
Em 2021, os editores Yu Saitō e Momiyama concederam uma notável entrevista ao portal japonês Gendai. Naquele momento, ambos ocupavam cargos de destaque no Departamento da Weekly Shonen Jump e da Jump Plus, mas, ao longo da conversa, já se podia perceber os motivos que, em 2024, os levariam a assumir o posto de editores-chefes. Na entrevista, os dois revelam detalhes cruciais e inéditos que ajudam a compreender melhor o funcionamento interno da Weekly Shonen Jump.
A tradução foi realizada por mim, Leonardo Nicolin, e vocês podem conferir a segunda parte com a assinatura gratuita do nosso Patreon. Nos próximos dias, publicaremos também conteúdos exclusivos para assinantes pagos, começando com uma nova matéria na segunda-feira (18/08). Além disso, já é possível acessar diversas matérias e assistir a vídeos especiais publicados nos últimos meses, ao mesmo tempo em que vocês contribuem para a continuidade do site.
ENTREVISTA
Por que a Jump investe tanto em novos talentos?
— Em outras editoras de mangá, normalmente há três ou quatro prêmios para novos autores, no máximo. Mas a Jump além dos prêmios regulares, como o “Prêmio Mensal”, o “Prêmio Akatsuka” e o “Prêmio Tezuka”, está sempre abrindo inscrições para outros concursos eventuais, mantendo constantemente algum tipo de seleção. É literalmente um número fora da curva quando se trata de prêmios para novatos. Fiz umas contas com base nas informações divulgadas e só com prêmios em dinheiro e pagamento de manuscritos para novatos, acredito que ultrapassem facilmente centenas de milhões de ienes por ano. Que raciocínio está por trás de tudo isso?
Saitō: Nós testamos e mudamos repetidamente diferentes tipos de prêmios para novos autores, para que talentos que não se sentiriam motivados pelos prêmios já existentes se interessem em participar. Por exemplo, o “Prêmio Start Dash Manga”, que realizamos mais ou menos uma vez por ano, nasceu da ideia: “no departamento editorial sempre dizemos que ‘o começo do mangá é o mais importante’, então por que não fazer um prêmio que julgue apenas se as primeiras 4 a 7 páginas são interessantes?”. Quase sempre aprovamos as propostas de prêmios que os editores mais jovens sugerem, como “queremos fazer um concurso assim”. Um dos pontos fortes daqui é que ninguém fala “o orçamento está apertado”, e simplesmente seguimos em frente.
— Além desses prêmios fixos e eventuais, o departamento editorial da Jump também gerencia o serviço “Jump Rookie!”, onde é possível enviar e publicar obras online, tanto presenciais e quanto pela internet, e ainda tem prêmios voltados para autores que já estrearam. Fora isso, só no “Jump+”, são cerca de 200 one-shots de novatos publicados por ano, sem contar o suplemento de novatos “Jump GIGA”, e a própria edição principal da revista também reserva espaço para one-shots. Provavelmente, não existe outro departamento editorial que ofereça tantas oportunidades para novatos apresentarem seus trabalhos, certo?
Saitō: A edição mais recente do “Jump GIGA” (lançada em 30 de abril) queria tanto publicar o máximo possível de one-shots de novatos que chegamos ao limite físico da impressão, com 1250 páginas (risos). Só com as taxas de manuscritos dessa edição, gastamos facilmente mais de 10 milhões de ienes. E o “GIGA” sai quatro vezes por ano. Naturalmente, é um negócio que basicamente dá prejuízo.
Além disso, não chega a ser “um palco de apresentação”, mas também temos o sistema de “kenshūsei” (pesquisadores/estagiários), para apoiar novatos. Atualmente, a cada seis meses, damos 300 mil ienes para dezenas de artistas. Funciona como uma espécie de bolsa, para que eles possam focar no trabalho sem se preocupar com o custo de vida.
Momiyama: A Jump também tem contratos de “autor exclusivo”, não é? Hoje em dia, o principal objetivo de firmar um contrato assim é garantir que, mesmo entre um trabalho e outro, o autor não fique sem renda.
Além disso, só no “Jump+”, entre o custo anual de operação do “Jump Rookie!” e as taxas de manuscritos para os one-shots, investimos várias dezenas de milhões de ienes em cada item, o que, ao somar, facilmente ultrapassem 100 milhões de ienes por ano.
— Por que é possível investir tanto assim em novos autores?
Saitō: O motivo é simples: acreditamos que, se mesmo apenas um desses novatos vier a se tornar um grande autor de sucessos no futuro, já terá valido a pena.
