
Cycle Biyori é o novo mangá da Weekly Shonen Jump. A obra une elementos sobrenaturais com uma comédia leve e simples, contudo, o arco narrativo do seu primeiro capítulo resultou em uma discussão complexa na 2ch e no Twitter. Essa discussão, mesmo sendo válida, acabou sendo muito aumentada pelo público ocidental. Por isso, é o momento de entendermos bem o que os japoneses pensaram e, principalmente, quais são as chances dessa polêmica influenciar em sua popularidade.
Antes de tudo, vamos entender bem o que aconteceu no mangá (Spoilers a seguir): O primeiro capítulo apresenta uma personagem adolescente que vive sozinha após a mãe adoecer. Sem fonte de renda, ela começa a roubar comida em uma loja de conveniência. O protagonista, ao descobrir que sua amiga roubava comida para se alimentar, decide obrigá-la a devolver a comida. O vendedor, porém, ao invés de punir a garota pelo roubo, como muitos esperavam, decidiu dar comida para ela, pois é somente uma criança sem condições de comprar comida.
Várias pessoas na 2ch e no Twitter japonês, porém, consideraram que o mangá não puniu a garota corretamente pelo seu crime, dizendo que o vendedor deveria ter tido uma reação mais pesada. Já o ocidente, ao ler o comentário dessas pessoas, começou a acusar os japoneses de exagerarem e serem cruéis demais com a garota. É claro que se levantou uma questão sobre responsabilização, punitivismo e temáticas que devem ser tratadas em uma revista Shonen.
Aqueles que não gostaram de como a garota foi perdoada argumentam que é necessária uma severidade maior até mesmo para adolescentes, pois nada justifica um crime. Já aqueles que acham exagerada essa reação têm dois principais argumentos: o primeiro é que, em uma situação como a dela, é compreensível alguém recorrer a roubar comida, mesmo não sendo correto. Já outros argumentam que o mangá se trata de uma obra de ficção que não deve ser levada a sério.
A questão é que, nessa discussão, entram vários elementos em jogo: visão pessoal sobre as questões, diferenças culturais e a sensação de que a opinião de alguns na internet corresponde à verdade absoluta. Sobre esse último ponto, é algo que eu repito continuamente nas minhas análises sobre a recepção japonesa: a 2ch, Twitter ou Jump Matome correspondem a uma visão pequena do público total consumidor da revista. São ótimos para entender certas nuances da recepção e tendem a acertar muitas vezes. Contudo, eles tendem a ser bem mais rigorosos e polêmicos.
Certas questões que passam batido para a maioria do público, na 2ch e Jump Matome se tornam motivo de briga e discussão. Não difere muito do que vemos no Twitter mesmo, no qual a maioria dos espectadores não ligam para o que acontece em uma determinada série ou acontecimento, enquanto muitas pessoas no Twitter tratam certas questões como se fosse o maior crime cometido na humanidade. A internet é a internet em qualquer lugar do mundo.
Sabendo disso, temos que também levar em consideração outros dois fatores nessa discussão: visão pessoal e diferenças culturais. Interpretar como diferença cultural essa visão punitivista é praticamente unificar o pensamento de um povo através de comentários na 2ch. O que não seria uma análise correta de se realizar: o que alguns pensam na internet pode ser reflexo do pensamento de uma maioria, mas também pode não ser. Qualquer afirmação sem um estudo maior é baseada em achismo e generalização que empobrece ainda mais a discussão.
A questão é que temos uma parcela de pessoas com visões pessoais mais punitivistas que criticaram, sim, o primeiro capítulo de Cycle Biyori, e essas pessoas não irão votar na série. Contudo, não podemos saber se essa visão corresponde à maioria. Interpretar assim, que a série será cancelada por causa disso, é chegar a uma conclusão completamente precipitada, algo que algumas pessoas fazem na internet.
Vimos também nos fóruns elogios à simplicidade da obra, à caracterização do protagonista, e também vimos críticas a outros elementos, como muitos leitores achando chato e sem nada de especial. A arte, por exemplo, é um dos principais objetos de crítica na série, na qual vários leitores não gostaram nem do traço simples do autor nem das páginas consideradas “vazias”. Esses são fatores que vão entrar nessa equação também, e vão ditar as chances de sobrevivência de Cycle Biyori.
Até mesmo na Jump Matome e 2ch, o segundo capítulo teve vários elogios à cena mais “sexy” no encerramento do mangá, enquanto as críticas à arte se mantiveram, demonstrando assim que essa parcela não deu tanto peso a essa polêmica como muitos estão dizendo no ocidente. O assunto praticamente já morreu na discussão sobre a série. Novamente, a 2ch e Jump Matome são um aperitivo da opinião dos japoneses, mas o prato principal é realmente o público geral que não comenta na internet.
Esse público geral, avaliando as visualizações baixas na J+ que Cycle Biyori teve, é bem provável que nem esteja tão interessado assim na obra. E é isso que coloca Cycle Biyori realmente em RISCO DE CANCELAMENTO: essas críticas ou elogios são desprezíveis quando um mangá não consegue chamar a atenção do público, como está acontecendo com Cycle Biyori. A obra precisa urgentemente encontrar um maior atrativo.
Respondendo à pergunta: é improvável que essa discussão levará Cycle Biyori ao cancelamento, e não podemos nem dizer que um grupo de pessoas comentando sobre o roubo corresponde à visão geral dos mais de 1 milhão de compradores da revista. O que pode levar, e está levando Cycle Biyori ao cancelamento é sua falta de atrativo que, já desde o primeiro capítulo, não conseguiu chamar a atenção dos leitores japoneses. A obra precisa entregar mais para sobreviver.