Então chegou o momento de comentar o que achei do primeiro capítulo dessa série, que simplesmente por causa da sua arte, conseguiu criar um “hype” desproporcional ao seu redor. Para todos nós que já seguimos a Weekly Shonen Jump há anos, é algo que chega a soar cansativo: O ocidente vê algo especial de um mangá com uma arte bonita (Akaboshi, Sensei no Bulge, Hungry Joker, Stealth Symphony, Yoakemono, Ultra Satellite Battle, Black Clover, Bozebeats, Dr. Stone, Tokyo Shinobi Squad, Time Paradox Ghostwriter, Ayashimon, Red Hood) e começa a divulgar como fosse o mais NOVO SUCESSO DA REVISTA… Contudo, somente alguns dessas listas conseguiram ser um sucesso, então, será que Kagami Bachi tem o suficiente para utilizar desse hype, se tornando um novo sucesso, ou será mais um dos trilhões de mangás no qual o “hype” não vai levar a lugar algum?
O primeiro capítulo de Kagurabachi podemos dividir em duas partes: A primeira no qual conhecemos o passado do protagonista e a segunda parte no qual vemos o que o protagonista se tornou. As duas partes dialogam entre si, mas não estão conectadas, já que o autor decidiu deixar várias questões em aberto para assim criar um mistério ao redor da obra, mistérios que serão respondidos somente com o passar dos capítulos (pelo menos é o que esperamos). Não é uma novidade utilizar o primeiro capítulo para apresentar o passado do protagonista, temos dois grandes exemplos na revista disso: One Piece e Akane Banashi (que adota uma estratégia ainda mais curiosa), contudo, eu sempre acho válido utilizar essa divisão de duas partes se bem executada.
Acho válido se o autor ter uma sobriedade narrativa para apresentar de modo competente o motivo dessa divisão, que deveria ser a relação entre o pai e o nosso herói, Chihiro – e como essa relação o formou -.
O pai, Kunishige, é o maior ferreiro do Japão, produzindo catanas especiais que foram essenciais para terminar a última guerra que o país passou – é importante dizer que o mangá é ambientado praticamente em uma realidade paralela, que mesmo sendo o Japão, não é o nosso Japão – Essas catanas são produzidas por um método único que descobrimos qual é na segunda parte do primeiro capítulo. Ainda na primeira parte o autor nos apresenta toda a dinâmica entre Kunishige e Chihiro, no qual vemos o pai como um homem distraído e amável, características importante para dar um alivio cômico e também criar uma ligação emocional com os leitores.
Já o protagonista é um garoto mais sério, que acaba tendo em alguns casos “tomar conta do pai”. É justamente nessa primeira parte que o autor do mangá, Takeruo Hokazono, começa a construção para o momento no qual a série irá brilhar: A cena do peixe. Essa cena inicialmente parece mais uma cena de comédia e de desenvolvimento de personagem, chamando atenção pela sua leveza, porém depois percebemos que ela deveria dar a carga emocional necessária para quando o protagonista utiliza o seu poder em uma sequência de luta bem sangrenta e bem desenhada. O problema é que primeira parte não é espetacular, e meio que não consegue ser funcional ao seu objetivo, falhando em desenvolver bem essa relação, mesmo entregando quadros e páginas que soam quase como um sonho de verão, de um passado leve que não retornará mais na vida do herói.
A segunda parte é o motivo pelo qual o público no ocidente começou a amar a série antes mesmo do seu lançamento (já que vazaram essas páginas na raw) e devo admitir que é realmente uma sequência espetacular de ação, muito bem coreografada, mostrando que o autor tem domínio sobre as cenas de ação com a espada. E mesmo tendo um traço “comum”, sem nenhuma característica que se sobressai em relação a tantos outros mangás da atualidade, a sua técnica de desenho acaba criando páginas duplas monumentais, de grande impacto e que utiliza muito bem a tonalidade de pretos para criar uma tensão maior.