Além disso, estamos constantemente tentando criar um ambiente onde os editores possam trabalhar de forma mais confortável. O trabalho do editor é bastante amplo, mas comparado à época em que entrei como novo funcionário, hoje em dia a redação da Jump organiza o trabalho para que eles possam se concentrar mais em descobrir e desenvolver novos talentos — por exemplo, terceirizando tarefas de divulgação para outros departamentos.
— Agora mudando um pouco o foco: queremos entender do ponto de vista do departamento editorial e dos próprios editores — por que tanto esforço em novatos? Qual é o primeiro pensamento que um editor aprende ao ser designado para a Jump?
Momiyama: No passado, a primeira coisa que se dizia era: “Se você não conseguir lançar um novo mangá de sucesso em alguns anos, será transferido para outro departamento.” Hoje talvez não falem mais tão diretamente, mas esse clima continua existindo, e dentro do departamento há uma competição justa e intensa. Mesmo se você assumir como editor responsável por uma obra que já é um sucesso, isso muitas vezes não conta para a sua avaliação.
— Então o primeiro “critério de avaliação” do editor já fica bem claro.
Saitō: Naturalmente, como os editores mais jovens têm poucos autores já sob sua responsabilidade, eles recebem ativamente as submissões de novos mangakás para poderem “lançar” algo. E quando acham um mangá interessante entre essas submissões, eles o inscrevem em um concurso. No comitê editorial que avalia essas premiações, os editores veteranos leem as obras e dão observações como: “esse autor tem tais e tais pontos fortes”. As reuniões para escolher vencedores dos prêmios para novos autores, para decidir obras a serem publicadas nas revistas, para selecionar one-shots para a Jump principal e até para deliberar sobre novas séries, todas seguem o mesmo sistema. É nesses encontros que os editores mais jovens aprendem com seus senpais como analisar mangás.
— A Jump é famosa por seu sistema de questionários, por sempre dar muito valor à voz do leitor. Mas afinal, quem decide que uma obra será publicada são os editores dentro da empresa, certo? Há algum cuidado para que o critério de avaliação interno não se afaste do gosto dos leitores, até o mangá de fato chegar a público?
Saitō: Na Jump não é como se fosse “se o editor-chefe não gostar, não vai ser publicado”. Mesmo que numa reunião os outros editores, tirando o responsável, não tenham uma reação tão positiva, o princípio é: “vamos publicar pelo menos uma vez. Quem vai julgar no fim das contas são os leitores.” A postura básica é “na dúvida, publicamos”. Acreditamos que é testando assim que vêm os sucessos de autores e editores, e que é lendo os resultados dos questionários que ambos crescem.
— E assim vocês pegam obras e autores que ficaram populares com one-shots e os levam para uma serialização?
Momiyama: Na prática, há vários caminhos até uma serialização, não é algo tão linear assim. Mas, grosso modo, sim, é desse jeito que funciona.
— A partir de que ponto vocês começam a usar os questionários?
Saitō: Já a partir do momento em que a obra do novato é publicada na Weekly Shonen Jump, conseguimos ver a reação dos leitores. Daí em diante, fazemos uso ativo desses dados. Nas reuniões entre o editor e o autor, discutimos coisas como: “Por que a colocação foi boa/ruim?”, buscando as causas para aproveitar no próximo trabalho. O bom da Jump é que você não vê só o ranking da obra que está cuidando, mas tem acesso à classificação de tudo.
Momiyama: Com as séries também é assim: toda semana olhamos a colocação das cerca de 20 obras publicadas na Jump, acumulando leituras sobre como interpretar esses números e o que provoca quedas. No Jump+, basicamente seguimos o mesmo pensamento da Jump. Desde os one-shots até a serialização, analisamos a reação dos leitores pelos diversos indicadores e levamos isso para as reuniões com o autor.
— Mesmo que o fato de “lançar uma nova obra de sucesso” esteja ligado à avaliação do editor, a impressão é que, na Jump, diferentemente de outras revistas, quase não há casos de buscar autores prontos em outros lugares, e o foco dos editores está em criar grandes sucessos com seus próprios novatos. Mas, pensando logicamente, não seria mais fácil trabalhar com autores que já têm alguma experiência? Afinal, desenvolver novatos demanda tempo e dinheiro.
