Na procura de um Battle-Shounen de sucesso, a Weekly Shonen Jump decidiu lançar uma nova leva de três mangás, sendo dois deles do gênero que rendeu a revista famosa mundialmente. Mama Yuyu é o primeiro mangá dessa leva e já dividiu a opinião dos leitores ocidentais (dividiu bem menos a opinião dos japoneses, mas isso é um discurso de outro post, da recepção da série no Japão). Venho aqui trazer a minha opinião crítica do primeiro capítulo dessa série, que tem elementos interessantes, junto a problemas que podem sim dificultar a chance do mangá se tornar um sucesso comercial.
Mama Yuyuu, do autor novato Yoshihiko Hayashi conta a história de Corleo, um herói que nasceu em um período no qual a rivalidade entre os demônios e os seres humanos se acalmou, um período de paz que o faz questionar a sua utilidade como “herói escolhido” da raça humana. Uma premissa que mesmo não sendo inovadora, acaba sendo interessante, já que cria uma problemática pessoal ao protagonista, dando uma profundidade maior ao mesmo. Eu acredito que para uma história sobreviver, acima de tudo, precisa de um herói que o público torça. Sim, temos mangás como Deadman Wonderland no qual a grande maioria gostaria de ver o protagonista da história morto de tão irritante que é, mas principalmente nas obras shounen de uma revista competitiva, é importante que o protagonista seja amado.
Corleo consegue entregar algo de diferente que pode criar uma relação emotiva entre o leitor e o mangá, essencial para o sucesso da obra, mas o autor precisa para isso continuar desenvolvendo esse “herói”. Esse desenvolvimento precisa de tempo (vários capítulos) e também de clareza narrativa. E talvez é nisso que nasce o grande problema de “Mama Yuyuu”, o autor decide apresentar elementos misteriosos e emotivos já nas primeiras cinquenta páginas, não dando a clareza narrativa necessária para construirmos uma ponte emotiva com a história, com a morte do herói.
Se pegarmos One Piece, por exemplo, a história começa narrativamente bem simples e vai pouco a pouco apresentando as suas complexidades, para assim o leitor ter mais tempo para assimilar esses mistérios. Oda, em seu primeiro capítulo apresenta somente Shanks e Luffy (mais alguns personagens secundários que ajudam na comédia), mostrando a relação dos dois – o objetivo é levar o leitor em uma montanha russa emotiva para quando Shanks perder o seu braço para salvar Luffy criança – De certo modo, é uma construção de “QUANDO LUFFY SE TORNOU O HERÓI (PIRATA)”, como aconteceu com Mama Yuyu, mas uma construção bem mais simples e direta, sem apostar em grandes reviravoltas para assim surpreender o leitor. O mundo de One Piece, naquele momento, não era complexo, mas tinha tudo necessário para entendermos a relação entre esses dois personagens.
Já “Mama Yuyuu” apresenta muitas perguntas e mistérios já nesse primeiro capítulo: “De onde vem realmente o segundo herói?”, “Como o seu mundo terminou?”, “Quem é Irene?”, “Quem é Shin?”, “Quem é Grisha?”, “Como o mundo do protagonista alcançou a paz?”, “O motivo do Rei Demônio ser tão diferente?”, “Existem mais multi-universos?”, “Quais são os poderes do herói?”. É bom um mangá adicionar elementos de mistério que deixam a história mais rica, contudo, esses elementos apresentados já no primeiro capítulo podem sobrecarregar o leitor mais casual, que compõe grande parte dos leitores de mangás shounen, diminuindo a capacidade do mesmo de entender os elementos mais importantes para que esse primeiro capítulo dê certo: A conexão com a dor do protagonista e o que rendeu um herói.
Certamente, caso a série consiga sobreviver na Weekly Shonen Jump, esse capítulo retrospectivamente vai melhorar de qualidade, já que essas perguntas vão ser respondidas, dando assim ainda mais PROFUNDIDADE a essa introdução. É um jogo arriscado do autor, que aposta mais no longo prazo do que no curto prazo. Eu gosto dessa atitude, pois mostra uma intenção de desenvolver um mundo rico e uma consciência de que criar um universo complexo é essencial para um Battle-Shounen ser memorável – me lembrou um pouco a coragem do Toshiaki Iwashiro, em Psyren e Kagamigami.
Voltando à Mama Yuyu, não ajuda também o fato das novas gerações não lerem os mangás mais antigos, e os painéis de “Mama Yuyu” são inspirados naqueles de Tezuka e Takamori. Eu mesmo achei a quadrinização da obra espetacular, que me deu uma grande nostalgia de várias obras clássicas. Eu estava relendo Ashita no Joe esse mês e pensava continuamente como os mangás caíram, em grande parte, em uma zona de conforto no qual se mantém na mesma dinâmica de painéis. Os autores no passado eram bem mais livres. “Mama Yuyu” recupera dessa liberdade criativa que tínhamos no passado e me agradou bastante, mas é normal para uma geração acostumada com obras shounen modernas, estranhar essa quadrinização. É algo FORA do habitual. E isso somado ao excesso de informações misteriosas entregues nesse primeiro capítulo, resulta em uma estranheza ainda maior ao ter o contato com a obra.
