
Eu já escrevi uma matéria explicando a recepção dos japoneses, postei sobre os motivos do cancelamento e também comentei sobre a série semanalmente nas matérias da TOC, mas após ler o último capítulo chegou o momento de FECHAR O CICLO de Ichinose-ke no Taizai com uma crítica sobre a série.
Mas antes de começar a criticar essa série que levou tantas pessoas a questionarem o talento do autor, vamos entender a sua premissa: Ichinose-ke no Taizai, mangá semanal publicado na Weekly Shonen Jump, conta a história de Tsubasa Ichinose, um estudante do ensino fundamental II que após um acidente acorda sem memória, mas logo ele descobre que a sua família inteira também perdeu a memória no acidente no mesmo acidente. Agora todos eles são obrigados a voltar à normalidade e a conviver sem conhecer um ao outro, sem lembrar nada das suas vidas.
A premissa de Ichinose-ke no Taizai tem uma qualidade que é sempre muito bem apreciada em uma revista no qual tantas obras parecem repetidas: É inovadora em seu ambiente shonen. Já é raro ver na Weekly Shonen Jump atual um mangá mais voltado para o drama, ainda mais um drama familiar com a amnésia como ponto central. Deste modo, Taizan 5 fisgou a minha atenção já no primeiro capítulo da série.
A arte de Taizan 5 consegue transmitir através das expressões faciais dos seus personagens uma grande variedade de emoções, emergindo os leitores nos pensamentos e sentimentos de cada personagem. E mesmo a quadrinização no geral sendo bem simples, o autor consegue em certas páginas entregar quadros belíssimos, com uma grande quantidade de detalhes nos cenários. A arte de Ichinose-ke no Taizai é um dos poucos elementos que com o avançar dos volumes continuou de altíssima qualidade. Raramente vemos o autor sofrendo com o ritmo semanal (que tende a ser prejudicial a muitos autores) e também vemos raramente inconstâncias no seu traçado.
E mesmo tendo alguns problemas no arco do Bullying, que soou em certos momentos exagerado e insensível, tanto a arte quanto a história continuou a me convencer após o ótimo primeiro capítulo. Pessoalmente, eu apreciava toda a dinâmica dos familiares estarem tentando recuperar as suas memórias, retornar a vida passada sem nem saber quem eram – e principalmente era interessante ver como os erros do passado de cada um influenciavam as suas vidas mesmo eles não lembrando de terem cometido tais erros -.
Infelizmente situação veio a mudar a partir do segundo para o terceiro volume, quando Taizan 5, sem motivo aparente (já que a série vendia bem e também tinha uma boa recepção interna) começou a adicionar reviravoltas no roteiro (Plot Twist) que não agregavam nada, muito pelo contrário, a deixavam a história ainda mais confusa. Como um ataque epilético, as reviravoltas chegavam do nada, mas era o suficiente para estontear todas nossas concepções sobre os personagens e roteiro.
E Taizan 5 continuava a ter, a cada dois ou três capítulos, um ataque epilético. Todo desenvolvimento de personagem realizado nos primeiros dois volumes era jogado pela janela em um dos ataques de “reviravolta compulsiva” do Taizan 5 no qual ele decidia que tudo que havíamos descoberto era um devaneio de uma noite de verão. E se as primeiras duas reviravoltas recebi genuinamente como uma surpresa positiva, aquelas seguintes já se tornavam previsível, pois sabíamos que tudo que estávamos lendo seria anulado pela próxima reviravolta sem sentido. Assim, capítulo após capítulo, eu fui me cansando da repetição dos ciclos de Plot-Twist e me distanciando emocionalmente dos personagens, pois eles eram tão variáveis e incoerentes que eu não conseguia mais entendê-los realmente.
Se alguém me dissesse que Taizan, a cada capítulo tivesse um tabuleiro com vários quadrados que definiam o que acontecia em um capítulo. E se esse mesmo me dissesse que ele escolhia essas opções através de um lanço de uma galinha, que através do seu pouso escolhia um dos quadrados, eu diria que não poderia ser possível, pois até mesmo tamanha casualidade traria em um algum momento um capítulo bom. Os acontecimentos de Ichinose-ke no Taizai escapavam tanto do sentimento lógico, e muitas vezes faltavam de uma coerência narrativa, que na verdade parecia que era uma decisão deliberada para implodir a própria história.
Mas não temos galinhas, não temos auto sabotagem, o que temos na verdade é um autor talentoso que não sabia o que estava escrevendo. Alguém que conhecia os personagens que tinha criado, porém desconhecia as técnicas para contar essa história, assim caindo em confusas decisões narrativas que não tinham sentido algum. Dentro de Ichinose-ke no Taizai vive ao mesmo tempo uma aberração narrativa e uma história com momentos tocantes, como o arco do Alzheimer. Então não é que Taizan 5 é um dos piores autores que passou na revista, não vamos esquecer do incrível primeiro volume de Takopi. Mas é claramente um autor inexperiente que não soube guiar a sua própria história.
Sei que é um ponto que repeti em várias das minhas análises sobre a obra, contudo é muito importante entender a importância de respeitar “OS TEMPOS” de desenvolvimento para uma reviravolta dar certo, já que essa é a única lição que podemos tomar lendo Ichinose-ke. Os leitores quando começam a ler um mangá vão se envolvendo com o passado, com as dores, com os objetivos dos personagens e vão entendendo ao longo das páginas as estruturais mentais e comportamentais que guiam cada decisão desses mesmos personagens, assim prevendo e se identificando com as suas novas ações. Para que um Plot Twist que anule toda essa construção de personagem dê certo, é necessário reconstruir novamente todos esses elementos renegados durante o Plot Twist, é necessário assim construir uma nova base. Contudo, se você não consegue construir uma nova base ou até mesmo não dedica o tempo o suficiente para construir essa nova base, decidindo colocar uma outra reviravolta desnecessária, o público simplesmente vai perder a conexão com a obra, passando assim a odiá-la.
Ichinose-ke no Taizai é uma grande lição de como certo autores talvez não conheçam bem nem mesmo os elementos que rendem a sua própria história interessante, jogando todas as qualidades no lixo através de reviravoltas que não eram necessárias para render a obra cativante. Existem mangás que necessitam de surpresas para prender o leitor, contudo Ichinose-ke no Taizai tinha como seu ponto forte o desenvolvimento de personagens, a humanidade deles, os dramas familiares. As inúmeras epiléticas reviravoltas renderam a leitura simplesmente insuportável.
O autor até tentou concluir a história voltando mais a origem, entregando algo que remetesse ao sentimentalismo perdido ao longo das derrogadas narrativas da obra, mas o que eu senti ao encerrar minha leitura acabou sendo um vazio real, pois eu não conseguia entender por qual motivo li esse speedrun de como “jogar no lixo uma boa história”. Eu terminei Ichinose-ke no Taizai sem entender o que eu li e para onde o autor queria me levar… Fechei a última pagina e simplesmente fui olhar os comentários do Twitter sobre política, que após ler Ichinose-ke no Taizai parecem ter uma coerência de uma tese de doutorado.
Nota: 2.5
Crítica escrita por Leonardo Nicolin