Por anos estudei a história da revista, lendo artigos e matérias, mas nos últimos meses decidi me dedicar ao estudo de dois elementos importantes para entender a dinâmica editorial da Weekly Shonen Jump e também do mercado dos mangás dos últimos 8 anos. Passei várias noites de 2023 recolhendo dados dos mangás do mercado, mas também estudando os números da Weekly Shonen Jump, para assim não só ter uma melhor capacidade de entender ela internamente, mas também como está inserida no mercado atualmente.
E após recolher essas informações começarei uma nova série de artigos no qual irei divulgar e analisar os dados coletados por mim. As duas primeiras matérias, que serão lançadas com uma ou duas semana de diferença, serão sobre as novas séries da revista lançadas na “Era Nakano” (2017 – atualmente): A primeira, mais simples, é a dinâmica da promoção das novas séries durante o reinado do Editor-Chefe Hiroyuki Nakano. A segunda será uma análise mais profunda sobre como as posições dos primeiros dez capítulos de uma série pode influenciar nas suas chances de cancelamento, avaliando também a lógica por trás desses ranqueamentos.
Era Nakano
Quando comento sobre “Era Nakano” ou também “Era da Digitalização”, é o período que estamos vivendo da revista atualmente. Nakano assumiu a revista em 2017, após uma ótima gestão Yoshihisa Heishi, e inicialmente começou seguindo a metódica do editor passado, como acontece na maioria das transições. Contudo quanto mais os anos se passaram, mais conseguimos notar características próprias da gestão do Nakano.
É importante antes esclarecer uma coisa: A TOC da Weekly Shonen Jump, no qual vemos a classificação das séries mais populares, é decidida por dois editores: O Editor-Chefe da revista juntamente com o Vice Editor, que escolhem a ordem dos mangás com o objetivo de maximizar a leitura, como já explicado por Oda e outros editores. Para isso a revista decide colocar os mangás mais queridos pelo público na frente, já que assim os leitores se mantém presos na revista por mais tempo. Não é simples manter a atenção de adolescentes e jovens adultos por mais de 700 páginas, por isso é essencial colocar no começo da revista os mangás mais queridos ou com os melhores capítulos da semana.
Mas como os dois editores (e a equipe de auxílio) percebem quais são os mangás mais populares? Através da “Votação Semanal” que é realizada tanto online (por quem comprou a versão digital da revista) quanto pelos cartões de votação para quem comprou a versão de papel. Nessa votação o público pode escolher os seus três capítulos preferidos da edição, além de responder perguntas mais diretas. Como explicado pelo criador da revista, Tadasu Nagano, não é avaliado somente a quantidade de votos, mas também a dinâmica por trás delas. Principalmente quem vota (Idade, sexo, região geográfica, escolaridade) e como está variando as avaliações de uma série. Os editores também vão avaliar muitas outras questões, como a necessidade de promoção de um determinado mangá, a sua utilidade na revista, o seu público alvo, as vendas dos volumes dos mangás e muito mais.
Contudo uma grande mudança no tratamento das novas séries, populares ou não, que já vimos no começo da “Era Nakano” é uma menor severidade. A Weekly Shonen Jump historicamente, como TODAS as revistas do mercado, encontra entre 1 a 3 novos sucessos por ano. Esse número pode parecer pouco, mas são muitos mangás levando em consideração que qualquer mercado tem seu limite (uma saturação). Contudo, o Nakano decidiu que talvez sendo uma menor rigorisidade resultarua em uma maior a chance de achar grandes sucessos, principalmente aqueles que só começam a aumentar em popularidade tardiamente (como já estava acontecendo com Kimetsu no Yaiba quando ele assumiu).
Em seus primeiros oito meses de trabalho, Nakano lançou 7 novas séries, sendo três canceladas com menos de 16 capítulos (o necessário para completar 2 volumes inteiros). Full Drive, Bozebeats e Ziga tiveram logo as suas cabeças cortadas. Já outros dois foram cancelados antes de completar 25 capítulos, por isso 3 volumes completos*: Golem Hearts (16 capítulos) e Noah’s Note (22 capítulos). E duas conseguiram se tornar sucessos comerciais, Jujutsu Kaisen e Act-Age. Essa política era muito similar aquela que a revista adotou nos últimos 10 anos, no qual um número importante de mangás eram cancelados com menos de 16 capítulos.
*Volume completo significa um volume que tem ao menos 9 capítulos de 18 a 22 páginas ao seu interno.
