
Quando Hokuto no Ken estreou em 1983, o Editor-Chefe da Weekly Shonen Jump, Shigeo Nishimura, não imaginava que estava prestes a moldar a revista pelos próximos 40 anos (ao menos)… E principalmente que a obra que ele tinha aprovado seria a grande inspiração para solucionar os problemas de popularidade que Dragon Ball teve em seu início. Venha entender bem essa história:
Shigeo Nishimura foi o Editor-Chefe da Weekly Shonen Jump na época de ouro. Com o sucesso de Dr. Slump, Kinnikuman, Ring ni Kakeru e muitas outras séries, a revista estava tendo a atenção de muitos jovens; contudo, as suas concorrentes continuavam extremamente fortes. A Weekly Shonen Sunday, com o lançamento de Touch e Urusei Yatsura, tinha conquistado o público jovem com suas histórias de amor.
Nishimura, porém, não gostava muito dessa estrada que as revistas Shonen estavam tomando, e demonstrava clara admiração por obras mais violentas, como aquelas produzidas por Hiroshi Motomiya e George Akiyama. É nisso que o Editor-Chefe começou a empurrar por uma linha editorial diferente, mais voltada para obras de ação com muito sangue e violência. É nessa nova linha editorial que um dos seus autores, Buronson, surge com a ideia de uma série que viria a revolucionar o mercado em 1983: Hokuto no Ken.
Hokuto no Ken conta a história de um guerreiro de artes marciais, Ken, que vive em um cruel mundo pós-apocalíptico destruído por uma guerra nuclear. Mesmo tendo mutilações, assassinatos, tripas e muitas cenas chocantes, a obra veio a se destacar principalmente por suas ótimas cenas de ação, que foram essenciais na construção do gênero “Battle-Shounen”, ou como é conhecido por muitos, mangá de lutinha. Outro mangá também estava cada vez mais migrando para ação e aumentando suas cenas de violência para assim seguir essa mesma linha de Nishimura: Kinnikuman.
Enquanto Hokuto no Ken e Kinnikuman explodiam em popularidade, um mangá não combinava tanto com essa linha editorial: Dr. Slump, com uma comédia simples (mas bem desenhada), estava vendendo como água e surpreendendo todo mundo. A questão é que seu autor, Akira Toriyama, não sabia mais como prosseguir. Assim, com o “OK” de Shigeo Nishimura, Akira Toriyama e seu editor Kazuhiko Torishima começaram a produção de Dragon Ball.
O mangá protagonizado por Goku estreou logo em 1984; contudo, como revelado pelo próprio Akira Toriyama, não teve uma ótima recepção do público, indo mal nas votações da revista – talvez nunca tenha corrido risco de cancelamento (já que nas entrevistas isso não é citado, por isso o “cancelamento” está entre aspas), mas certamente chegou a estar entre os piores votados em algumas edições. Assim, seu editor Kazuhiko Torishima começou a pensar em soluções para salvar Dragon Ball de um possível cancelamento. Como seria possível melhorar essa obra tão simples e tão divertida que era Dragon Ball no começo? Criando o torneio Tenkaichi.
Kazuhiko Torishima (Foto da Keio University)
Kazuhiko Torishima revelou em uma entrevista de 2019 em seu livro de como criar um mangá (traduzida para o inglês pelo site The Dao of Dragon Ball) o que o inspirou a criar o Budokai Tenkaichi, mas primeiro devemos conhecer um pouco sobre esse editor. Carrasco de Akira Toriyama, Torishima é responsável por muitas das ideias que vieram a aparecer em Dr. Slump (como Arale como protagonista) e também em Dragon Ball. Diferente de Shigeo Nishimura, Torishima era mais favorável a histórias leves e com bom teor de comédia, e por isso, quando ele se tornou Editor-Chefe da Weekly Shonen Jump em 1996, vimos uma nova direção no teor das séries lançadas, escapando do clima mais “pesado” e “violento” imposto por Nishimura e indo para um clima mais leve, lançando obras como Shaman King e One Piece.
A questão é que tanto o humor de Akira Toriyama quanto o viés de Torishima não estavam dando muito certo no começo de Dragon Ball; assim, o editor decidiu ler a obra mais popular do momento: Hokuto no Ken. Torishima não gostou do que leu, pausando a sua leitura no terceiro volume, e deixou claro na sua entrevista “que é necessário ler somente três volumes de Hokuto no Ken para entendê-lo”. Mas, ao mesmo tempo que não gostou, percebeu que era uma questão de gosto pessoal, e que havia várias qualidades na obra que Dragon Ball poderia se inspirar, principalmente no quesito ação.
Veio em mente, assim, a ideia do Budokai Tenkaichi, que viria a dar uma reviravolta na popularidade capenga de Dragon Ball, tornando a obra um dos mangás mais icônicos de todos os tempos. A ideia do torneio veio justamente como um modo de adaptar a ação de Hokuto no Ken à arte de Akira Toriyama (além de adaptar as características de Dragon Ball). Obviamente, Torishima não escrevia a história e era responsável por dar sugestões e críticas ao trabalho realizado por Akira Toriyama, por isso, narrativamente, como apresentar aos leitores essa ideia saiu da cabeça do gênio Akira Toriyama.
Um outro elemento de Hokuto no Ken que Kazuhiko Torishima decidiu adaptar: para ele, Hokuto no Ken era muito “moralista”, tentando sempre dar lições de moral para as crianças – algo que, por exemplo, Shigeo Nishimura gostava bastante que as obras da revista tivessem. Torishima pensava o contrário e propôs a Akira Toriyama que Dragon Ball não tivesse nenhuma moral; com suas próprias palavras, “fosse uma obra sem substância”. Inicialmente, isso pode parecer algo assustador, mas uma obra sem substância não significa uma obra da qual não se possa extrair nada. O que Torishima e também Toriyama tinham como principal objetivo com Dragon Ball era se concentrar na diversão do leitor, criando momentos deliciosos de se ler, sem se preocupar com a mensagem que estavam transmitindo.
Transformando Dragon Ball em uma obra divertida, sem grandes pretensões e mensagens – e adicionando arcos ainda mais voltados para a ação (diferente dos arcos iniciais, que eram mais voltados para a comédia, mesmo tendo ação) – tanto Torishima quanto Toriyama conseguiram reverter a má recepção, e melhor, conseguiram render Dragon Ball uma obra mais popular do que Hokuto no Ken e Kinnikuman. Já Shigeo Nishimura? Comemorou o sucesso, já que, mesmo Dragon Ball não sendo o estilo editorial que ele gostava, Nishimura sabia da importância de ter sempre obras diversificadas dentro da Line-Up.
Shigeo Nishimura, pai da era de ouro, acabou sendo promovido em 1986 para cargos mais altos da Shueisha, deixando o cargo de Editor-Chefe após 8 anos (até hoje o Editor-Chefe que durou mais tempo). Hokuto no Ken chegou à sua conclusão em 1988 e Dragon Ball terminou em 1995. Já Kazuhiko Torishima se tornou editor-chefe da Weekly Shonen Jump em 1996, sendo um dos editores-chefes mais importantes, por guiar a revista em seu “renascimento”, lançando obras como One Piece, Naruto, Hunter x Hunter, Hikaru no Go, Shaman King, Prince of Tennis, Yu-Gi-Oh, Rookies e muitos outros mangás populares.
P.S.: Essa matéria muito provavelmente se tornará um vídeo nessa ou na próxima semana, para assim também alcançar o público que não gosta de ler matérias, mas assiste vídeos.
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