É natural que após muitos anos e muitas obras lançadas, um gênero comece a sofrer com a idade, com a ausência de inovação – alguns gêneros não conseguindo se renovar, tendem a morrer, se tornando assim um estilo do passado – Outros, tem a sorte de inspirar mentes criativas que conseguem revolucionar toda a estrutura daquele gênero e entregam uma nova obra que muda completamente as bases.
Contudo, quando enquanto esses novos autores não chegam, alguns autores menores aparecem e ao invés de tentarem vender a sua série como “reinvenção da roda”, entregam uma obra dentro dos esquemas, mas tão bem construída, tão bem desenvolvida, que mesmo não tendo nada de novo, acabam de agradando. Gokurakugai é exatamente essa obra, não tenta reinventar a roda e nem mesmo cria o carro voador, simplesmente entrega um carro bonito e eficaz.
E o que rende Gokurakugai uma leitura tão agradável é justamente a consciência do autor que para entregar algo maior, precisa primeiro desenvolver o básico – e é isso que está fazendo nos primeiros dois volumes, que serão avaliados nesse artigo (SEM SPOILER).
O desenvolvimento do “básico”, começa pela interação entre os dois protagonistas, Alma e Tao, que seguem o esquema do “personagem sério” junto com “personagem bobão”, mas como eu já disse, não soa algo repetitivo, pois a química entre os dois está no ponto certo. Ambos são protagonistas carismáticos e você torce para que consigam realizar seus objetivos.
Alma é divertido, de bom coração e comilão, com uma personalidade que acaba estimulando um sentimento de empatia no leitor – empatia que será importante para criar uma comoção nos leitores nos momentos mais dramáticos que provavelmente virão -. A cena de Alma dando um doce para o “vilão”, se importando com a criança no primeiro capítulo, são todas construções que serão importantíssimas para quando o autor decidir se aprofundar nas questões mais dramáticas, que por enquanto, são superficiais, mas que certamente se tornarão mais presente a partir do quarto volume.
Já a Tao é uma personagem mais inteligente e séria, que serve de contraponto dramático para a personalidade relaxada de Alma. Ela também carrega um passado mais dramático, revelado no quarto episódio, mas por enquanto a série só está dando “detalhes” de um roteiro que pode se tornar bem mais complexo. Esses detalhes podem ser desenvolvidos ou não, mas estão ali, prontos para serem usados. É um autor que parece saber onde está guiando a história.
Os dois juntos, deste modo, criam uma dupla dinâmica que eleva a série – que, deste modo, sai de um mangá “Battle-Shounen” genérico para uma leitura envolvente, deixando assim o leitor vidrado nas páginas -. Não é o único trunfo da série, que na minha opinião tem outros três pontos fortes, mas é o seu principal.
Os casos que ambos os personagens devem resolver é um desses outros pontos fortes, por dois motivos: O lançamento mensal permite que o autor consiga desenvolver muito bem um caso mantendo sempre na estrutura episódica que a série se propõe – nos primeiros dois volumes, pelo menos -. O segundo motivo é que o autor é muito capaz em desenvolver os personagens do secundário, dando a carga dramática correta para nos importamos com cada um deles. Esse na verdade é o principal trunfo de Gokurakugai, dar profundidade aos personagens, mesmo tendo um roteiro cheio de clichês.
E o terceiro e último ponto forte é a sua arte, mesmo sendo pouco conhecido, o mangaká Yuto Sato tem uma arte espetacular, que consegue dar a carga dramática necessária nas cenas de ação e nas cenas de comédia consegue criar uma expressividade nos personagens ao ponto de realçar a piada. É de longe uma das artes mais bonitas da sua revista (JUMP SQ), que é conhecida por ter mangakás com artes de altíssima qualidade. Até me perguntei se o autor não poderia ir para a Weekly Shonen Jump, mas já no terceiro capítulo o autor teve problemas em terminar o capítulo, lançando algumas páginas em rascunho.
Gokurakugai é um respiro de esperança nesse campo desolado que se tornou o Battle-Shounen – não salva o gênero -, mas quem sabe nos próximos volumes não mude a situação. A série está evoluindo lentamente, mas mesmo assim apresentando ótimos capítulos. E muitas vezes é disso que precisamos, uma esperança que ainda podemos ler bons mangás de Battle-Shounen. Até agora é das novas leituras que mais me agradou nesse ano.
Nota: 7.5 / 10