
Voltando com o nosso quadro tão pedido: é o momento de trazer mais uma dica de editores e autores de mangás sobre a produção de uma série, desta vez a segunda dica do atual Editor-Chefe da Weekly Shonen Jump, Yu Saito.
Para quem não sabe, Yu Saito, antes de se tornar Editor-Chefe da Weekly Shonen Jump, foi editor de vários mangás importantes: Hetappi Manga Kenkyujo R (do Murata), Kuroko no Basket, Nisekoi e We Never Learn, além de ter sido professor da Jump School, onde ensinava novos autores a desenvolverem melhores técnicas para desenhar mangás.
Hoje vou trazer justamente uma das técnicas narrativas que vocês já devem ter visto em alguma obra e que ajudará tanto a avaliar melhor os mangás quanto a escrever um. Uma técnica que responde à pergunta:
“Por que os vilões de Dragon Ball são apresentados em duplas?”
Se você percebeu, os vilões da série constantemente são apresentados em duplas: Vegeta e Nappa, Número 17 e 18, Número 19 e 20, Tenshinhan e Chaos. Em alguns outros casos em trio ou grupo. Contudo, isso não é exclusivo de Dragon Ball. Obras como Bleach e Naruto também tendem a apresentar seus vilões em duplas ou em grupo.
O motivo dessa decisão, na verdade, é bem simples. Como dito por Yu Saito: “Com dois ou mais personagens, há mais possibilidades de desenvolvimento.”
O maior defeito que encontramos em qualquer mangá de um autor novato é a dificuldade em transmitir com naturalidade as falas dos personagens. Elas são frequentemente muito formais ou tão mecânicas que não parecem ter sido pronunciadas por pessoas reais.
É inegável que existem dois principais motivos para que isso aconteça: o autor pode não saber adaptar a escrita ao comportamento e linguagem do personagem imaginado, além de não saber criar as situações ideais para que a fala não soe tão caricata.
Saito sugere que Toriyama, para transmitir as informações necessárias sobre o novo vilão de modo natural, escolheu uma técnica muito inteligente de criar situações ideais para isso: adicionar um segundo personagem que pudesse conversar com o vilão, evitando um monólogo e, assim, falas desnecessárias, cansativas e pouco naturais.
Utilizando, por exemplo, a relação entre Nappa e Vegeta, Saito explica que, ao adicionar Nappa à cena, não só as informações transmitidas ao leitor se tornaram mais naturais, como também foi possível criar um contraste de personalidade que destacou ainda mais o vilão principal. A personalidade impulsiva de Nappa ressaltava o quão frio e calculista Vegeta era.
Indo além da explicação de Saito e me inspirando justamente em uma cena de Naruto (introdução de Itachi e Kisame no capítulo 139, também em dupla), pedi a Mauricio Lima, autor de Fablend, para criar comigo uma tirinha (leitura japonesa) que demonstra, na prática, a técnica utilizada por grandes autores.

Enquanto o primeiro exemplo apresenta um personagem extremamente expositivo e com reações exageradas, no segundo vemos uma resposta natural do personagem à pergunta do seu companheiro, criando assim um efeito de ação e reação.
O primeiro exemplo soa cafona e forçado, enquanto o segundo é mais natural e acaba reforçando a personalidade caótica da vilã.
Se você é autor de quadrinhos (não só de mangá), sempre que perceber que os diálogos de seus personagens não estão fluindo bem, Saito recomenda que se faça a seguinte pergunta: “E se eu adicionar mais um personagem aqui?”
Inclusive, ao ir além de dois personagens, você terá um verdadeiro “passe de bola” caso adicione três ou mais, situação que tanto Oda quanto Toriyama adoram criar. Isso ajuda a desenvolver cenas ainda mais dinâmicas, especialmente quando todos os personagens possuem personalidades diferentes.
Podemos ver isso em Naruto: mesmo quando apresentados apenas como silhuetas, o fato de o autor utilizar fontes diferentes, modos distintos de discurso e, obviamente, designs únicos faz com que vários personagens da Akatsuki já transmitam grande personalidade sempre que há uma conversa entre seus membros. Um simples “…” dizia muito pelo contexto e revelava da personalidade do personagem misterioso.
É importante lembrar que essa técnica pode aumentar a complexidade da cena, exigindo maior atenção. Como em um “passe de bola”, é preciso boa coordenação para não transformar tudo em uma grande confusão. O potencial de impacto é maior, mas, se mal executado, o erro também será mais perceptível.
Sempre é bom apostar em personagens relevantes para a trama, mas, dependendo da situação, criar personagens “orelha” temporários (como um vendedor ou um velho no bar que questiona um personagem) também pode ajudar a desenvolver cenas melhores.
Contudo, não basta apenas criar o personagem, é essencial dar a ele uma personalidade que ressalte a do personagem que você está apresentando (O herói da história, vilão ou personagem neutro) — principalmente por oposição.
Essa foi a dica desta semana! Peço desculpas pela demora de meses para trazer uma nova dica do Yu Saito. Eu tinha prometido que traria constantemente, mas acabei demorando bem mais do que o previsto.
Em breve, pretendo trazer mais dicas de grandes nomes do mercado de mangás. Nunca serão dicas diretamente minhas, mas sempre conselhos públicos de autores e editores, para que vocês possam entender as técnicas utilizadas nas melhores obras.
Até a próxima!