E não posso negar que o autor comete erros também na passagem de TEMPO dos seus quadros, que pulam de cenários de modo brusco e confuso, não ajudando o leitor a se situar corretamente. A série começa nas ruas da cidade, depois vai para o museu, depois para a prisão, depois para uma floresta, depois para um beco (no qual o herói tenta ser um herói), depois para a casa, depois para o mundo obscuro, volta para a cidade para acompanharmos a mãe, voltamos ao mundo obscuro, somos tele transportados para a floresta e encerramos o mangá na casa. Novamente, o EXCESSO DE INFORMAÇÃO acaba sendo prejudicial para a obra.
Voltando a comparar “Mama Yuyu” com outras obras, One Piece em seus primeiros capítulos utiliza muito da comédia, vimos isso também em outros mangás mais modernos (aqueles lançados a partir da “Era do Renascimento” em 1997): Naruto, Bleach, Boku no Hero Academia, Black Clover, Sakamoto Days, Undead Unluck e muitos outros. O motivo é que o público adolescente gosta de leituras mais leves e assim normalmente um Battle-Shounen de sucesso tem seu começo não só boas cenas de ação, mas também boas cenas de comédia. A comédia ajuda a criar uma relação mais pessoal com os personagens principais, que não te fazem sentir somente tristeza, mas também te fazem rir, criar uma sensação genuína de alegria – até mesmo obras que, erroneamente, o público considera mais dark, como Chainsaw-man, Jujutsu Kaisen e Kimetsu no Yaiba utilizam da comédia para construir a ponte emotiva entre o mangá e o leitor -.
Não é de se ignorar deste modo a importância da comédia em obras Battle-Shounen, que mesmo não sendo o elemento que DEFINE O SUCESSO, é um elemento que é presente em quase todos os mangás do gênero que deram certo na revista. Mama Yuyu acaba se concentrando tanto na dramaticidade do seu inicio, dando tanta atenção ao excesso de informação que acaba esquecendo da comédia. Uma série não precisa ter cenas de comédia, mas se não tem, é necessário entregar uma história CLARA com uma carga emocional que COMPENSE a ausência dessa comédia.
E talvez por não ter um primeiro capítulo claro, já que tem vários mistérios em aberto, várias mudanças de cenário, enquadramentos não modernos e uma panelização mais livre (que já aviso que na versão FISICA, que tenho aqui em casa, incomoda muito menos), temos o maior pecado da série: O sacrifício do outro herói para salvar Corleo acaba soando estranho e não natural, a mudança de pensamento de Evan acabou soando sim brusca. O que para mim acabou sendo uma pena, pois a cena do Corleo morrendo conseguiu me impactar mesmo, eu dei um sorriso de satisfação pela coragem do autor. A carga emocional não é grande o suficiente para eu SENTIR a salvação do protagonista.
De qualquer modo, independente de todos os problemas já citados, Yoshihiko Hayashi provou já nesse primeiro capítulo que é um autor que está disposto a ARRISCAR e não seguir simplesmente um esquema tradicional de desenvolvimento.
Pessoalmente, achei “Mama Yuyu” um dos lançamentos mais criativos desde Akane Banashi. Eu inicialmente até tinha gostado de Ice-Head Gill, mas já em uma segunda leitura tinha percebido que a história carecia de coerência narrativa e boa quadrinização, eu acredito que Mama Yuyu é melhor que Ice-Head Gill em quilômetros de distância. É melhor que as estreias de Nue no Onmyouji e Kill Ao, mas ser melhor não significa se tornar um sucesso. Mama Yuyu é uma obra que sofre com problemas de roteiro, mas visualmente é muito linda, algo que na minha opinião a revista precisa sim.
Os personagens quebrando constantemente os limites dos quadros, o aumento gradual do tamanho dos quadros para a progressão da raiva (página 17), O quadro pegando fogo com o poder de Evan (Página 20), a variação na inclinação dos quadros para dar uma maior ideia de movimento (página 22), a divisão dos cenários em quadros para mostrar a passagem de tempo do pensamento do protagonista enquanto corre (página 31), os quadros sobrepostos para dar uma ideia de “mergulho” no terror do rei demônio (página 39), os quadros ondulados para mostrar o cansaço e instabilidade emotiva dos personagens (página 40), são alguns exemplos de tantos momentos que mostram que o autor não está para brincadeira e que estudou muito bem a arte de desenhar um mangá.
A sua história pode ser melhorada, se a partir do segundo capítulo, o autor adicionar uma narrativa mais simples que vai construindo a sua complexidade ao longo das semanas – sem esquecer de adicionar momentos de tensão que deixem a história envolvente -, mas mesmo assim eu vou dizer que o roteiro não é ruim. É melhor que a grande maioria dos mangás que li nos últimos anos. E por ENQUANTO vou estar torcendo para a série sobreviver, pois mesmo que eu entenda a crítica a sua arte, ela não me incomodou, muito pelo contrário ela é o elemento que me fez gostar positivamente da obra, já que o roteiro mesmo tendo elementos positivos, como a complexidade do herói, sofre com a ausência de direcionamento. Espero que os próximos capítulos não me decepcionem.