As 25 páginas utilizadas para desenvolver “a primeira parte”, apresentando o pai, seu amigo e o protagonista, deveriam recompensar quando percebemos como a personalidade do personagem principal mudou com a ausência do pai (que ainda não sabemos claramente o que aconteceu) e como ele evoluiu nesses três anos passados. Não vemos essa mudança, porém. O autor poderia apostar em uma estratégia de “Flashback” assim que o protagonista utilizasse a sua habilidade especial com o peixe, mas isso soaria muito mais explicativo do que realmente sensorial, além de tirar o fator surpresa, que é essencial na conquista o público. A decisão da divisão é correta, deste modo, mas mal executada em vários pontos. Inicialmente eu até tinha gostado, mas em uma segunda leitura não me agradou mais tanto. Talvez em uma terceira vou passar a odiar.
Obviamente quando você apresenta algo no primeiro capitulo tem que sacrificar outras coisas, já que o número de páginas são limitadas: O que autor decidiu sacrificar acabou sendo o desenvolvimento do mundo, que soou sem sal nesse primeiro capítulo – tem alguns elementos legais, como a história por trás das catanas, mas nada que acabe se destacando -. O design dos cenários não ajudou. Muitos quadros em branco e cenários com traços simples que acabavam dando uma sensação de um mundo mais “vazio”. Se as cenas de ação eram bem desenhadas, as demais cenas da série precisam ser mais bem detalhadas para criar uma sensação de um mundo complexo. Para piroar, os conceitos apresentados foram todos já vistos em obras passadas, mas acredito nos próximos capítulos o autor terá a possibilidade de desenvolver melhor esses conceitos, construindo assim um mundo mais rico e atraente. Por isso, por enquanto, não posso considerar realmente um ponto negativo do mangá, somente subdesenvolvido dados as circunstâncias (limitações de páginas).
Contudo se tem um ponto que não me agradou acabou sendo o design dos personagens. Como eu disse anteriormente, o traço do autor mesmo tendo uma qualidade técnica alta, não é único, e isso acaba sendo visto nos personagens que não tem nenhum elemento que chame atenção, todos parece vir de um anime moderno qualquer. O autor até se utiliza do eterno clichê do protagonista com a cicatriz no rosto, que sinceramente, não aguento mais. Deveriam BANIR as cicatrizes nos rostos. O companheiro do protagonista, amigo do pai, também parece que saiu de um RPG Maker qualquer e os vilões, bem, eu não lembro o rosto de nenhum deles já que eram literalmente NPC que existiam para serem cortados como presuntos. O autor claramente precisa dedicar mais horas na criação do design dos personagens da série.
Outro elemento que não me faz considerar Kagurabachi uma “ótima estreia”, somente uma leitura agradável é que todos os personagens na segunda parte soaram apáticos e sem tempero, por causa da personalidade que o autor decidiu construir neles. Entendo no que o protagonista se tornou e que deve ter passado por um momento traumático, mas a sua seriedade não me convenceu, não despertei uma empatia por ele – diferente por exemplo em outros mangás que consigo já despertar empatia pelo herói no primeiro capítulo -. Por incrível que pareça a sua frieza acaba também me causando uma maior frieza em relação a obra. E até mesmo seu companheiro soou genérico nessa segunda parte, com uma personalidade mais engraçada que não conseguiu me fazer rir em nenhum momento. Infelizmente o único personagem desse primeiro capítulo que realmente me despertou algum sentimento foi o pai, Kunishige, que parece estar morto ou desaparecido.
Kagurabachi é uma estreia interessante, que apresenta uma técnica artista moderna e bonita como elemento mais chamativo, mas mesmo a arte sendo a estrela brilhante desse primeiro capítulo, o roteiro dividido em duas partes é uma boa proposta, já que serve para construir as bases emotivas na primeira parte para que na segunda parte tenhamos um impacto maior nas cenas de ação, mas as boas intenções acabam não resultando em uma apresentação de altíssima qualidade, por causa da dificuldade do autor em criar momentos emotivos relevantes na história. De qualquer modo acho uma tentativa válida.
Kagurabachi está longe de ser daquelas séries que me deixaram já vidrados no primeiro capítulo, como Yakusoku no Neverland, Jujutsu Kaisen e Hinomaru Zumou conseguiram, está longe de justificar o “hype” ao redor, mas é inegável que é uma estreia agradável, que pode evoluir em um mangá de alta qualidade se o autor souber criar um mundo melhor e também personagens melhores. Continuarei a acompanhar para ver no que vai dar.