muito popular nesses meios nos anos 2000, mas segundo as lendas dizem, sua posição baixa na TOC da Jump era estratégica até por isso, independente dos votos. O mangá vendia bem e seus produtos vendiam como água no deserto com os otaku, geralmente mais velhos e dispostos a comprar merch, mas a Jump não via o ecchi como parte principal de sua identidade e preferia dar menos destaque em comparação aos seus maiores hits.
Mas o fato é que essa subcultura otaku existia e tinha sua base grande de fãs. Simuladores de encontro como Tokimeki Memorial, que chegou a vender 500 mil cópias no seu ápice nos anos 1990, e Love Plus, vendendo 250 mil cópias nos anos 2000, definiram época e foram referenciados até em obras da Shonen Jump — Gintama tem um arco no qual Shinpachi se vicia em Love Plus. Então era algo de tamanho suficiente que esse público existiu e continuou existindo, talvez passando por transformações, virando fãs de LNs e suas adaptações nos anos 2000 e de jogos mobile/sociais no futuro, como Fate Grand Order, Kantai Collection, Blue Archive, Uma Musume, Gakuen Idolm@ster, etc.
Nue’s Exorcist é um mangá que conquistou seus fãs justamente nesse nicho. A maioria dos comentários desde o começo sobre a obra são sobre o quanto ele abraça esses conceitos sem ter vergonha e parece algo saído direto da era Heisei (de 1989 até 2019). Além disso é uma obra do tipo sendo publicada na maior revista de mangá do Japão. Não é por acaso que muitos autores que fizeram parte desses movimentos, como o próprio Nasu, declararam serem fãs do mangá.


Factualmente, a cultura de Akiba não teve o mesmo impacto na construção cultural de anime em boa parte do resto do mundo, principalmente no Ocidente. O próprio conceito do “Big 3”, de One Piece, Naruto e Bleach é uma construção exclusivamente não-japonesa já que, apesar de serem todas obras populares no Japão, elas não popularizaram anime e mangá no país e nem tiveram um domínio tão grande da percepção geral da mídia.
Sim, as pessoas amam One Piece lá, mas mesmo que fosse por um conhecimento de passagem, as pessoas sabiam que existia um segmento grande de obras nicho destinadas ao público otaku.
Com o lançamento do Mangaplus hoje em dia temos todas as obras da Jump disponíveis em inglês ao mesmo tempo que saem no Japão, então alguns fãs que associam a revista exclusivamente ou principalmente ao battle shonen tiveram uma percepção muito negativa de Nue’s Exorcist. “Tosco”, “cringe”, “esquisito”. Não é como se o mangá fosse consenso entre os japoneses, mas desde o começo conquistou um contingente grande de apoiadores, algo que não houve fora da Ásia.
Isso não quer dizer que dá para generalizar tudo e todos simplesmente pela região que vivem. Pessoalmente, eu gostava de battle shonen, mas mergulhei fundo no lado mais “otaku” da indústria cedo, assisti Di Gi Charat no Animax (obra que estreia a mascote Dejiko, ícone de Akihabara e que está na imagem acima no artigo) e logo me apaixonei pelo gênero das romcom, tendo acompanhado mais obras shonen no gênero como Hayate no Gotoku e Kami Nomi zo Shiru Sekai [The World God Only Knows] na adolescência. Ao mesmo tempo também existem vários leitores japoneses que não dão bola para obras nicho e preferem que a Jump foque em battle, afinal são suas obras mais populares.
Cada um tem suas preferências e experiências próprias, não dá para questionar isso e o direito de cada um gostar do que quiser. Mas a questão que trago aqui é que Nue já tinha um campo mais propenso em seu país para gostar do tipo de obra que declaradamente é. Não é imenso, mas o suficiente para garantir uma estadia segura na Shonen Jump moderna, além de ser um tipo de público mais dedicado a comprar produtos visto como “de apelo” ao público otaku.
Em menos de três anos de existência, Nue já teve pop up stores, café temáticos e é uma das séries da Jump não animadas com mais regularidade em criação de produtos. Nesse sentido, se torna um nicho interessante num momento que vendas de volumes estão em plena decadência na indústria inteira. A Jump nunca vai abandonar sua vontade de ter os maiores títulos battle, mas talvez seja obrigada a dar mais espaço para “nichos seguros” em questão de lucro. Não existe mistério do porquê da obra permanecer em andamento, diferente do que muitos falam pelas redes.
QUALIDADES ÚNICAS

