O “sistema semanal” de lançamento de mangás, no qual um artista (ou dupla de artistas) lança um capítulo de 18 a 20 páginas por semana, é constantemente criticado no Ocidente, principalmente após as frequentes pausas de produção realizadas em obras como One Piece, Boku no Hero Academia, Sousou no Frieren, Jujutsu Kaisen, Galaxias e Kagurabachi. Muitos ocidentais argumentam que o ritmo ao qual os autores se submetem para alcançar a quantidade necessária de páginas é desumano e leva a problemas de saúde no longo prazo.
No Japão, os autores trabalham normalmente por páginas vendidas (não por horas trabalhadas ou por página produzida). Desse modo, acabam recebendo pela quantidade de páginas compradas pela editora (caso, por algum motivo, a editora considere as páginas de qualidade insuficiente, não haverá pagamento). Em obras produzidas por duplas (roteirista e desenhista), o pagamento é dividido entre ambos.
Assim, tanto o artista quanto o roteirista de um mangá precisam garantir uma quantidade mínima de produção para obter o retorno esperado pelas editoras. Séries semanais têm um rendimento maior, já que produzem mais páginas, enquanto séries mensais acabam tendo um retorno menor.
Esses mesmos autores precisam, na maioria das vezes, pagar seus próprios assistentes, criando um sistema de produção editorial no qual, juntamente com a equipe, produzem um capítulo que esperam vender para as editoras. Estas, inicialmente, publicam as séries em revistas (ou plataformas online) e depois encadernam os capítulos em volumes de cerca de 200 páginas.
No Ocidente, os capítulos normalmente chegam por volume ou por capítulo, em plataformas online (sejam oficiais ou não oficiais). Contudo, sempre que uma grande série entra em pausa, a discussão sobre o sistema japonês de trabalho e produção volta à tona. Desta vez, com as polêmicas envolvendo capítulos incompletos de Kagurabachi, o debate reacendeu também no Japão, com a criação do tópico “Os estrangeiros dizem que o sistema de serialização semanal dos mangás japoneses é estranho” no maior fórum de discussão do país, a 5chan.
Entre defesas e críticas
O tópico se tornou o centro das discussões no 5ch e no Jump Matome, acumulando mais de 200 comentários distintos. O público não chegou a um consenso, criando uma forte polarização sobre se os ocidentais têm razão ou não. Diversas opiniões foram expressas, algumas mais comuns, outras completamente únicas, revelando como o debate gera divergência até mesmo dentro do próprio Japão.
O primeiro comentário no 5ch foi uma crítica direta ao sistema semanal: “Eu acho que o sistema de serialização está prejudicando seriamente a qualidade das obras.” A opinião foi apoiada por alguns leitores, que argumentaram que, para os padrões atuais de arte, não é possível manter qualidade constante com esse ritmo. Um deles chegou a demonstrar surpresa pelo fato de mangakás conseguirem produzir mais de dez páginas semanais:
“É impressionante produzir mais de dez páginas por semana. Não tem jeito, só dá para fazer isso com trabalho em equipe.
Já virou praticamente uma fábrica.”
No Jump Matome, contudo, o primeiro comentário rebateu a crítica, dizendo que o problema não está na publicação semanal, mas na expectativa dos leitores:
“Quem está errado não é o sistema semanal. Errado é o leitor que exige a mais alta qualidade mesmo sendo uma publicação semanal.”
Ainda no Jump Matome, muitos leitores da Weekly Shonen Jump passaram a discutir se não seria ideal estabelecer pausas regulares para preservar a saúde dos autores:
“Obras como Jujutsu ou Kagurabachi praticamente destruíram (ou estão destruindo) seus autores, e até o Horikoshi, que é um monstro capaz de produzir naquela qualidade e velocidade, estava mal no final. Eu realmente acho que deveriam dar pelo menos um descanso por mês de algum jeito…”
“Hoje em dia, o nível de exigência para arte e história aumentou absurdamente, e ainda fazem os autores lidarem com anime, licenciamento e outros trabalhos. Eles acabam sobrecarregados, e é daí que acontecem coisas como o capítulo recente. Se não derem pausas regulares ou não reduzirem o trabalho fora da serialização, vai continuar surgindo um monte de autores destruídos, e no pior dos casos, os jovens que querem ser mangakás vão começar a evitar essa carreira.”
“Mas se o autor faz uma pausa, dizem que ele é preguiçoso e o ranking cai, né? Eu ia responder isso, mas… se todos tivessem uma folga fixa por mês, esse problema não existiria.”
Em certos momentos, a discussão girou em torno de um ponto essencial: os autores querem e podem fazer pausas? O sistema semanal exige que a série esteja sempre entre as mais votadas; quanto mais pausas, menor visibilidade, e possivelmente menores vendas. É conhecido que autores como Kohei Horikoshi e Eiichiro Oda foram forçados a reduzir o ritmo: Horikoshi passou a lançar capítulos de 14 páginas, e Oda aumentou o número de pausas além do que gostaria.
