
A Weekly Shonen Jump no começo dos anos 1990 vivia a sua “Era de Ouro”, acumulando sucessos comerciais e ampliando suas vendas ano após ano. Era uma ascensão que parecia interminável. Contudo, até mesmo a equipe editorial mais bem-sucedida pode cometer erros.
Um desses equívocos mais emblemáticos foi justamente a forma como a revista tratou o lançamento de “Outer Zone”, o mangá que deveria ter sido cancelado, mas que acabou refutando por completo a equipe editorial da maior revista de mangás da história.
O mangá feito para ser cancelado
Após encontrar em Slam Dunk e Yu Yu Hakusho seus novos grandes sucessos em 1990, a Weekly Shonen Jump iniciou 1991 bastante confiante. O então editor-chefe, Hiroki Goto, planejou a primeira leva de lançamentos do ano com dois objetivos claros: retirar da revista dois mangás que vinham recebendo uma péssima recepção (Tengyan e Kickboxer Mamoru) e anunciar o retorno do veterano Makoto Niwano, responsável por “The Momotaroh”, já para março.
Entretanto, por questões internas e de planejamento, os editores não estavam preparados para lançar um segundo mangá naquela leva. A solução era manter o insustentável Kickboxer Mamoru ou lançar um “tapa-buraco” que apenas simulasse uma novidade para os leitores. Como a revista já havia conquistado dois grandes sucessos e planejava a leva de maio, a segunda opção pareceu a mais viável.
Kickboxer Mamoru acabou cancelado e, em seu lugar, estreou um mangá destinado a durar apenas dez capítulos, já com substituto definido: Pennant Race: Yamada Taichi no Kiseki. Foi assim que o novato Shin Matsuhara, sem nenhuma experiência prévia em serialização, recebeu sinal verde para estrear “Outer Zone”. O que os editores não previam era que a obra, tida como fracasso certo, conquistaria os leitores.
Outer Zone
A escolha por Outer Zone se deveu justamente à sua temática e estrutura narrativa. Narrado por uma mulher chamada Misery, cada capítulo apresentava uma história sobrenatural em que personagens cruzavam os limites da normalidade e tinham contato com a dimensão do “Outer Zone”, o oculto. Misturando mistério, terror e drama, a obra se estruturava como uma antologia em que, ao final de cada capítulo, Misery apresentava a moral da história.
O mangá era inspirado na série americana “The Twilight Zone”, que também trazia episódios independentes com eventos bizarros e enigmáticos.
Como o próprio autor comentou em volume, tanto artistas quanto editores não tinham expectativas de sucesso comercial. E é por isso que desde o início, foi comunicado que a obra seria encerrada após dez capítulos. Embora nunca tenha sido explicado o motivo de tal descrença, o cenário era evidente: um mangá shonen voltado ao terror, sem protagonista fixo (além da narradora) e com histórias independentes a cada capítulo destoava do padrão da revista.
Apesar disso, para o shock da indústria, a recepção foi positiva. Não chegou a rivalizar com os grandes nomes do momento – Yu Yu Hakusho, Slam Dunk, Dragon Ball -, mas encontrou seu público, um público nichado que apoiava o suficiente para justificar a sua permanência na revista.
E agora, José?
Os editores entraram em desespero. Na Weekly Shonen Jump havia uma tradição clara, conhecida por todos os autores: a sobrevivência de uma série dependia do resultado das votações de popularidade, o “cartãozinho”. Em reuniões editoriais, eram escolhidos para cancelamento de um a quatro títulos que ocupavam as últimas posições na média dos rankings. Nesse cenário, Outer Zone havia conquistado popularidade suficiente para garantir sua permanência, não podia ser cancelado.
Os novos mangás já estavam definidos, e simplesmente “descancelar” Outer Zone não era uma opção. Qual seria, então, a saída? A solução encontrada foi estratégica: sem explicações diretas aos leitores, a série foi colocada em hiato, liberando espaço para a estreia de outra obra.
O hiato durou alguns meses e, em novembro de 1991, Outer Zone retornou de modo triunfal à revista com direito a página colorida de abertura. Embora permanecesse entre as posições mais baixas na TOC, isso não indicava risco de cancelamento, mas sim o caráter de “nicho” da obra – e mangás de nicho, tradicionalmente, ocupavam essas colocações.
O legado: o mangá cult da Shonen Jump
O legado de Outer Zone é significativo tanto no ambiente editorial quanto no universo dos mangás. Seu êxito mostrou que, por mais experiente que seja uma equipe, e mesmo diante de sucessos consagrados como Slam Dunk ou Yu Yu Hakusho, nunca se pode prever com certeza qual obra encontrará ressonância no público. Nenhum título pode ser considerado um fracasso garantido antes mesmo da estreia.
É verdade que certas estruturas e temáticas tendem a não ser bem recebidas por um público específico, mas a relação entre leitor e obra jamais é uma equação exata. As variáveis são tantas que até mesmo um mangá de terror antológico pode prosperar em uma revista como a Weekly Shonen Jump. De fato, Outer Zone se consolidou como um título cult entre os fãs da revista.
Mesmo com pouco mais de cem capítulos, ainda hoje é lembrado em fóruns japoneses por leitores veteranos ou por entusiastas de obras dos anos 1990, que elogiam sua consistência em apresentar histórias interessantes capítulo após capítulo. O mangá chegou até a ganhar uma peça teatral 2.2D (pela Domix11), estreada em fevereiro de 2023, provando ainda a sua relevância no Japão.
Outer Zone pode não ser conhecido no Ocidente nem figurar entre os maiores sucessos do mundo, mas desafiou as previsões dos editores da Weekly Shonen Jump e conquistou uma base fiel de fãs.