Então quer dizer que Nue só faz sucesso por trazer nostalgia? Obviamente não, já que outros autores não conseguem reproduzir o mesmo resultado. Se fosse fácil, todos fariam.
Um papo comum, e incorreto, muito repetido por ciclos de anime e mangá por aí é que “se colocar garotas bonitas/fofas, o autor está apelando para fazer sucesso”. Primeiramente, as séries mais populares são BATTLE, então “apelar para o sucesso” não seria focar em batalhas legais? Segundo que mesmo se essa fórmula fizesse sentido, temos inúmeros exemplos de séries com designs sexy ou fofos que não se deram bem. Como sempre, é tudo uma questão de execução. Um bom battle precisa de cenas de impacto que fisguem a atenção dos leitores, enquanto romcom precisam ter designs interessantes que chamem a atenção em meio a tantos outros.
Em Nue’s Exorcist os designs das heroínas chamaram atenção quase que de imediato, com inúmeras fanarts de praticamente todas elas. Do design que incorpora elementos de vestimentas asiáticas antigas de Nue ao kuudere mais tradicional do rosto de Shiroha. Funcionam tanto para os momentos de ação quanto os de romance.
A arte para o battle também chama a atenção com os espíritos tendo aparições realmente aliens ao que é normal e uma evolução constante na quadrinização e artes nas batalhas, aonde o autor Kota Kawae prioriza um número maior de quadros para demonstrar movimento e ações do que focar em páginas duplas de impacto.


Já falando em narrativa, a história é basicamente aquela mistura de “dias comuns na escola” de comédia romântica caótica com a ação frenética de grande escala. Não é exatamente o conceito mais único, mas como sempre é a questão de execução, ainda mais para o público japonês que preza mais pelo conceito de oudou — o caminho divino, que implica que seguir “clichês” pode ser uma qualidade valorosa porque o autor se prende plenamente a executar bem os tropos. É basicamente como ir a um teatro de rakugo, você já sabe a espinha da história que será apresentada, mas a forma que ela é contada muda pelos retoques e características próprias de cada intérprete.
Obviamente, se a execução for fraca, o mangá será massacrado porque não trouxe nada novo e o que trouxe de clássico não funcionou. É uma crítica comum aos flops da Jump inclusive, comentários do tipo podem ser vistos para battles tradicionais que não deram certo mesmo seguindo os conceitos à risca.
Um exemplo de como Nue conseguiu conectar com os leitores nesse sentido é o arco dos Fujino logo no começo do mangá, que praticamente garantiu sua sobrevivência na revista. A primeira parte do arco focou em cenas de romance e comédia no cotidiano enquanto Gakuro conhece Fujino Shiroha, que entrou na escola para tomar Nue dele. As situações são bestas, mas engraçadas, como quando os dois vão a um café juntos e um senhor bigodudo aleatoraimente fala “Marvelous” (maravilhoso, falando em inglês mesmo) ao vê-los juntos.
Pode ser algo besta, mas essas cenas cotidianas valem a pena quando o confronto derradeiro entre Gakuro e Shiroha se dá e o protagonista declara que está lutando para salvá-la do seu destino de ser apenas uma “peça” da família Fujino, sem sua própria individualidade. Shiroha grita de volta com o herói que ele nunca vai entender, mas ele se mantêm firme na sua convicção. Os leitores japoneses adoraram isso e fizeram comparações com outros momentos icônicos parecidos em outras obras, como a luta de Touma e Misaka em To Aru.


Nue’s Exorcist dosa bem os lados de balança para que a “defesa da vida comum” de Gakuro faça sentido quando ele enfrenta grandes inimigos. Ao permitir que os personagens sejam bobos nas situações cotidianas, o leitor cria afeto com eles já que existem além das barreiras do Mundo da Batalha.
Um ataque massivo de um Hyo é mais impactante quando coloca em risco os personagens que aprendemos a gostar do que só falar de forma simples que “destruiria a cidade” que não temos vínculo afetivo. Uma escala mais íntima de conflito é uma tática frequente de escrita: Frieza matar Kuririn gera uma reação maior do leitor, agora querendo vê-lo apanhar, que o fato dele “destruir planetas” que nem conhecemos.
Já falando da comédia, ela é extremamente elogiada, com várias cenas viralizando nas redes japoneses até fora de contexto. A sala inteira reagindo para uma aluna nova e pensando de forma uniforme “nem todos entendem ela, mas eu sim” é legitimamente um momento engraçado e que se tornou um meme regular por aí nas redes.
Hoje em dia, capítulos mais focados na comédia, capítulos de romance, capítulos de ação são bem elogiados pelos fãs. Nenhum aspecto se sobressai mais que o outro, a harmonia é essencial para que um battle harem funcione e acertar essa balança é uma tarefa difícil.
VOZES DISTINTAS

