Eu sinto saudades de comentar sobre os One-Shot lançados na revista, mas, ao mesmo tempo, escrever longas análises da Jump GIGA é bastante pesado, principalmente para alguém como eu, que precisa de um tempo para traduzir as páginas do japonês. Assim, eu decidi voltar com o quadro dos One-Shot, mas me concentrando mesmo naqueles lançados na Weekly Shonen Jump. Talvez eu comente também sobre aqueles da GIGA, mas somente os meus preferidos.
O primeiro One-Shot é aquele lançado na Edição #06-07 de 2024, Kubi Geshou, desenhado por Shirai Kaiu (Yakusoku no Neverland) e escrito pelo autor novato Hamada Shiki. O nome do mangá já representa muito bem sobre o que será a história: Kubi (首) significa “Cabeça”, e Geshou (化粧) significa “Maquiagem”. E, de fato, a história começa com Ritsu, uma jovem garota que vive em uma pequena vila na época do Japão Feudal. O seu trabalho? Maquiadora de cabeças.
Isso mesmo, Ritsu é maquiadora de cabeças, muitas vezes dos inimigos que tiveram suas cabeças decapitadas, e agora podem ser exibidas como um símbolo de vitória. A garota, que perdeu os pais e o irmão, se mantém realizando essa função sem demonstrar nenhuma emoção, como se fosse um trabalho honesto que segue realizando por seu senso de dever com a sociedade. Essa resignação de Ritsu chama atenção nas primeiras páginas, principalmente quando um personagem desdenhoso (o homem na página colorida) que a observa começa a questionar a utilidade do seu trabalho.
Esse começo de Kubi Geshou é muito bom, pois consegue rapidamente introduzir uma atmosfera melancólica na história, tanto pela arte incrível de Shirai Kaiu (que, diferente de Yakusoku no Neverland, decide adotar um traço mais maduro, que une a estética feudal com sua incrível capacidade de desenhar rostos expressivos) quanto pela própria temática que é muito diferente daquilo que esperamos de uma revista Shonen Jump.
Se no começo o antagonista da história desdenha do trabalho de Ritsu, logo esse desdém começa a evoluir para algo mais agressivo, quando Ritsu começa a comentar sobre seu irmão que morreu na guerra tentando proteger a vila. Em um flashback, o irmão comenta que, independente de quanto distorcido estiver o mundo, nunca devemos esquecer da sua beleza. E assim, Ritsu tenta viver lembrando do ensinamento do seu irmão: ser corajosa, justa e ver a beleza do mundo mesmo com a barbárie da guerra em suas mãos (literalmente).
Todo esse discurso deixa o antagonista completamente furioso, que diz claramente que o irmão dela morreu sendo ferido pelas costas e que não existe essa coisa de “justo”. O antagonista assim questiona qual é a utilidade do código moral muito comum entre os guerreiros (com código moral, digo ser corajoso e justo) durante a guerra, se o resultado é a morte. Vemos assim uma batalha de pensamentos na qual o antagonista furioso desdenha da ilusão da justiça na guerra, enquanto Ritsu tenta manter a imagem da importância de ser justo mesmo com tantas injustiças.
Essas páginas expandem a exploração de temas complexos como a moralidade na guerra, a beleza em meio à destruição, a coragem versus o medo e a inevitabilidade da morte – algo não muito comum de ser discutido de modo tão livre na Weekly Shonen Jump. O roteirista, que nunca lançou uma série, mas demonstra ter uma grande habilidade de escrita, leva o leitor a pensar sobre a brutalidade da guerra enquanto vemos o aumento do conflito dos dois personagens.
Mas, por mais que o antagonista queira levar Ritsu à loucura, ela se mantém sóbria. E assim, em uma explosão de violência, o antagonista pula sobre a garota, sufocando-a com as suas próprias mãos, para ver se consegue quebrar a máscara que ela está vestindo, mas é nesse momento que a psique do antagonista quebra, ao lembrar o monstro que ele é. Em uma crise de desespero e culpa, ele escapa, e é revelado que, na verdade, ele matou o irmão de Ritsu, atacando-o pelas costas.