O ponto central dos autores costuma ser ignorado: muitos fãs defendem “A Weekly Shonen Jump deveria dar mais pausas”, mas diversos mangakás não querem pausas, pois preferem manter o ritmo semanal para garantir que suas séries continuem em alta e “na boca do povo”. Por isso, alguns comentam sobre pausas obrigatórias.
Ainda assim, a discussão sempre retornava ao ponto-chave: por que o sistema semanal existe? Muitos japoneses passaram a discutir se a periodicidade rápida ainda faz sentido em 2025.
A razão histórica da periodicidade
Antes de irmos aos comentários dos japoneses, vamos revisar a evolução da periodicidade dos mangás: eles não nasceram diretamente em revistas “semanais para mangás”. Inicialmente, mangás shonen e shoujo eram publicados em revistas para adolescentes e crianças, juntamente com matérias sobre celebridades, jogos especiais e brindes de interesse do público.
O “boom” econômico do Japão no pós-guerra levou a um aumento gigantesco no consumo dessas revistas, já que a população empobrecida começava a ter mais acesso a bens de consumo e dinheiro para lazer. Notou-se, porém, que os leitores tinham grande interesse por quadrinhos (curtos, como yonkoma, ou mais longos, como one-shots), e assim muitas revistas passaram a serializar pequenas histórias.
Com a rápida ascensão da popularidade dessas histórias, as editoras começaram a criar revistas dedicadas principalmente aos mangás. Inicialmente mensais, esses periódicos já tinham ritmos considerados acelerados, exigindo muitos assistentes para manter a produção. Entretanto, para suprir a demanda do público e aumentar o lucro, começaram a surgir revistas semanais.
Essas revistas semanais tornaram-se rapidamente um sucesso ainda maior: o público preferia ler um capítulo por semana do que esperar um mês pela continuação. Assim, ainda nos anos 1960, suas tiragens já superavam 100 mil cópias, com a Magazine e a Sunday se tornando as principais revistas do mercado. Autores shonen passaram a priorizar as revistas semanais, atraídos por maior pagamento (já que recebem por página) e maior visibilidade, unindo grandes nomes da indústria, periodicidade rápida e exposição constante.
Hoje, os mangás semanais, semi-semanais ou quinzenais ainda tendem a ter melhor desempenho comercial do que os mensais. Embora mangas mensais tenham casos de sucesso, eles são menos numerosos, especialmente no campo shonen, no qual o formato semanal é visto pelas editoras como “o melhor modo para maximizar lucro e visibilidade”, já que mantém a discussão ativa semanalmente.
A discussão na 5chan e na Jump Matome evoluiu justamente para questionar se esse motivo ainda é válido em 2025, considerando as mudanças de mercado e consumo.
“Também existe aquela ideia de que, se não for semanal, o público vai se cansar.”
“Foi graças ao sistema de serialização que o mangá japonês conseguiu se tornar o número um no mundo…”
“Dizer que o sistema de serialização é louco é verdade, pelo menos pelos padrões americanos. O próprio Stan Lee disse que, mesmo com assistentes, o fato de o mangá japonês ser semanal e, ainda assim, a história e a arte serem basicamente feitas por uma única pessoa é algo ‘insano’.”
“Nos quadrinhos americanos, não é um único autor responsável por um título; vários autores diferentes desenham a mesma série. É algo fundamentalmente diferente do Japão, e não acho que esse sistema seria bem aceito pelo público comprador japonês.”
“No passado, o rival era a televisão. Como os programas de TV eram semanais, se o mangá não fosse semanal também, ele não virava assunto na escola toda semana. O assustador é que quase todo o peso recai sobre o talento de uma única pessoa.”
“Se quiserem baixar a qualidade, que baixem. Só vão perder para quem consegue manter a qualidade e continuar. No fim das contas, todo mundo já se acostumou com entretenimento semanal. Mesmo que existam leitores esperando, no coração deles, nem a obra número um consegue vencer a frequência. Até quem espera com ansiedade, como se fosse um romance, está sempre consumindo outros tipos de entretenimento. Um dia, as posições vão se inverter. Não existe leitor que permaneça igual para sempre. Só ficam para trás os autores incapazes de mudar.”
No geral, como dito no início, as opiniões foram bastante variadas, com parte do público defendendo o sistema semanal e outra parte criticando. A questão principal é que o modelo está enraizado na cultura de produção de mangás no Japão: ele é, ao mesmo tempo, um dos fatores que tornaram os mangás uma mídia mundialmente reconhecida e um dos motivos pelos quais muitos autores sofrem com problemas de saúde.
Discussões morais, comerciais, capitalistas e sociais entram em jogo, e por isso as opiniões são tão diversificadas. Os japoneses não são um povo homogêneo que pensa da mesma forma; divergências são naturais. A questão é: essas divergências manterão o sistema intacto ou veremos mudanças nos próximos anos?
Só o tempo dirá.