Momiyama: Felizmente, muitos dos novatos que vêm para a Jump não estão apenas pensando em “quero ser mangaká”, mas sim “quero serializar na Jump”. Eles têm como modelo obras como ONE PIECE, DRAGON BALL, NARUTO, Kimetsu no Yaiba, que se tornaram fenômenos nacionais ou mundiais. Comparados aos que vêm com a mentalidade de “só quero estrear de alguma forma”, esses novatos ambiciosos têm outro nível de persistência e potencial de crescimento. Por isso, acredito que os editores aqui pensam que é muito mais promissor pegar essas joias brutas que miram na Jump desde o início e caminhar junto com elas, do que tentar puxar autores já estabelecidos de fora.
Saitō: Mesmo ouvindo histórias de editores de outras revistas, tenho a impressão de que fazer uma obra com um autor que já atua em outro lugar acaba levando mais tempo. Às vezes, só para conseguir que ele aceite desenhar algo para você, já se passam anos. E além disso, há o trabalho extra de alinhar o direcionamento para combinar com a sua revista, o que toma ainda mais tempo. Na prática do dia a dia, percebemos que é até mais eficiente começar logo com um novato. Claro, se houver um autor com quem você realmente queira fazer um mangá, incentivamos: “vá lá e convide sem medo!”.
Pode soar meio contraditório, mas embora o editor da Jump tenha sim que “apresentar resultados em alguns anos”, não é cobrado que faça isso “imediatamente”. Também não se exige do autor que ele dê resultados logo. O departamento editorial e a própria empresa são muito tolerantes com o tempo necessário para o crescimento do artista, e oferecem apoio. Quando algumas empresas de TI entraram no ramo de mangás na década de 2010, soubemos que ficaram surpresas: “nossa, demora tanto assim para fazer mangá?”. Aqui, a visão corporativa já é de que “é natural levar tempo e dinheiro”. Há competição, prazos definidos, mas ninguém pressiona no meio do processo. Justamente porque temos essa postura tranquila é que, para tentar um home run, acaba sendo mais eficiente — e é por isso que conseguimos investir tanto nos novatos.
Momiyama: Exato. O importante na Jump é que, no fim das contas, você consiga um home run. Não importa quantas vezes o autor ou o editor falhem no caminho, isso não prejudica a avaliação deles.
Saitō: E também podemos publicar muitos one-shots com tanta leveza porque não existe nenhum costume de dizer “ah, o resultado da última enquete foi ruim, então não vamos mais publicar obras desse autor”.
— Entendi. Então há o grande objetivo de “lançar uma obra que venda milhões ou dezenas de milhões de cópias”, mas dentro de um horizonte de alguns anos pode-se investir bastante tempo e orçamento, testar quantas vezes forem necessárias. Isso evita que fiquem retraídos e permite explorar muitas possibilidades. Por isso, acabam surgindo mais facilmente sucessos do nível de um home run.
— Você acha que os próprios autores vêm para cá justamente por terem a impressão de que “a Jump trata bem seus novatos”?
Momiyama: Acho que hoje em dia só a Jump ainda coloca a estreia de uma nova série de um novato na capa, sem exceção. Para falar a verdade, quando colocamos um novo autor na capa, as vendas da edição geralmente caem. Mesmo assim, fazemos isso. Isso já é questão de convicção, de princípio. E acredito que os novatos percebem bem esse tipo de postura.
Além disso, o critério de avaliação dos autores em serialização é definido assim: “não importa o quanto o volume encadernado venda, o que vale é a colocação da obra na pergunta do questionário da revista principal ‘quais foram as três mais interessantes desta semana’”. Hoje, talvez só a Jump mantenha uma redação onde “ser popular capítulo a capítulo” é o principal fator para decidir se a serialização continua ou não. E isso também é um dos motivos pelos quais é mais fácil para um novato ganhar espaço aqui. No Jump+ funciona do mesmo jeito: se o número de visualizações é alto, mesmo a obra de um novato ganha a thumbnail em maior destaque, independentemente da carreira que ele tem.
— Se fosse comparar pelas vendas dos volumes, os autores veteranos que já têm fãs fixos certamente são muito mais fortes, né?
Momiyama: Para dar um exemplo extremo, mesmo que o volume encadernado não venda nada, se a obra estiver sempre entre as três mais votadas nas enquetes, a serialização vai continuar na Jump.
Saitō: E a Jump ainda consegue coletar uma quantidade consistente de questionários. Não há uma diferença tão grande entre a popularidade na revista e as vendas dos volumes. E o surgimento de um sucesso vindo de um novato é o maior atrativo para a próxima geração de novatos.
EXCLUSIVO PATREON: QUANTO VENDERÁ AKANE BANASHI APÓS O ANIME?
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