
Estrear um novo mangá na Weekly Shonen Jump não é fácil. Desde os anos 80, mais de 80% dos mangás que estrearam na revista acabaram sendo cancelados antes de completarem um ano de vida. Durante os anos 90 e 2000, era comum vê-los sendo cancelados antes de completarem 20 capítulos. Atualmente, a revista está mais generosa, raramente cancelando um mangá antes dos três volumes. Contudo, mesmo assim, é complicadíssimo lançar um novo mangá de sucesso.
É essencial, portanto, entregar um primeiro capítulo excelente para convencer o público. Decidi criar uma lista, sem ordem específica, de oito mangás que simplesmente entregaram um primeiro capítulo espetacular, essenciais para a popularização do mangá. Caso gostem, posso fazer uma segunda lista com 7 mangás, já que originalmente imaginei um top 15.
Hokuto no Ken
Eu gostaria de começar essa lista com um mangá clássico que muitos não devem ter lido, mas que recomendo demais: Hokuto no Ken. Diferente de muitos mangás que começam capengando, Hokuto no Ken entrega já no seu primeiro capítulo algo espetacular. A apresentação do mundo, com a arte chocante de Testuo Hara, é simplesmente incrível.
O cenário pós-apocalíptico, o design de personagens bem “punk” e a personalidade forte do protagonista rendem a introdução de Hokuto no Ken um grande exemplo de como iniciar uma série. O autor sabe muito bem mostrar o contraponto entre o herói e os vilões deste mundo violento e destruído por bombas nucleares. É, sem dúvida, uma história de um roteirista que sabia muito bem o mundo que estava introduzindo e de um artista que sabia representar com maestria a visão do seu roteirista. Todos os autores deveriam ler o primeiro capítulo de Hokuto no Ken.
Ansatsu Kyoushitsu
Assassination Classroom, também conhecido como Ansatsu Kyoushitsu, conseguiu vender quase um milhão de cópias em seu primeiro volume. Foi o maior sucesso imediato da revista desde One Piece. Mas o que teve em Ansatsu Kyoushitsu que logo conquistou os japoneses? Primeiro, o autor consegue apresentar uma situação bizarra com todos os elementos necessários para agradar o público: O timing da comédia é muito bem estruturado, a tensão de tentar matar o professor é bem construída, e o protagonista narra muito bem os problemas, adicionando camadas que trazem críticas sociais ao sistema educacional japonês.
Mas o que realmente rendeu Assassination Classroom um sucesso imediato foi Koro-Sensei, que conseguia ser extremamente divertido, mas também assustador, como quando adota uma expressão de raiva. O primeiro capítulo de Ansatsu Kyoshitsu é uma mistura de tensão, comédia, crítica social e ação que acaba criando uma mixagem perfeita para o que será a série, e logo conseguiu cativar o público japonês.
Chainsaw Man
Se é para citar um mangá da “Era Nakano” que teve um primeiro capítulo espetacular, eu tenho que citar Chainsaw Man, para mim o segundo melhor primeiro capítulo do seu período. Eu serei sincero, não gosto dos primeiros volumes de Chainsaw Man, mas é inegável a qualidade do seu capítulo inicial. O autor apresenta aos leitores um protagonista pobre, com muitas dificuldades financeiras, que vive junto com uma criatura extremamente fofa. Essa apresentação é seguida pela introdução de um mundo cruel, composto por demônios e caçadores de demônios.
Embora o “setup” de Chainsaw Man seja inicialmente genérico, o autor consegue colocar um peso dramático muito grande na vida do protagonista. Esse peso é essencial para os leitores sentirem angústia quando os acontecimentos das últimas páginas são revelados através de uma composição artística de alta qualidade. Chainsaw Man não apresenta um mundo espetacular como Hokuto no Ken, mas consegue criar uma dramaticidade essencial para que criemos imediatamente empatia pelo protagonista. É nisso que Chainsaw Man consegue conquistar parte dos leitores.
Haikyuu!!
Lançar um mangá de esporte de sucesso é sempre muito complicado, especialmente quando é um esporte de grupo. Neste milênio, a Weekly Shonen Jump só conseguiu lançar três mangás de esporte de sucesso: Eyeshield 21, Kuroko no Baskete o mangá de vôlei Haikyuu!!, sendo este último dos sucessos. Desde 2012, a Weekly Shonen Jump não lança uma nova série de esporte de sucesso, e acredito que Haikyuu!!conseguiu alcançar tal feito justamente pela incrível qualidade do seu primeiro capítulo.
