Chegou a incrível leva protagonizada por somente um mangá, Sugoi Smartphone – Os editores lançaram nos últimos meses 4 levas que somam um total de 7 mangás novos, uma média um pouco menor de dois mangás por leva – Mas não vou me adentrar nessa questão, pois esta análise não é uma crítica aos editores da revista, mas sim minhas primeiras impressões do milésimo mangá investigativo que tenta fazer sucesso em uma revista que não é nem um pouco amigável com obras do gênero.
Como a Weekly Shonen Jump tem um público jovem, lançar um novo mangá de investigação é sempre uma tarefa muito arriscada: Basta algumas páginas mais lentas e chatas, para os leitores se aborrecerem e abandonarem a nova série. Deste modo, o autor que se propõe a lançar uma série do gênero deve apresentar em seu primeiro capítulo um caso dinâmico, intrigante e eletrizante, com personagens carismáticos e envolventes.
Foram esses elementos que fizeram os últimos dois sucessos sobreviverem na Weekly Shonen Jump: Estou falando de Death Note (2004 – 2006) e Neuro (2005 – 2009) – mesmo que Death Note está mais para um drama com elementos investigativos – De qualquer modo, é isso mesmo que vocês leram, desde 2009 nenhum mangá de investigação deu certo na revista. Aquele que chegou mais próximo foi o Enigma, cancelado antes de completar 2 anos de vida. Será que Sugoi Smartphone tem as qualidades necessárias para superar esse grande desafio e se firmar como um novo sucesso da revista?
O primeiro capítulo, em minha análise, não tem essas qualidades, muito pelo contrário, apresenta elementos que corroboram com a visão que os autores da Weekly Shonen Jump não sabem escrever mangás investigativos. Hiroki Tomisawa apresenta um roteiro sem sal, completamente amorfo e com um protagonista apático e sem carisma algum. O primeiro capítulo de Sugoi Smartphone não é ruim por ser mal desenhado ou mal estruturado, é na verdade, TERRÍVEL, pois entrega uma obra desinteressante e entediante, muito aquém do seu verdadeiro potencial.
Começando por um dos elementos mais importantes da história: o protagonista – “Q” (Kyu), nome que por mais que seja sem graça, é melhor que o do Smartphone, “Googugu”, que parece ter saído diretamente do finado programa do Gugu -. O roteirista não consegue desenvolver nenhuma característica cativante no personagem principal, mas realmente nada, é um personagem com uma personalidade mais genérica que a de um NPC de jogo da Ubisoft e para piorar, com um design feito em um RPG Maker qualquer.
O protagonista de qualquer história deve ter algo que o destaque, que o renda único nesse universo cheio de heróis e protagonistas de mangás: Digo uma personalidade diversificada do comum ou uma história de vida imersiva e empática – Mas, é impossível se envolver na história de vida de “Q”, pior ainda nos empatizar, pois o seu passado é explicado de modo aborrecedor por parte da sua melhor amiga.
O ilustrador Kentaro Hidano (Autor do terrível ZIGA) piora a situação quando cria um design fraquíssimo para o herói da história. Esse design ruim se torna terrível, quando percebemos que o personagem não tem variação nas suas expressões faciais, criando assim vários quadros no qual “Q” tem simplesmente duas expressões faciais: de tédio ou de preocupação. Aliás, a arte na verdade é um grande problema, pois além de não ser nada especial, é preguiçosa. Isso mesmo, preguiçosa. Temos um capítulo introdutório de uma série e o ilustrador, além da página colorida de abertura obrigatória, não apresenta NENHUMA OUTRA PÁGINA DUPLA. Procurei por páginas belas para utilizar nessa análise, e não achei NENHUMA, são todas fracas e pobres, repito preguiçosas.
E eu até entendo uma arte mais contida quando o ilustrador é também o roteirista, mas quando o seu trabalho é unicamente ilustrar a série? A Weekly Shonen Jump tem vários ilustradores espetaculares esperando uma série para assim trabalharem, e tudo que você me entrega é um primeiro capítulo preguiçoso como este? O roteiro não ajuda, mas em minha opinião, era possível mesmo assim criar quadros mais bonitos, como por exemplo, o autor poderia desenhar, no momento que é revelado a localização da garota, uma página dupla bem obscura com o sequestrador em sua casa e a menina chorando em um canto. O quarto poderia estar cheio de detalhes, como brinquedos quebrados e comida a apodrecer. Isso aumentaria a carga dramática da cena.
