A Weekly Shonen Jump decidiu começar o ano de 2024 com uma nova série, assim como fez no ano anterior. O mangá escolhido foi “Ruirui Senki”, lançado pela MangaPlus como “Shadow Eliminators”. Apesar de se apresentar como algo saído de um livro infanto-juvenil da década passada, o mangá revela-se mais um entre os genéricos sobrenaturais que a revista parece não se cansar de lançar. “Ruirui Senki” é obra do estreante Kento Amemiya, que utilizou dois de seus one-shots como inspiração para criar este novo título.
Como já mencionado, “Ruirui Senki” narra a história de Aoba, um jovem do ensino médio japonês com habilidades de exorcizar pessoas consumidas pelos “Kasane”, entidades sobrenaturais que possuem aqueles que carregam dores obscuras em seus corações. No primeiro dia de aula, Aoba conhece Yayoi, um estudante que busca manter a ordem na escola. Apesar de suas grandes diferenças, os dois unem forças para enfrentar o mal que assombra a instituição.
Lançar uma série sobrenatural escolar, onde personagens são dominados por entidades obscuras, é sempre um grande desafio, na minha opinião. Os japoneses não têm apreço por séries que se assemelham muito umas às outras na revista. Mangás com temáticas parecidas frequentemente sofrem comparações e até acusações de plágio. O autor precisa entregar um primeiro capítulo tão cativante que as comparações se tornem irrelevantes para o público japonês. Infelizmente, “Ruirui Senki” não consegue evitar esse destino. O primeiro capítulo é decepcionante. O autor tenta apresentar os dois protagonistas nas primeiras 50 páginas, uma escolha correta, já que criar uma conexão com os personagens é a maneira mais simples de garantir o sucesso.
No entanto, acho injusto dizer que os protagonistas de “Ruirui Senki” são terríveis. Eles possuem qualidades intrínsecas que, na minha opinião, não foram bem exploradas devido a uma direção inadequada por parte do editor. Yayoi, por exemplo, poderia ser o principal antagonista deste primeiro capítulo, com seu senso de justiça guiado pela morte do pai, algo genérico, mas emocionalmente impactante. Se o autor tivesse dado uma morte mais relevante ao pai, como em um assalto à mão armada, e dedicado mais páginas aos flashbacks que contam a história dos dois, poderíamos sentir mais empatia por Yayoi.
Seria ainda mais criativo se o monstro deste capítulo fosse as sombras que habitam no coração de Yayoi, sem a necessidade de personagens secundários, que poderiam ser introduzidos nos capítulos seguintes. Embora entenda que o autor provavelmente esteja guardando esses elementos para o futuro, a falta de conhecimento sobre as garotas possuídas pelos espíritos malignos faz com que essas entidades sobrenaturais pareçam genéricas. Se tivessem designs que correspondessem aos demônios que habitam no coração das pessoas possuídas, a série ganharia mais identidade – algo que “Ruirui Senki” carece.
Imaginem seguir todas as dúvidas de Yayoi, incluindo seus questionamentos morais sobre a justiça. A introdução permaneceria mais ou menos a mesma, com um aumento nas páginas dedicadas às lembranças. As dúvidas de Yayoi continuariam a crescer, culminando quando ele se deixa consumir por um espírito que personifica a justiça, talvez carregando um martelo como arma. O outro protagonista, que descobrimos ter controle sobre seu próprio espírito maligno, usaria sua espada para enfrentar o novo adversário, vencendo-o com uma bela página dupla. Nesse momento, o autor poderia dedicar mais páginas às cenas de ação, praticamente inexistentes na versão apresentada.
Isso criaria uma narrativa mais imersiva e uma conclusão mais satisfatória. O autor poderia também depois escolher se manter o demônio dentro de Yayoi ou derrotá-lo por completo. Não seria inovador, mas manteria a proposta do autor e resultaria em algo melhor, na minha visão. No entanto, acredito sinceramente que houve falta de orientação por parte do editor ou uma limitação criativa por parte do autor, que resultou em um produto vazio e banal, sem identidade para destacá-lo no mar de obras sobrenaturais. Mesmo a arte, que é habilidosa, acaba não se destacando como deveria por não apresentar designs únicos. Nesse sentido contudo, eu vejo que mesmo assim o autor entregou um bom produto, com quadros belos e uma boa quadrinização.
Outro motivo que levou “Nue no Onmyouji” ao sucesso no Japão foi sua comédia. O público adorou a obra pela oportunidade de criar memes e se divertir durante a leitura. Não vejo “Ruirui Senki” alcançando esse patamar em termos de qualidade cômica. Sempre digo que um autor tem duas opções: apresentar uma obra séria com páginas magníficas e um mundo espetacular que deixe o público shonen maravilhado, ou oferecer uma história mais contida, centrada no protagonista, mas enriquecida por uma comédia capaz de agradar o público adolescente. A comédia é crucial, pois ao lançar mangás para esse público, o humor é uma das maneiras mais eficazes de popularizar uma obra.
Assim, “Ruirui Senki” se torna mais um mangá insosso, com personagens que, embora tenham um background interessante e questionem moralidades, não conseguem se destacar devido a uma orientação inadequada dos editores ou uma limitação criativa por causa da inexperiência do autor. Kento Amemiya acaba entregando um produto tão genérico que se torna facilmente esquecível. Talvez o autor não tenha a capacidade de criar algo mais único, com designs mais distintos, o que é compreensível, mas onde estão todos esses autores criativos que vejo na Jump GIGA? Estão sendo mantidos em um porão até o próximo Editor-Chefe decidir liberá-los? Por que Nakano prefere apostar em mangakás que seguem a tendência da vez, sem agregar nada, melhorar essa tendência, ao invés de perceber que a beleza da Weekly Shonen Jump está em não seguir tendências, mas sim em criá-las? Ou pelo menos evoluir as tendências.
Talvez dar mais oportunidades a autores, como o de “MamaYuyu”, dispostos a arriscar, seja uma escolha melhor. Pelo menos, estimularia até mesmo os autores mais tímidos a se aventurarem. Autores que se arriscam podem falhar, mas quando encontramos aqueles que acertam, temos obras únicas como “Yakusoku no Neverland”, “Ansatsu Kyoushitsu”, “Shokugeki no Souma”, “Dr. STONE”, “Haikyuu!!” (com um esporte que nunca foi um sucesso em uma revista shonen), “PSI Kusuo Saiki”, e muitos outros mangás que marcaram presença na revista durante a gestão anterior.
Dito tudo isso, os meus gostos não definem os gostos dos japoneses, temos culturas diferentes e também não faço parte mais do público alvo da revista, deste modo o que estou criticando pode ser justamente o que os japoneses vão gostar. Independente disto, eu realmente espero queimar minha língua, e que nos próximos capítulos Ruirui Senki se torne mais do que mais uma obra sobrenatural genérica.