Os dias 3 e 4 do Anime Friends se passaram e o evento acabou no ano de 2024, mas com a edição de 2025 já anunciada, com um espaço ainda maior no mesmo Anhembi. Trazendo o que falei do mix de sub-culturas no artigo anterior, os dias 3 e 4 intensificaram ainda mais essa minha opinião sobre como aspectos diferentes da cultura otaku tomam parte do evento.
Falando numa cultura que não citei no texto passado e é ESSENCIAL para qualquer evento de anime: cosplay. Obviamente tinham dezenas (centenas) de cosplay de várias séries andando por lá. Como o AnalyseIt é um site de, bem, análise gostaria de falar do que MAIS vi, isso não quer dizer que é um censo oficial ou algo do tipo, mas uma curiosidade para vermos um pouco da popularidade de algumas séries no Brasil. Dito isso, os que mais vi foram: Kimetsu no Yaiba, Jujutsu Kaisen, One Piece e Frieren.
Os três primeiros são óbvios, franquias Shonen Jump com anime em exibição recente — Jujutsu e One Piece também com mangás populares que viralizam toda semana. Entretanto Frieren foi uma surpresa pra mim. Sim, o anime é popular, mas ver a dimensão dele FISICAMENTE é incrível. A popularidade do mangá no Japão passou ao resto do mundo pelo anime, não dá para se subestimar esse fator de jeito algum. Falarei mais sobre essa entrevista depois, mas na coletiva de imprensa com o Rookiez is PUNK’d, eles mesmo citaram que no Japão é bem mais comum conhecer séries pelo mangá primeiro, enquanto fora as pessoas mais conhecem pelo anime e depois vão para a leitura do mangá.
Vi muitos de Madoka também, talvez por influência pelo show do Claris, que cantam músicas do anime, mas é bom de ver mais gêneros e estilos tendo esse bom espaço no Brasil.
PAINÉIS E COLETIVAS
Falando agora mais de painéis e entrevistas, o AnalyseIt novamente pode cobrir as coletivas de imprensa.
O concerto Super Friend Spirits, focado mais em músicas clássicas de anime e tokusatsu das décadas de 1980 e 1990, teve duas coletivas. Uma apenas com os artistas internacionais Shinichi Ishihara (Kamen Rider Agito), Hideaki Takatori (Super Sentai, Sonic X) e Takayoshi Tanimoto (Digimon, Dragon Ball). Muito interativos, eles falaram do retorno ao Brasil após anos desde suas últimas visitas e sobre o trabalho compondo para várias franquias longas e populares. Tanimoto ressaltou os valores “shounen” de perseverança e vitória nas suas composições e Takatori ressaltou como tem orgulho de todos seus trabalhos, inclusive querendo que suas composições para a franquia Precure fossem mais populares em solo brasileiro, considerando elas algumas de suas mais icônicas.
A segunda coletiva com eles adicionou as lendas da música brasileira de anime à mesa com Luigi Carneiro e Hans Zeh (Yu Yu Hakusho), Larissa Tassi (Cavaleiros do Zodíaco), Ricardo Rossi (Dragon Ball, Cavaleiros do Zodíaco), Janaína Bianchi (Pokémon), Lucas Araújo (Anison Lab) e Ricardo Cruz (Hunter x Hunter, membro do Jam Project) que também foi o tradutor oficial dessa entrevista.
Um pouco depois, tivemos os atores do tokusatsu clássico Flashman para bater um papo sobre a série, com histórias de background bem técnicas sobre as interações do elenco entre si. Os atores mencionaram que a popularidade de Flashman no Brasil pode até superar a do Japão, com livros oficiais com materiais da série sendo lançados exclusivamente no nosso país — eles tiveram que pedir da Amazon até para tê-los. Como falei no artigo anterior, o tokusatsu é uma das bases principais da cultura otaku brasileira e comentários do tipo só comprovam.
