
Drama Queen, do novato Kuraku Ichikawa, é a mais nova série da Shonen Jump+ (plataforma online onde são lançados Spy x Family, Centuria, Kaiju No. 8, Dandadan e muitos outros mangás). Mas, diferente desses outros mangás que tiveram recepções positivas em suas estreias, Drama Queen acabou resultando em uma vasta discussão no Ocidente sobre racismo e preconceito. Será que essa mesma discussão aconteceu no Japão?
Antes de tudo, vamos entender o motivo pelo qual Drama Queen despertou tanto ódio no Ocidente: o mangá conta a história de uma dupla de protagonistas que nutrem um ódio gigantesco pelos alienígenas que ingressaram na Terra após salvá-la de um meteoro. O primeiro capítulo, único lançado até agora, gira justamente em torno da raiva que esses personagens sentem ao conviver com essa nova “raça”. Os protagonistas (É importante deixar claro que essa é a visão dos protagonistas, e não do autor obrigatoriamente) acusam lei e o governo de favorecer os alienígenas, e dizem que esses mesmos alienígenas não tentam se integrar à sociedade humana, já que nem aprendem a língua local.
O primeiro capítulo se encerra com a protagonista literalmente comendo um dos alienígenas, em uma cena que para muitos soou bem violenta e impactante, especialmente no quesito de “mensagem política”. Isso deu início a uma discussão até mesmo nos comentários da plataforma ocidental MangaPlus (não acessível aos japoneses, que só podem acessar a Shonen Jump+) sobre Drama Queen ser uma apologia ao racismo e preconceito.
A verdade é que, quando a Shonen Jump+ se propõe a lançar uma série por semana, ela assume um grande risco, pois diminui a capacidade dos editores de “filtrarem” os trabalhos lançados. São nesses momentos que vemos séries como Drama Queen estrearem – obras que não combinam muito bem com o “approach” cauteloso que o departamento shonen da Shueisha costuma adotar.
Mangás voltados para a demografia shonen geralmente são menos políticos, justamente por serem destinados a adolescentes, que ainda não possuem grande capacidade de discussão. Algumas séries, como Death Note ou Chainsaw-Man, acabam sendo políticas, mas são exceções. No geral, os autores tentam evitar temas que possam ser considerados “controversos”, focando mais em mensagens universais.
Essa é a dúvida principal que faz muitas pessoas acreditarem que a série vai mudar, como aponta um dos comentários mais curtidos da Animanch:
“O parceiro do protagonista é o maior exemplo de alguém problemático, com discursos de ódio, teorias da conspiração, desrespeito aos direitos humanos baseado na aparência (negação da humanidade de alguém) e exclusão violenta (embora haja a justificativa do ódio por causa da irmã). Se o protagonista continuar concordando com isso, mesmo sendo um ‘plus’, ele seria alguém que definitivamente não pode estar em uma revista como a Jump. Por isso, é quase certo que ele vai enfrentar alguma consequência ou terá uma grande mudança de valores.
Na verdade, se a história continuasse retratando essa dupla de protagonistas de forma positiva, acho difícil que a editora aprovasse algo assim. O problema é se a história vai conseguir chegar nesse ponto antes de causar tanta polêmica que acabe cancelada. Os comentários no Jump+ já estão começando a ficar tensos.”
A discussão sobre racismo, mesmo que essa palavra não seja dita diretamente, também está presente nos fóruns japoneses, como o 2ch e o Twitter. Esse elemento mais negativo, focado no ódio à raça alienígena, agradou algumas pessoas, como reflete este comentário com mais curtidas da Animanch:
“Parece que esse mangá tem uma mensagem bem forte, chega a ser assustador. Deixando a brincadeira de lado, parece que a história vai seguir um rumo cada vez mais sombrio e sem esperança, o que talvez torne essa uma obra muito do meu gosto.”
