Como alguém que conhece o evento por muitos anos, vê-lo se transformar de algo mais informal, numa grande convenção com diversas atrações nacionais e internacionais é prova da popularidade da cultura popular japonesa no Brasil, nascida décadas atrás graças às exibições de anime e tokusatsu clássicos já nas primeiras TV brasileiras — o país exibiu séries como A Princesa e o Cavaleiro e National Kid antes dos EUA, com o tempo trazendo mais clássicos como Cavaleiros do Zodíaco, Jaspion, Dragon Ball, Kamen Rider. Hoje temos eventos como o Anime Friends nessa enorme escala.
O evento conta com vários stands de atrações diversas, indo de lojas para a compra de mangá, figures, chaveiros até para atrações interativas como baseball ou jogos. As maiores editoras de mangá do Brasil são algumas das grandes lojas, temos lá por exemplo, Panini, JBC e Newpop, com várias de suas séries facilmente disponíveis ao público e espaços para apresentação de divulgação dessas séries, tanto por texto quanto em palestras e rodas de discussão — houve uma até sobre a adaptação brasileira de Akane-banashi, uma série que muitos devem saber adapta os roteiros do rakugo para o texto, precisando assim de um entendimento cultural e linguístico enorme e muito cuidado, a valorização dessa adaptação é importantíssima e é legal de ver isso trazido ao grande público.
A Panini usou seu espaço de forma variada, tendo um painel de discussão sobre romcoms, um dos gêneros mais importante da indústria atual e explicando como o grande público gosta delas também e não só do battle shonen; além disso fez diversos anúncios em primeira mão, seguem alguns deles: boxes de Beastars, Dr. Slump, Gantz, Claymore, anúncios inéditos de edições novas de X e Tokyo Babylon do CLAMP, Billy Bat de Naoki Urasawa e Initial D de Shuichi Shigeno. São várias obras de apelo popular, autores famosos e uma forte variedade de gêneros e estilos.
Dragon Ball, Dr. Slump e SandLand
Outro painel interessante foi o de Yuki Kaji, um dos dubladores mais famosos do Japão, interpretando personagens como Eren em Shingeki no Kyoujin e Shoto Todoroki em Boku no Hero Academia. Ele trouxe sua perspectiva como dublador pessoalmente ao público brasileiro pela primeira vez, demonstrando muita versatibilidade em interagir com um público sem saber sua língua, trouxe comentários sobre a importância dos profissionais de lerem e estudarem o material original, geralmente o mangá, e de como apesar das diferenças fonéticas entre línguas, isso é um elemento importante a ser seguido até para aqueles que querem seguir a carreira na dublagem em português.
O Analyse It também teve acesso à sala de imprensa, podendo acompanhar conferências com os convidados. A seguir falarei de algumas delas, colocando entre parênteses as ocupações de cada um e alguns trabalhos famosos.
O grupo musical ALI (abertura de Beastars, encerramento 1 de Jujutsu Kaisen) falou muita da variedade étnica de seus membros, o vocalista Leo tendo uma mãe de origem espanhola e britânica, o baixista Luthfi de origem indonesa e o guitarrista César, de mãe brasileira! Todos se conheceram em Shibuya, um bairro muito jovem e descolado do Japão, e seu estilo musical traz essas influências do mundo todo para a música, bem viva e excitante. Declararam muita felicidade de como as anime songs deram a eles a oportunidade de vir à países como o Brasil, conhecer ainda mais culturas para acrescentar ao seu repertório — citaram interesse e que gostam de artistas nacionais até, como Emicida, Seu Jorge, Arthur Verocai e Natiruts, entre outros.
O cosplayer italiano Taryn veio à sala de imprensa vestido de Zoro, de One Piece, muito impressionante parecia que realmente o personagem estava ali. Ele falou um pouco sobre sua carreira, viajando ao redor do mundo para convenções, e como algo que começou apenas como o hobby se tornou sua ocupação. O cosplayer ressaltou que para outros querendo entrar no ramo a forma de “monetizar” essa atividade é se promover muito em redes sociais como Instagram e TikTok, assim mostrando à empresas interessadas que seus cosplay podem chamar atenção para seus stands, séries, produtos, etc.