Ao invés de se concentrar em apresentar logo todo o time, o autor decidiu se concentrar no protagonista e suas motivações para se tornar um jogador, ao mesmo tempo que constrói a rivalidade com seu inimigo-amigo, que será o ponto central dos primeiros capítulos de Haikyuu!!. Haikyuu!! consegue, além de apresentar uma partida emocionante já na sua introdução, construir bem a base dos dois personagens mais importantes do mangá. É uma introdução muito inteligente e bem construída, que rendeu a Haikyuu!! um grande sucesso comercial.
Talvez os autores de mangás de esporte deveriam estudar um pouco mais sobre o motivo pelo qual Haikyuu!! deu tão certo.
Yakusoku no Neverland
Eu acredito que um ótimo primeiro capítulo deve ter dois elementos: uma narrativa envolvente e a apresentação das bases do que será a série nos próximos volumes. O primeiro capítulo de Yakusoku no Neverland, além de ser chocante, é essencial para criar toda a atmosfera que irá guiar a série nos seus primeiros cinco volumes (a primeira temporada inteira).
Passamos a torcer desesperadamente para que as crianças escapem justamente pelo que lemos nas suas primeiras cinquenta páginas. A construção se aproxima da perfeição: vemos como os personagens estão felizes e acreditam que serão adotados, para depois verem todos os seus sonhos e concepções de vida mudarem nas últimas páginas desse primeiro capítulo. Os autores não tentam enganar os espectadores, já que durante todo o capítulo você tem a sensação de que algo ruim vai acontecer, mas conseguem muito bem representar a inocência de cada criança, inocência que será retirada assim que vermos uma das páginas mais chocantes da Weekly Shonen Jump.
Stealth Symphony
Não é somente de sucessos que é composta essa lista. Alguns mangás cancelados também conseguiram entregar ótimos primeiros capítulos, mas acabaram fracassando nos capítulos seguintes. Um desses mangás é Stealth Symphony, obra battle-shounen escrita por Ryogo Marita e desenhada por Yoichi Amano. Stealth Symphony conta a história de um garoto que embarca em uma aventura para se livrar de uma maldição causada por uma “máscara”.
O primeiro capítulo entrega uma cena de ação espetacular e uma arte incrível, com um grande plot-twist visual. Stealth Symphony deixou muitos leitores eufóricos, mas a série começou a decair a partir do segundo capítulo e acabou sendo cancelada com apenas três volumes. Contudo, isso não cancela o fato de que teve um dos melhores primeiros capítulos que já li.
Akane Banashi
Eu disse que hainsaw Man era o segundo melhor primeiro capítulo da “Era Nakano”, pois, na minha opinião, o melhor é Akane Banashi. O autor quebra todas as expectativas seguindo uma estrada parecida com a de One Piece: começar pelo passado. Contudo, em nenhum momento, Akane Banashi tenta apresentar imediatamente a protagonista. A decisão é de se concentrar primeiro no pai dela, e no amor que ele tem pelo Rakugo, uma modalidade artística tradicional do Japão.
Essa decisão, nem um pouco ortodoxa para os padrões de como se cria um primeiro capítulo, permite que conheçamos primeiro muito bem a modalidade artística e, principalmente, vemos a protagonista Akane como uma personagem secundária que segue a “paixão do pai”. Isso nos permite entender muito bem a sua motivação para também começar a praticar Rakugo. É uma escolha muito inteligente que demonstra que apostar em ideias “fora da caixa” para os padrões shonen pode trazer um grande resultado. Akane Banashi é a prova de que a Weekly Shonen Jump tem espaço para a criatividade.
One Piece
Quero concluir essa primeira lista com um mangá que, na minha opinião, entrega um dos melhores primeiros capítulos possíveis: One Piece. Inicialmente, o plano de Eichiiro Oda era entregar um primeiro capítulo que seria uma simples “aventura” de Luffy. Após o editor-chefe não aprovar esse início três vezes e requerer mudanças, Oda chegou à versão que se tornaria esse primeiro capítulo.
Mas o que torna o primeiro capítulo de One Piece um dos melhores? Essa introdução com Luffy criança, mostrando toda a sua ligação com Shanks, se torna essencial para embarcarmos emocionalmente na viagem do protagonista, entendendo bem suas motivações e até mesmo o seu apego com o chapéu, objeto mais icônico de One Piece. Em longo prazo, esse mesmo início acabou sendo um prato cheio para várias teorias.
Mesmo que o anime tenha escolhido a estrada de não iniciar a saga com Luffy criança, acredito que o início do mangá é o que rendeu One Piece um sucesso imediato. Com 300 mil cópias impressas já no seu primeiro volume e sendo classificado imediatamente nas primeiras colocações da revista, One Piece conquistou o público japonês desde o seu primeiro capítulo, então não podemos negar que é um dos melhores da história.