A dança é outro elemento que sempre faz parte do que é ser otaku e por isso entrevista o grupo de dança otaku Akiba Boyz foi outra excelente oportunidade. Famosos por interpretações em dança de músicas de anime, com vários vídeos gravados na rua, o grupo é muito popular nas redes sociais. Perguntados sobre o preconceito na cena de “break” pela sua estética de otaku, eles disseram que na verdade começaram daquela cena e só depois incorporaram a cultura de anime às danças, já que é uma segunda paixão de todos do grupo. Também falaram sobre os desafios de adaptarem danças de anime, vtubers, etc do campo 2D ao mundo real, sempre preservando a coreografia original ao máximo possível, mas adicionando elementos de cada história se preciso — como por exemplo incorporar a moção icônica do kamehameha à músicas de Dragon Ball.
Em outra entrevista, o grupo musical Rookiez is PUNK’d, como citei antes, ressaltou a importância de ler o material original para a composição de música de anime. Tendo trabalhado em Durarara!!, Yowamushi Pedal, Bleach e no Exorcist, os artistas disseram que já eram fãs de manga, inclusive com o sonho de um dia poder realizaram uma música para o clássico Slam Dunk. Um fato interessante revelado lá é que a icônica Complication, de Durarara!!, não foi inicialmente composta para a série, mas foi um pedido dos criadores já que viam a imagem de Ikebukuro da história muito semelhante à atitude dos Rookiez. A relação deles com o mangá não acaba por aí, até o nome da banda adicionou o “is PUNK’d” pois precisavam se diferenciar do clássico mangá Rookies da Jump, o “punked” é até uma brincadeira com o fato do mangá ter ficado com o nome.
Puxando disso, a entrevista de Vickelblanka no dia anterior também acrescentou a isso que todos os artistas falaram: entender o material original é o mais importante. Conhecido pelas aberturas Black Rover e Black Catcher de Black Clover, “VK” comentou que sabia que sua presença no evento vinha principalmente dessas canções e de sua música de encerramento em Fruits Basket, mas que com o show pode ao mesmo tempo apresentar suas demais canções enquanto dá aos fãs o que querem. Também se orgulha da canção Changes, usada no filme francês La Revanche des Crevettes Pailletées, de temática LGBT. O músico fica feliz em ver suas canções representando tanta gente diferente ao redor do mundo.
O EVENTO
Falando um pouco mais do evento em si, uma coisa legal e que gostaria de ver mais seriam mais atrações oficiais de anime e manga. As exibições das dublagens brasileiras de 2.5-jigen no Ririsa e Shikanoko Nokonoko Koshitantan pelo Anime Onegai e o stand temático com várias artes dos anime de Sakura Card Captors são excelentes formas de aproximar o público brasileiro desses trabalhos — apoiar um evento brasileiro é apoiar também o público brasileiro.
A Balada Otaku foi outra grande atração, com uma setlist envolvendo hits da subcultura otaku dos últimos anos no Japão, deu para se ouvir um mix dessas novidades com músicas como de Umamusume com as mais “das antigas” como Blue Bird de Naruto, os Akiba Boys trouxeram interatividade para essa troca cultural entre a forma de dançar do Japão e a do Brasil.
A Artist’s Alley, seção aonde os artistas locais podem apresentar e vender suas criações, foi expandida em relação ao Anime Friends de 2023, agora proporcionando um espaço maior para essa ótima exposição dos grandes talentos brasileiros. Um aspecto muito legal dessa ala é poder achar produtos inéditos, já que são feitos por artistas independentes, que muitas vezes cobrem séries mais fora da caixinha e conceitos originais. Uma das minhas grandes torcidas para o Anime Friends 2025 é inclusive a expansão da área para que essa exposição cresça ainda mais.