E o segundo grande problema da série é justamente a falta de carga dramática: Você acompanha o caso sem sentir um pingo de tensão, sem se envolver na complexa situação: Isso acontece, pois o leitor não sente a sensação de risco de vida eminente que o autor quer passar. Se pararmos para pensar, “Q” estava fazendo uma corrida contra o tempo para salvar a garota, mas tudo parecia tão… monótono e aborrecedor. E o motivo disto é que tanto o roteiro quanto a arte são incapazes de transmitir emoções; TUDO na série teve que ser explicado por escrito, nada é realmente mostrado através da arte.
A perda do irmão fez o protagonista mudar sua personalidade? Coloca a amiga explicando isso.
O protagonista está nervoso já que a menina pode morrer em qualquer momento? Explica isso colocando uns balãozinhos vai.
O protagonista vai ver a garota, já que queria assegurar que ela estava bem? Mete um diálogo com o Digivice no qual Q explica seus sentimentos.
Conselho para quem quer desenhar quadrinhos: Tente contar a história através dos quadros, ao invés de fazer tudo através dos diálogos. Isso enriquece muitíssimo a sua obra, deixando-a mais leve e mais interessante. Os diálogos devem existir somente quando são essenciais para o roteiro, por exemplo, no desenvolvimento de uma relação entre dois ou mais personagens, para explicar uma situação muito complexa, para expressar um sentimento no qual o protagonista precisa externar com palavras explosivas. Se algo pode ser desenvolvido com uma bela página, não obrigatoriamente dupla, sem diálogos, com um simples olhar do protagonista, com uma simples sequência de quadros, deixe a arte se autoexpressar.
Se o ilustrador de Sugoi Smartphone tivesse utilizado da sua arte como um método para contar a história, o mangá teria sido muito mais agradável: Além da página dupla que antes eu propus, imagine uma página só, dividida em dois quadros, com o protagonista olhando a garota sendo resgatada, para depois um segundo quadro inferior, no qual essa mesma garota parece o irmão desaparecido. E na sequência, uma página com vários quadros, no qual ele caminha aliviado, com um sorriso no rosto. Bastariam somente duas páginas para explicar que o protagonista era preocupado pela vida da garota, mas também que a situação lembra a do seu irmão.
Outro grande problema da série é que o roteirista não consegue criar um mistério. Se pegarmos obras como Sherlock Holmes podemos entender o que rende uma obra do gênero tão apetitosa. Primeiro, um herói carismático que guia a investigação com maestria e bom humor. Depois, um caso misterioso, no qual o leitor fica intrigado em saber o que realmente aconteceu. Deste modo, o protagonista é na verdade um guia turístico nessa aventura que é desvendar o mistério de um homicídio, desaparecimento ou roubo. Sugoi Smartphone não cria tensão, não cria mistério, ninguém liga para o que vai acontecer. Ler a bula de um medicamento para diarreia é mais eletrizante que este mangá.
O conceito da série é, na verdade, muito interessante, por isso o mangá, por princípio, tem um grande potencial, podendo entregar casos dinâmicos e espetaculares, mas esse primeiro capítulo é tão incompetente que não tenho muitas esperanças na capacidade tanto do roteirista quanto do ilustrador. Os dois parecem que não sabem como escrever um bom mangá dramático e acabam limitando o próprio conceito que criaram. O primeiro capítulo acaba sofrendo de um roteiro medíocre e de uma arte pobre que não faz jus a complexidade que o roteirista e nem o próprio ilustrador queriam propor. Ler o primeiro capítulo de Sugoi Smartphone é uma perda de tempo.
Eu não consigo acreditar, que entre todas as opções possíveis, em uma leva de um único mangá, Sugoi Smartphone era o melhor que a Shonen Jump tinha a oferecer. Simplesmente não consigo acreditar nessa possibilidade.