Volume 1 de Ziga
Se pegarmos o ano de 2016, logo antes de Nakano assumir, dos sete novatos que não deram certo, temos quatro mangás cancelados com menos 16 capítulos: Red Sprite (14 capítulos), Love Rush (13), Ole Golazo (12) e Demon’s Plan (12). Em 2014 mesmo tivemos doze séries canceladas por causa de uma ruim recepção, oito delas canceladas antes mesmo de completar 20 capítulos, três delas antes mesmo de completar 2 volumes completos: iShoujo (14), E-Robot (11) e Tokyo Wonder Boys (10). Mas essa política não era exclusividade desse período, os editores chefes dos anos anteriores já faziam isso. Em 2003, dos dez novatos cancelados, nove foram cancelados antes do capítulo vinte, e SETE foram cancelados com menos de 16 capítulos, sendo cinco deles cancelados com treze ou doze capítulos mesmo. Isso não muda nem indo para os anos noventa, como em 1996 que dos oito mangás que não deram certo, seis duraram menos que 20 capítulos, dois deles menos que 16 capítulos. Tivemos em 1996 até mesmo um cancelado com nove capítulos (Kaosu Kansoya).
Contudo é importante também entender uma questão sobre a lógica desses cancelamentos. Muitos pensam que quanto pior é a recepção, maior é a chance de ser cancelado com menos capítulo (por isso o cancelado com 16 capítulos teve uma recepção melhor daquele com 10 capítulos), quando isso na verdade não é realmente visto nas vendas. Não tem uma relação direta entre o capítulo cancelado e as vendas quando o assunto é a FAIXA de 8 a 16 capítulos. A lógica antes da gestão de Nakano era simplesmente cancelar quanto mais cedo possível os mangás que tinham uma ruim recepção inicial. Aqueles que tiveram uma recepção mediana até passavam dos 16 capítulos. Aqueles que tinham uma recepção ruim, eram cancelados antes do capítulo 16 assim que a nova leva estreasse. Se a nova leva estreasse quando um mangá tinha 10 capítulos e os editores não tinham um mangá mais velho para ser cancelado, aquele mangá dançava mesmo assim. O objetivo era manter uma grande rotatividade de séries, para assim achar mais sucessos.
Gradualmente o Nakano aumentou a duração das séries que tem uma má ou mediana recepção: A partir do meados de 2018, um pouco antes de completar um ano de mandato, o Editor-Chefe praticamente parou de cancelar séries com menos de 16 capítulos. Desde Ziga, cancelado na edição #30 de 2018, quase todas as séries alcançaram ao menos 16 capítulos. A partir de 2019, também diminuiu notavelmente as séries canceladas antes de 20 capítulos. Para vocês terem uma ideia tivemos 37 séries canceladas com menos de 1 ano de vida entre 2019 e 2023, por isso objetivamente FRACASSOS, somente UMA SÉRIE (Time Paradox Ghostwriter) terminou antes de completar 16 capítulos. E somente 13 séries com menos de 20 capítulos, em um arco de cinco anos. Quantidade historicamente muito baixa na revista.
Se pode argumentar que atualmente a revista está passando por uma crise, mas até mesmo quando no passado a mesma passou por crises, como em 1996 e 2014, os editores optavam por realizar uma grande rotatividade de novas séries. Cancelar várias com pouquíssimos capítulos para tentar logo achar um grande sucesso – e normalmente essa estratégia deu certo no passado, já que a revista sempre conseguiu encontrar novos sucessos -. Era realizado um cálculo no qual era mais vantajoso comercialmente lançar vários títulos para ver “qual cola imediatamente” do que esperar meses para ver se aqueles que foram lançados finalmente vingassem em popularidade. Apostar na quantidade do que no desenvolvimento. Ótica ruim para os autores, mas boa para a revista.
A lógica por trás assim do cancelamento de séries atualmente é dar mais tempo para o autor conseguir reverter uma má recepção, contudo essa mesma lógica de cancelamento parece não estar resultando em tantos novos sucessos já que em 2021 tivemos somente três, em 2022 somente dois e em 2023 entre dois e três novos sucessos, se mantendo mesmo assim na média dos outros anos. Alguns até argumentam que esses novos sucesso não chegam aos pés do impacto que os novatos dos anos 90, 2000 e 2010 tinham.
Sim, ainda muitos criticam a Weekly Shonen Jump por ser severa demais (normalmente quem começou a acompanhar a TOC a partir da Era Nakano), mas a realidade é que a diminuição da rigorosidade não resultou em um melhoramento nas chances de encontrar um novo sucesso. É discutível porém que a metodologia do Nakano tenha diminuido ou aumentado o impacto das séries ou a qualidade da revista, uma discussão bem mais complexa que não vou entrar no mérito nessa análise.
Páginas Coloridas
Outra mudança importante que realizou o Nakano é tentar premiar quase todas as séries que tiveram uma grande quantidade de leitores ou uma recepção inicial boa com página colorida. Se antigamente vinha premiado com página colorida somente aquelas séries que tinham um CONJUNTO de capítulos bem recepcionados, o Nakano parece estar disposto a premiar com página colorida todos os mangás que alcançaram um número notável de leitores nos três primeiros capítulos ou que tiveram uma boa recepção interna.