MÚSICA AO VIVO
Por fim falando dos shows dos últimos dois dias. No sábado, a música começou com a Orquestra Monte Cristo, com interpretações instrumentais de clássicos reconhecíveis do mundo do anime, assim ressaltando o poder da composição original e da técnica incrível dos músicos da orquestra. Em seguida, o Miura Jam manteve o tom de canções tradicionais com vários covers que fizeram sucesso no seu canal do Youtube.
Na parte internacional, a dupla Claris trouxe canções dos mais variados títulos como Niseko, Spice & Wolf, Eromanga Sensei, Ore no Imouto, Monogatari, Lycoris Recoil e encerrou com um trio das suas mais conhecidas de Madoka — uma verdadeira ode à carreira delas. Já o nano.RIPE em seguida fez uma versão mais extendida do seu show da quinta, com muito de Shokugeki no Souma, Non Non Biyori, além de canções de Bakuman e Jinrui wa Suitai Shimashita, sendo outro show abrangente da carreira do grupo.
A noite encerrou com um show eletrizante de Vickeblanka, que foi DJ, cantor, tocou violão, piano e agitou o público com suas originais e levou vários à loucura com as aberturas de Black Clover. Para quem duvida da popularidade do mangá e anime no Brasil, só ver um vídeo deste show com centenas de pessoas cantando junto e se emocionando com as músicas.
O domingo teve o Super Friend Spirits, comandado por Ricardo Cruz. O show, num estilo festival de mais de duas horas e rotações diferentes de artistas indo e vindo, demonstrou a história do anime e tokusatsu no Brasil e como já dito no texto, focou nos clássicos: tanto em japonês como português. Foi incrível ver a conexão dos artistas das duas nações e o respeito mútuo entre eles — os grupos inclusive falaram de como foram divertidas as interações nos treinos, novas amizades desenvolvidas e público satisfeito. Sucesso.
MindaRyn em seguida em seu segundo show no evento, trouxe novamente muitas das suas mais populares, principalmente as de Tensura. A série inclusive foi uma das que mais vi cosplay também, está pelo visto bem popular no Brasil, como é em todo lugar. Já ZAQ modificou bastante sua setlist da quinta, com uma longa carreira ela pôde mover o público até com canções de cults clássicos como Flip Flappers.
O Rookiez is Punk’d em seguida veio com o rock num show de uma hora no qual tocaram praticamente todas suas canções de anime, intercaladas com as originais da banda. Mas tivemos lá muito Yowamushi Pedal e um encerramento genial no qual se ouviam inúmeras pessoas cantando juntos o marcante Complication, aquela canção que citei antes que só se tornou por acaso uma abertura de anime e hoje é o grande hit deles.
O evento encerrou com outro show do ALI, novamente transformando Lost in Paradise num espetáculo de sintonia de grupo e público. É difícil de não imaginar eles voltando mais vezes após a recepção excelente do show, então quem perdeu desta vez poderá ter mais chances de vê-los no futuro.
CONCLUSÕES
Acredito que o Anime Friends tenha conseguido expandir mais do que nunca o que é “mangá e anime” nesse ano. Sei que muitos preferem acompanhar shonen e isso é totalmente ok, mas também há vários outros grupos com suas preferências específicas pelo tamanho da indústria e o Anime Friends está sabendo balancear stands, painéis e shows que abrangem vários desses públicos diversos.
Se você gosta de shonen, há coisas para você; se gosta de tokusatsu, também; se gosta de slice of life, tem; mahou shoujo, mesmo caso, etc. Isso é importante porque essas várias subculturas vivem se cruzando e até essa oportunidade pode trazer novos fãs para elas.
E não falei nem de tudo que teve, eu mesmo não conheço direito muitos dos jogos que estiveram presentes lá, por exemplo.
Diria que o Anime Friends está expandindo seu foco no anime e mangá de forma mais profunda ao longo dos anos, mas outras cultura geek também aparecem por ali e só uma pessoa nunca conseguirá ver e curtir de tudo, mas acredito que isso é um ponto positivo e que essa extravagância continue influenciando futuros eventos otaku no Brasil.