Isso quer dizer que todo fã de To Aru e Fate gostará de Nue? Não!! Cada obra tem suas peculiaridades e os gostos das pessoas variam até dentro de fanbases próprias. Alguns podem gostar de Fate pelo conceito dos heróis históricos batalhando e ligar pouco para o romance. Não dá para generalizar tudo.
Não estou dizendo que todo “otaku hardcore nicho” amará Nue’s Exorcist, nem que um leitor mais regular de battle shonen não possa ser fã da obra. Conheço gente que ama ecchi, romcom, VNs, etc e não liga para Nue, mas fãs de battle que adoram o mangá pelos poderes, batalhas e até o romance. Assim como geograficamente não dá para falar “todos os japoneses gostam de Nue” ou “todo ocidental odeia Nue”.
Entretanto, é importante entender que a indústria de anime, mangá e relacionados é algo enorme e abrangente e que muitas vezes o alcance de certas perspectivas é limitado em certos espaços. Infelizmente (ou felizmente para alguns), existe um certo sentimento de que certos gêneros e estilos são intrissicamente inferiores para alguns fãs e parte da mídia especializada.
Dentro disso, obras destinadas ao público otaku mais nicho recebem bem menos respeito fora do Japão, que pelas razões explicadas no post tem um contingente maior de fãs de subcultura e maior influência até dentro do meio shonen. Dá para se dizer que a distância entre o “battle shonen” de uma Jump e o “battle harém” de uma light novel é menor pelas questões óbvias de acessibilidade, senso de comunidade maior e construção histórica.
Não estou exigindo que alguém leia Nue, desgoste e pense “na verdade, é bom”, mas sim que certos comentários como generalizar todo leitor japonês como “só gosta porque tem fanservice” é uma generalização sem sentido algum. Você pode não gostar de Nue, mas existem motivos para o mangá ter sobrevivido por mais de 120 semanas na revista de mangá mais competitiva do Japão e eles são entendíveis, mesmo que você não concorde.
Todo mundo tem direito a seu gosto, mas abrir espaço para mais vozes com opiniões diferentes sem menosprezar ou calar qualquer discussão dissidente é importante. Querendo ou não, a parte da cultura otaku que alguns desgostam é parte enorme do que é anime e mangá e ignorá-la é perder nuance do que forma anime e mangá como meio artístico livre.
E isso vale para vários lados. Quando falam em “fujobait” como algo ruim ou aparecem as opiniões milaborantes de “só desenhar homens bonitos pras fujoshi” existe uma questão de ignorar a profundidade das subculturas, como se seus participantes não tivessem noção de qualidade ou discordância.
E o mesmo vale para quem menospreza battle shonen como “inferior” por ser mainstream demais e perde o tanto que eles influenciam até os anime de garotas fazendo coisas fofas. É uma indústria de diversas facetas que mesmo em seus nichos são influências vizinhas.
O PULO DE NUE

Recentemente um tweet viralizou sobre a próxima geração da Shonen Jump com as obras acima: Nue’s Exorcist, Kagurabachi, Kiyoshi-kun, Hima-ten, Madan no Ichi e Shinobigoto. A revista já havia anunciado essa campanha promocional em torno de sua próxima geração, com produtos novos disponíveis na loja oficial deles.
Comentários se revoltaram: “como ousam colocar esses outros juntos de Kagurabachi e Ichi?” diziam alguns. Porém a Jump sempre foi uma revista que ofertou tanto os maiores hits do mercado quantos sucessos menores populares com seus leitores. Pyu to Fuku Jaguar, um gag bem esquisito, durou 10 anos na revista, passando por quase toda a era do “Big 3”. Parte de uma revista semanal é aceitar que teremos escalas diferentes de sucesso para gêneros e estilos diferentes, mesmo que o foco dos editores ainda seja achar os maiores battle do mercado.
Além disso é um questionamento vazio quando se analisa os números que temos, as outras quatro obras obviamente vão permanecer na revista ao menos pelo próximo ano já que o número de fracassos é grande demais para que algum deles corra um risco. Então é mais que normal a promoção.
Isso volta na idéia de não querer ignorar a existência de tudo que não gostamos. O entendimento maior de mangá, tanto como arte quanto mercado, parte de se ver o cenário todo que ele se encontra. Talvez a Jump aposte mais em nichos pequenos como Nue como “bônus” para além de seus grandes hits, talvez não porque preferem arriscar mais na sua tradição. É algo que veremos no futuro.
Curiosamente, estive no Japão durante essa campanha e fui à loja da Jump. Como fã de Nue, comprei vários dos produtos do mangá e ao ir pagar o caixa japonês olhou para mim e perguntou feliz se eu era fã do mangá, com um tom de surpresa. Disse que sim, ele sorriu e falou que é um grande fã também, mostrando que estava usando um bottom do Kyokotsu, personagem do mangá.
Sim, fãs de Nue’s Exorcist existem.