Para entendermos isso é preciso esclarecer uma questão: Primeiro que o público atualmente pode votar nas séries online , deste modo os editores tem acesso imediato as respostas no mesmo dia ou dias após o lançamento de uma edição (recepção interna). Como a Weekly Shonen Jump trabalha com um fronte de 3 semanas, é normal assim que os editores saibam da recepção do primeiro capítulo quando o autor já está desenvolvendo o quarto ou quinto capítulo da sua série. É por isso que começamos a ver mudança substanciais nas séries (como a quadrinização de MamaYuyu) a partir do quinto ou sexto capítulo. De qualquer modo, nos dias de hoje séries que apresentam bons resultados nos primeiros capítulos começam logo a receber páginas coloridas, talvez como uma ação desesperada de Nakano em encontrar novos sucessos.
Podemos perceber isso também olhando para o arco de tempo entre 2019 e 2023, no qual vemos uma mudança na ótica das páginas coloridas por parte da equipe editorial de Nakano. Em 2019 e até meados de 2020, a maioria das séries só vinham receber página colorida a partir do décimo terceiro capítulo: Chainsaw-man (no capítulo 15), Yozakura-San (14), Undead Unluck (16), Ayakashi Triangle (14), Hakaishin Magu-Chan (16), Boku no Roboco (16). Somente séries que eram vistas como grandes sucessos imediatos ou mangás de grande importância recebiam antes: Samurai 8 (7, 9 e 12), Mashle (12), Moriking (12) e Shakunetsu no Nirai Kanai (10). Dois deles sendo de autores veteranos que os editores estavam promovendo para ver se vingavam e dois sendo novatos que tiveram uma recepção inicial muito boa, mesmo que Moriking rapidamente se tornou um fracasso por causa do público achar sua comédia repetitiva.
Contudo “A Grande Extinção” levou Nakano e sua equipe editorial a adotar uma política de promoção em massa dos novatos. A Weekly Shonen Jump, depois de perder 7 mangás veteranos que vendiam bem, adotou a modalidade DESESPERO, e começou a promover todos os mangás que logo tinham uma boa recepção ou muitas visualizações, não esperando a recepção do conjunto de capítulos antes de dar uma página colorida – somente a TOC continuou sendo referente a votação interna, mas não as páginas coloridas -. Entre meados de 2020 e 2023 tivemos 21 mangás recebendo páginas coloridas antes do capítulo 20, sendo eles:
Páginas Coloridas:
Capítulo 6: Ruri Dragon
Capítulo 7: Ao no Hako, Aliens Area
Capítulo 8: Kill Ao, Asumi Kakeru, MamaYuyu, Kagurabachi e Two on Ice
Capítulo 9: Ayashimon, Dai Tokyo Oniyome Den, Ginka & Gluna,
Capítulo 10: Nige Jouzu no Wakagimi, Witch Watch, Doron Dororon, Sugoi SMartphone, Ichinose-ke o Taizai
Capítulo 11: Sakamoto Days
Capítulo 12: Honomieru Shounen, Akane Banashi, Earthchild, Nue no Onmyouji
Capítulo 13: Nige Jouzu no Wakagimi (2), Ginka & Gluna (2), Kill Ao (2)
Capítulo 14: MamaYuyu (2)
Capítulo 15: Nige Jouzu no Wakagimi (Capa), Nue no Onmyouji (2), Ichinose-ke no Taizai (2)
Primeira Página Colorida após o Capítulo 16:
Capítulo 20: PPPPPP
Capítulo 23: Jizou Ningen 100
Capítulo 24: Angou Gakuen no Iroha
Capítulo 38: Kokosei Kazoku
Ao no Hako, Página Colorida do Capítulo 7
A lógica da promoção através da página colorida pode parecer completamente casual, MAS NÃO É. Vamos dar uma olhada nas visualizações da Shonen Jump + (aplicativo japonês, não a MangaPlus) dos três primeiros capítulos dos mangás lançados entre 2021 e 2023 da Weekly Shonen Jump (não tenho os dados de 2020).
Leituras dos 3 Primeiros Capítulos na Shonen Jump + (Japão):
3.8 milhões: Ruri Dragon
2 milhões – 1 milhão: Ayashimon, Nige Jouzu no Wakagimi e Kagurabachi
999 mil – 750 mil: Kill Ao, Sugoi Smartphone, Ao no Hako, Aliens Area, Angou Gakuen no Iroha, Witch Watch
749 mil – 600 mil: Doron Dororon, Nue no Onmyouji, Jizou Ningen 100, MamaYuyu
599 mil – 450 mil: Earthchild, Red Hood, Tenmaku Cinema, PPPPPP, Dai Tokyo Oniyome Den, Asumi Kakeru e Ginka & Gluna,
449 mil – 300 mil: Ame no Furu, Do Retry, i tell c, Ice-Head Gill, Akane Banashi, Kowloon’s Ball Parade, Mamore! Shugomaru
Menos de 299 mil: NERU, Two on Ice e Ichigokou.