Esses leitores que se consideram mais “pessimista” acharam interessante que o autor está trazendo um mangá mais “edgy” e “transgressor”, despertando assim a curiosidade para ler mais capítulos. Acredito que parte desses leitores nem viram uma mensagem racista, e sim somente uma representação de tensões sociais pela chegada de uma nova espécie. Lendo eu diria que os comentários positivos correspondem a maioria dos comentários na Animanch, mas minoria na 2ch. De fato, a mesma temática foi pesada para muitos leitores, como mostra este comentário da 2ch:
“É interessante, mas fiquei pensando que, se as aparências dos humanos e alienígenas fossem invertidas, seria uma história muito difícil de aceitar. Embora a forma de apresentar seja habilidosa, no fundo é uma história sobre julgar unilateralmente um ser com quem não se consegue comunicar e, então, consumi-lo. Isso é assustador. Mesmo que essa questão já esteja intencionalmente incorporada na trama, ainda assim, é assustador.”
Essa discussão também gerou paralelos com os estrangeiros residentes no Japão, como aponta esses outros comentários da 2ch e do Twitter:
“Se fosse comparar com a sociedade atual, não seria algo parecido com a situação dos estrangeiros residentes? Mesmo que individualmente eles não tenham más intenções, só o fato de existir uma parte da sociedade com essa mentalidade já é suficiente para gerar uma força extrema de rejeição.”
“De alguma forma, antes mesmo de pensar se é interessante ou chato, isso me fez lembrar de problemas sociais reais e me deixou com uma sensação inquietante.”
“Eu entendo quem está gostando, o mundo é interessante, mas eu senti algo de ruim lendo. Não parece estar falando sobre uma raça fictícia, mas sim dos problemas de imigração atuais”
Há também um terceiro grupo que pede calma, argumentando que é apenas o primeiro capítulo e que é preciso esperar para ver o rumo da história. Esses leitores afirmam que, no geral, as reações foram exageradas e que não se deve julgar uma série somente pela introdução.
De qualquer modo, Drama Queen despertou muita curiosidade e teve várias visualizações no Japão, mostrando-se, nesse sentido, um sucesso. Contudo, publicidade negativa nem sempre é benéfica. Obras como Drama Queen, caso despertem uma sensação ruim na maioria do público (especialmente o casual, que busca histórias leves e geralmente não comenta em fóruns), podem acabar prejudicando a plataforma.
Uma recepção muito negativa pode levar os números de Drama Queen a caírem significativamente a partir do segundo capítulo – algo que só saberemos nas próximas semanas. Farei questão de atualizar vocês no Twitter. Não adianta ter muitos leitores no primeiro capítulo e perdê-los logo em seguida, especialmente se a série despertar repulsa. Tokyo Shinobi Squad, por exemplo, foi cancelado após entrar em uma temática que também gerou discussões nos fóruns.
Drama Queen certamente tem leitores interessados, podemos ver pelas curtidas na Animanch (na maioria nos comentários que defendem), mas será que o público casual também gostou, ou desgostou como os leitores da 2ch desgostaram? Esse é o ponto principal para a sobrevivência do mangá. Já no campo moral, a questão é bem mais profunda. O autor decidirá manter uma apologia ao protagonista ou adotará um sentido mais crítico, como em Death Note ou Shingeki no Kyojin, em que o protagonista não é exatamente o herói da história?
Manter um protagonista que odeia uma espécie inteira não soa bem, como diz este comentário japonês:
“Sim, obviamente matar é algo completamente inaceitável. Mas vamos falar mais sobre a mentalidade de odiar uma espécie inteira como um todo, esse tipo de atitude.”
Portanto, no campo comercial, a sobrevivência de Drama Queen dependerá de quantas pessoas apreciam sua temática, seja por curiosidade, aprovação ou interesse. No campo moral, a discussão vai além do simples “vamos ver se vai vingar”. Dependerá de como o autor conduzirá os personagens principais nas próximas páginas.