A dupla musical Claris (Madoka Magica, Nisekoi, Monogatari, etc) trouxe sua perspectiva sobre sua criação de anisongs. Como, por exemplo, ao trabalhar em Madoka fizeram uma abertura alegre tradicional de um anime de garotas mágicas e tiveram inicialmente um receio pelos episódios mais sombrios da série, entretanto lendo o roteiro inteiro perceberam como os temas da música fazem total sentido numa história sobre o contraste da luz na “escuridão”. Também citaram alegria ao expandir seu repertório por trabalhar em mais anime de gêneros diversos, após um início mais “puro” em músicas de romcom, agora fazendo canções para histórias com mais mistério e ação, como Shadows House e Lycoris Recoil.
A banda brasileira de covers, Miura Jam, falou um pouco de seu trabalho com vários tópicos interessantes, como o desafio de adaptar letras para línguas e fonéticas diferentes — dando o exemplo da palavra japonesa kibou, que significa esperança em português, assim tendo sílabadas completamente diferentes e difíceis de encaixar numa letra. Os artistas também revelaram que mesmo com uma fanbase brasileira obviamente maior, também possuem muitos seguidores estrangeiros, incluindo vários japoneses que ouvem suas canções para aprender o português. Também comentaram de algumas diferenças de público entre aqueles que buscam músicas de games e anime, não sendo exatamente as mesmas pessoas sempre. Por fim também recomendando que escutem seus trabalhos originais, tanto pela realização artística quanto pelo maior apoio ao grupo.
O grupo Wasuta (Pripara, Pri-chan) é também do J-Pop, mas num estilo bem diferente, o das idols. Realçaram a cultura do kawaii (fofo) como parte da identidade do grupo, com inspirações indo de seus pets até vtubers do Hololive, e como querem trazer isso ao público — mas que também tem seus lados diferentes, com canções mais puxadas para o “cool” (legal) para variar. Estão felizes com essa oportunidade de conhecer o Brasil pela primeira vez.
Numa coletiva com dubladores brasileiros de inúmeros trabalhos, Orlando Viggiani, Luiz Antônio Lobue, Guilherme Lopes e Patrícia Scalvi trouxeram histórias dos bastidores da dublagem brasileira, de desafios como o de dublar séries sem saber se estavam no fim ou não, como acontecia com alguns tokusatsu no passado, quando a internet não era tão difundida. A mensagem mais importante que deixaram é a de respeito à dublagem, em não aceitar a precarização dessa arte tão importante. A dublagem não é um “serviço”, é uma arte e uma forma de acessibilidade e é importante que tanto os dubladores quanto os fãs defendam os direitos desses artistas.
Trazidos pelo Bandai Namco Musical Festival Live, vários artistas tiveram uma coletiva juntos: ZAQ (Chuunibiyou Demo Koi ga Shitai, Classroom of the Elite, etc), a banda nano.RIPE (Shokugeki no Souma, Non Non Biyori), MindaRyn (Tensei shitara Slime Datta Ken, SHY). Os artistas falaram um pouco do orgulho de serem associados com séries tão famosas no Japão e no mundo — um sentimento de respeito muito grande às obras. Também falaram do trabalho de composição e de como se adaptar à gêneros tão diferentes, sempre ressaltando a importância de LER o material original ou ver temporadas anteriores do anime para entenderem os pontos chaves especiais de cada série e o que precisam trazer em composições diferentes.
Os shows internacionais inclusive trouxeram a presença de anime diferentes do comum, expandindo ainda mais a dimensão do evento. No show da Bandai pudemos ver além dos artistas citados acima, também Sayaka Sasaki trazendo músicas de shows como Nichijou e Garo e Shuhei Kita com Persona e Natsume Yuujinchou.
Já no dia seguinte o público mostrou diversas fanbases coexistindo, ressaltando mais essa variedade na música japonesa. Fomos das idol do Wasuta, cantando com forte apoio público dos fãs idol puxando coros e balançando bastões coloridos, igualzinho aos shows japoneses, para depois o estilo tradicional clássico de J-Rock e visual kei com Takeru e Hiroto, até cantando clássicos como Ready Steady GO de Full Metal Alchemist; encerrando com ALI, numa apresentação que eletrizou o público de energia pelas músicas estilo soul e funk americano, com canções originais incríveis e muito interativas/dançantes, as de Beastars agitando o público e tudo culminando numa versão incrível ao vivo da Lost in Paradise de Jujutsu Kaisen, que o público inteiro podia cantar junto.
O Anime Friends oferece até agora muito para vários gostos e mostra essa conexão Brasil e Japão muito bem, além de elementos de outras culturas pop.