*Informação importante é dizer que essa visualização é normalmente do público que não COMPRA a Weekly Shonen Jump, pois temos 2 milhões de pessoas que estão lendo através da assinatura digital (700 mil em 2022) ou da versão de papel (1.3 milhões em 2022). Quem lê os capítulos gratuitamente pelo aplicativo são aqueles que não compram a revista, por isso o número de leitores desses mangás é bem maior.
Então, podemos perceber que 100%… Isso mesmo TODOS os mangás que tiveram mais de 600 mil visualizações nos três primeiros capítulos receberam página colorida. Se diminuirmos a nota de corte para 450 mil, 90% dos mangás também receberam página colorida. Indicando assim que a Weekly Shonen Jump está dando página colorida para todos os mangás que tem mais de 600 mil leitores no início e para a maioria que supera 450 mil. Podemos perceber também que aqueles que superaram 750 mil cópias, quase todos (menos Angou Gakuen no Iroha) receberam uma página colorida até o capítulo 10, mostrando assim como os editores ao ver um grande sucesso decidem divulgar imediatamente.
Tivemos porém exceções quando chegamos em números mais abaixo. Na categoria 599 mil e 450 mil, tivemos dois mangás que tiveram muitos leitores, mas que não receberam página colorida: Red Hood e Tenmaku Cinema, dois mangás que em compensação tiveram uma ruim recepção. O Nakano e sua equipe deve ter avaliado a ruim recepção, e assim escolheu não dar páginas coloridas para esses dois mangás, por achar inútil promovê-los. Nesse caso é bem possível que o Feedback da comunidade através da votação deve ter sido tão negativo que desistiram logo dessas duas séries, diferente de outros mangás com uma recepção negativa que tiveram mais de 450 mil.
Abaixo de 450 mil, vemos que os editores TENDENCIALMENTE não dão páginas coloridas. Somente 20% deles receberam páginas coloridas, sendo dois mangás que mesmo com poucos leitores tiveram uma boa recepção na Jump Matome e 2ch: Akane Banashi e Two on Ice. São deste modo mangás NICHADOS que editores acreditavam que podiam se tornar obras de sucesso em larga escala, como aconteceu com Akane Banashi. Todos os mangás com uma ruim recepção (que são todos os outros) que tiveram menos de 450 mil leitores NÃO receberam páginas coloridas para comemorar a popularidade.
A influência da votação interna já é vista mais na TOC, por isso vemos uma divergência entre promoção com página colorida e posições ruins na classificação – MamaYuyu está com posições baixas, mas recebeu duas páginas coloridas a partir do oitavo capítulo -. Os editores usam a “Supremacia do Questionário” para escolherem os mangás que serão cancelados ou salvos, mas não usam essa supremacia para decidir as páginas coloridas. O Nakano mesmo dando mais tempo, mesmo promovendo mais as séries, continua sim respeitando bases históricas da revista como decidir quais mangás vão deixar a revista de acordo com o querer popular, a RECEPÇÃO, e não simplesmente o alcance que a série tem. Essas visualizações precisam se converter em votos para um mangá sobreviver. Com Kagurabachi, que teve mais de 1 milhão de leitores no Japão, o problema parece ser esse: Converter o ótimo alcance em números de votantes.
Então a lógica por trás da promoção e do cancelamento das séries é a seguinte: Todas as séries vão receber mais tempo que o normal para serem canceladas, vamos apostar mais na possibilidade dos autores em converterem uma recepção não positiva, ao invés de apostar em uma alta rotatividade de novas séries. Praticamente, todos os autores ganharam de um a dois meses a mais de publicação com o Nakano. A sua gestão também decidiu apoiar a grande maioria das novas séries, para ver se conseguem achar um novo sucesso.
Todos os mangás com mais de 600 mil visualizações serão promovidos nos primeiros 20 capítulos, mesmo recebendo as vezes posições ruins na TOC – já que para ela utilizam mais a recepção da votação interna das novas séries do que o número de leitores -. Quase todos os mangás com mais de 450 mil visualizações também serão promovidos pelo menos nos primeiros vinte capítulos e todos aqueles que não conseguiram chamar atenção o suficiente do público, tendo menos de 450 mil visualizações serão cancelados, de preferência entre o capítulo 18 e 24. Só serão promovidos os mangás que mesmo com baixa visualização, tivemos boa recepção na votação interna.