Porém, uma ação tão covarde simplesmente continuou a consumi-lo com a culpa. O antagonista não estava mais em risco de vida, matou o irmão de Ritsu por simples vingança e mesquinhez. Contudo, tal ação demonstrou não somente a sua fraqueza de espírito, mas também a sua fraqueza como guerreiro. Descobrimos assim que o antagonista veio a encontrar Ritsu para ver se conseguia livrar-se de todo o senso de culpa e sensação de imoralidade que o dominava.
A fuga do antagonista não vai muito longe, pois ele é capturado pelos soldados e sua cabeça é entregue a Ritsu, que começa a chorar. É nesse momento que vemos o último encontro, no qual o antagonista aparece como um fantasma sob sua cabeça: ele revela que não queria assumir a própria vileza e covardia, mas que pede perdão a ela mesmo. A reação, porém, da protagonista é um total colapso: ela grita que simplesmente odeia a guerra e como a mesma tirou tudo que ela tinha, enquanto esmaga a cabeça do antagonista com os dedos e a lança no chão.
Várias imagens da guerra começam a passar pela cabeça de Ritsu, e em uma explosão de raiva ela pega uma tesoura para rasgar a cabeça do antagonista, mas, no exato momento em que ia atingi-lo, temos um corte para sua lembrança na qual ela vê sua vila com seu irmão (repetindo a imagem acima), no dia em que ele pediu para ver a beleza mesmo com o mundo distorcido, e logo após com os dois comendo juntos. Temos mais um corte, para a última página do One-Shot, no qual ela está trabalhando com os olhos cheios de lágrimas na maquiagem da cabeça do antagonista, que agora voltou a estar em um estado quase impecável.
OPINIÃO:
Kubi Geshou é uma história potente que discute várias questões em apenas 45 páginas: a crueldade da guerra, o luto, a sensação de culpa e também como seguir em frente. O escritor em nenhum momento tenta criar uma grande moral, digna dos Shonen mais tradicionais, muito pelo contrário, me lembra uma liberdade artística que conseguíamos ver somente no começo da revista ou atualmente em revistas menores.
Mas, ao mesmo tempo que Kubi Geshou é uma história corajosa para a revista na qual é publicada, também sofre de alguns problemas por causa da repetitividade dos discursos dos personagens, que reafirmam constantemente um determinado ponto. O escritor assim demonstra uma grande habilidade narrativa para mangás, mas ainda é inexperiente, por isso acaba cometendo alguns erros mesmo nesse One-Shot.
A arte também é uma grande evolução para Shirai, que entrega algo totalmente fora da própria “confort zone”, para assim entregar uma arte que combinasse com a ambientação da época. Em vários momentos, eu não consegui reconhecer o seu traço. Mas talvez por causa disso, em muitos momentos, eu acredito que Kaiu Shirai não conseguiu entregar o mesmo impacto visual que conseguia em Yakusoku no Neverland. Certamente Kubi Geshou teve uma arte bonita e muito competente, mas passa longe de ser o melhor trabalho publicado pela desenhista.
Eu não acredito que essa seja uma história que possa ser adaptada para a série, e nem mesmo para uma mini-série. Ela é ideal para um One-Shot e eu gosto quando ocasionalmente a revista dá espaço para autores publicarem histórias curtas mesmo, sem intenção de transformá-las em séries.
Mas uma coisa é bem óbvia: esse roteirista tem muito talento, por isso, caso essa história tenha sido bem recepcionada (vi alguns comentários na internet elogiando quanto era impactante, mas foram poucos), eu acredito que seja um bom sinal para dar o sinal verde para que esse autor comece a trabalhar em um projeto de série. Não sei quais ideias ele tem na cabeça, mas eu vejo um talento que não merece ser descartado.
Estou curioso para saber os próximos passos de Hamada Shiki. Agora, nos próximos dias lanço já a análise do próximo One-Shot desse ano, fiquem de olho!
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