
Em 22 de março de 2024, foi anunciado no site oficial de Dragon Ball a construção do primeiro parque temático dedicado à franquia. A publicação, que deveria celebrar o acontecimento, rapidamente se tornou alvo de mais uma polêmica: a maioria dos fãs japoneses não aprovou a decisão de construir o parque fora do Japão, especificamente na Arábia Saudita.
Com o passar das semanas, novas controvérsias e notícias relacionadas à obra fizeram o tema perder espaço nas principais mídias, deixando a discussão “dormente”.
Entretanto, a polêmica voltou à tona em proporção ainda maior nas últimas semanas, quando novidades do parque foram anunciadas e o ex-editor de Dragon Ball criticou duramente a construção do parque, transformando o assunto em um hot topic no Japão.
Neste artigo, explicamos os motivos da criação do parque temático e as reações do público japonês.
O PARQUE TEMÁTICO
Construído pela Qiddiya Investment Company, da Arábia Saudita, o parque será o primeiro totalmente dedicado à obra. O projeto prevê mais de 500 mil metros quadrados, subdivididos em sete áreas, cada uma com reproduções de edifícios icônicos, restaurantes, hotéis e mais de 30 atrações exclusivas, incluindo uma montanha-russa de 70 metros de altura em formato de Shenlong, o lendário dragão da saga.
O empreendimento integra o plano “Visão 2030” da Arábia Saudita, que busca ampliar o turismo no país e investir em infraestrutura avançada. Além do parque de Dragon Ball, o projeto inclui uma nova pista para corridas de Fórmula 1, centros esportivos e culturais, um parque aquático de alta tecnologia, entre outras iniciativas.
A escolha por Dragon Ball deve-se não apenas ao impacto global da obra, mas também à crescente popularidade das animações japonesas no país. De fato, o diretor executivo da Qiddiya, Abdullah Al-Dawood, destacou:
“O anime está se tornando extremamente popular na Arábia Saudita. Cerca de 80% da população já assistiu anime, e 40% viu Dragon Ball.”
MÁ RECEPÇÃO
Enquanto no Ocidente as reações foram majoritariamente positivas – com comentários que iam de piadas sobre o custo da viagem ao entusiasmo em visitar o local – no Japão inicialmente prevaleceu a rejeição. No próprio site oficial de Dragon Ball, a publicação original recebeu uma enxurrada de críticas defendendo que o parque deveria ser construído em território japonês:
“Parece que deveria ser feito no Japão… talvez nos EUA… mas na Arábia Saudita? Não, obrigado.”
A maioria das críticas dos japoneses parte do princípio teórico que o público japonês (principalmente crianças) terá dificuldade de acessar o parque temático caso seja construído em um país como Arábia Saudita. Críticas semelhantes foram reproduzidas pelo amigo e ex-assistente de Akira Toriyama, em entrevista ao Mainichi Shimbun no dia 1º de junho de 2024. Questionado sobre o parque, ele manifestou claramente sua insatisfação com a escolha do local:
“Será um sucesso ainda maior que a Disneylândia. Mas eu queria que fosse construído no Japão. Como fã, eu definitivamente queria um ‘Museu Akira Toriyama’. Viriam pessoas de todo o mundo. Quando contei isso ao Toriyama-san, ele disse: ‘Eu detesto essa ideia’. Ele não gostava de chamar a atenção e queria que o deixassem em paz. Ele nunca criou seu próprio site. Porém, as obras de Toriyama-san são um legado que deve ser preservado. A família enlutada pode respeitar seus desejos, mas seus fãs ao redor do mundo gostariam que isso fosse realizado.”
O tema voltou a ser discutido em agosto, quando a Qiddiya Investment Company voltou a divulgar informações sobre o projeto. Em meio à repercussão, o jornal local entrevistou Kazuhiko Torishima, ex-editor de Dr. Slump e de Dragon Ball até a saga de Piccolo Junior, que fez duras críticas à decisão:
“Eu absolutamente não tive nenhum envolvimento nisso. Se eu ainda estivesse na Shueisha, nunca teria aprovado o projeto. O motivo é simples: é um lugar ao qual as crianças japonesas não podem ir.”
Com o novo anúncio e os comentários de Torishima, o debate reacendeu, tornando-se um dos tópicos mais discutidos no 5ch, maior fórum de discussão do Japão, com mais de 80 milhões de visitas mensais. Desta vez, a recepção foi mais mista, embora ainda majoritariamente negativa. Alguns japoneses defenderam a iniciativa por considerar Dragon Ball uma obra mundial, apreciada por crianças e adultos em vários países, enquanto outros apoiaram a crítica do ex-editor.
“Dragon Ball é algo que só japoneses podem curtir?”
“Não é isso que ele está dizendo. Ele é contra criar um parque para adultos ricos. Se construírem esse parque na Arábia Saudita, nem crianças japonesas nem sauditas poderão ir.”
“É uma perda enorme para o país ter isso feito na Arábia Saudita. Imagine o quanto de turismo estrangeiro algo assim poderia atrair.”
“Bem, quem tem dinheiro pode fazer o que quiser e não há nada que possamos fazer a respeito disso.”
A BRIGA PELO LEGADO DE DRAGON BALL
A controvérsia em torno do parque se soma a outras disputas relacionadas ao legado da obra. Desde a morte de Akira Toriyama, em 1º de março de 2024, batalhas jurídicas e comerciais têm ocorrido nos bastidores. A Shueisha, responsável pelo mangá, a Toei Animation, responsável pelo anime, e a família de Toriyama disputam continuamente os direitos e os lucros da franquia.
O site Kami-Sama, referência nacional em Dragon Ball, traduziu recentemente um artigo da revista Weekly Toyo Keizai, que detalha em profundidade essa disputa.
Apesar da recepção negativa e das disputas internas, a construção do parque seguirá adiante. Mais do que uma atração turística, o projeto tornou-se um símbolo da relação conturbada entre a franquia e o público japonês.
Resta a questão: o parque deve pertencer a um país estrangeiro, como reflexo da globalização, ou ao Japão, onde a obra nasceu? Dragon Ball deve ser considerado patrimônio mundial ou exclusivamente japonês? A resposta, como sempre, dependerá da perspectiva de cada um.
Agradeço Canal Budokai, uma das melhores fontes de Dragon Ball, por me ajudar na produção dessa matéria.