Criada em 1968, a Weekly Shonen Jump é uma revista que passou por constantes mudanças e muitas vezes essas mudanças eram guiadas por determinados editores chefes, porém, aqui no ocidente temos pouco conhecimento sobre os editores chefes que passaram pela revista. Deste modo decidi criar uma nova série, no qual irei apresentar a evolução editorial da revisto com o passar dos editores-chefes da revista.
Passaram pela revista 11 editores chefes, alguns deles com passagens bem breves, outros com passagens mais longas. Nessa primeira parte iremos conhecer o fundador da revista: Tadasu Nagano (1968 – 1974), mas conhecer Tadasu Nagano é conhecer também a Shonen Book e a criação da Weekly Shonen Jump. É importante dizer que essa não é uma retrospectiva, por isso não me dedicarei aos mangás e autores presentes, mas sim na organização editorial da revista.
A Criação da Shonen Book
A Revista
Com o rampante crescimento econômico dos anos 50, somado ao otimismo da nova juventude japonesa, vimos após a segunda guerra mundial, a explosão de várias novas mídias no Japão, incluindo as “magazines de mangás”, no qual lançavam em grande parte quadrinhos em preto e branco. A Shueisha, criada em 1925, era uma das empresas líderes nesse novo setor, principalmente no campo shoujo, com a revista Shojo Book e Ribon. O sucesso alcançado com as obras shoujos, a levaram tentar expandir seus horizontes, crianndo uma revista Shounen, chamada de Omoshiro Book, que viria a se tornar a Shonen Book em 1958.
A Shonen Book é uma revista mensal que lançava vários mangás “Shonen”, por isso, destinado ao público adolescente. Era uma revista repleta de mangás de comédia e esporte, gêneros que agradavam muito a juventude da época.
A revista teve um enorme sucesso e foi a “casa” de vários autores que marcaram a história do mundo dos mangás, com destaques para o Fujio Akatsuka, um dos pioneiros do “Gag Manga” (Comédia), Tatsuo Yoshida com o clássico “Speed Race”, Osamu Tezuka, “Deus do Mangá” que lançou variadas obras clássicas na Shonen Book e para concluir Go Nagai, que no último ano de vida da revista, lançou Harenchi Gakuen, que se tornaria o mangá pioneiro do ecchi.
Eram raros os mangás que superavam os 2 anos de vida, já que acreditavam que séries longas poderiam cansar os leitores. Além disso, era comum na época os mangakás trabalharam em inúmeras séries simultaneamente, todas de curta duração. A Shonen Book, contudo, não lançava somente mangás, mas também Light-Novel, e havia entrevistas e muitos outros materiais destinados sempre ao público adolescente. O seu sucesso levou a Shueisha a investir cada vez mais nos mangás shounens.
Porém, se a Shonen Book foi a casa de grandíssimos autores e de obras de sucesso, também foi a casa de um dos maiores editores de todos os tempos, o homem que criou a Weekly Shonen Jump:
Tadasu Nagano, “o grande”¹
Nascido em 1926, Tadasu Nagano passou a sua juventude no Japão fascista, imerso na segunda guerra mundial, e por mais que não tenha lutado na guerra, enquanto cursava a universidade, foi obrigado a integrar a “mobilização estudantil” de 1938-1945. A mobilização estudantil foi um projeto de trabalho forçado, no qual deviam partecipar todos os estudantes japoneses, para assim compensar a escassez de mão de obras a causa da guerra. Nagano veio se formou em Economia somente em 1950, quando o país já estava se recuperando da destruição da guerra, com o boom econômico japonês.
Em 1951 ingressou a Shokukagan, empresa proprietária da Shueisha, no qual tornou-se editor de vários mangás de diversas revistas diferentes. Migrava do gênero Shonen ao Shoujo, da revista Shonen Book à Ribon – Colecionou deste modo grandes sucessos que o levaram a ser muito admirado pelos planos altos da Shueisha. A sua grande visão, mas principalmente, o seu punho de ferro, o levou a ser promovido a Editor-Chefe da maior revista shounen da Shueisha na época, a Shonen Book.
¹ – Não, os editores da Shonen Jump não levam nomes de rei, mas para deixar essa nova série mais leve, decidi dar um nome para cada um deles.
Amizade, Esforço e Vitória
O Slogan da “Weekly Shonen Jump” veio a ser criado justamente no “mandato” de Tadasu Nagano, quando ele ainda era o Editor-Chefe da Shonen Book. Para saber a opinião do público, Nagano decidiu adicionar algumas perguntas nas edições, os famosos “cartãozinhos” da Shonen Jump. Em uma dessas edições da revista mensal, Nagano realizou em dos questionários, três questões existenciais, que em sua opinião, ajudariam a entender os eleitores da revista:
Qual palavra mais aquece o seu coração?
Qual palavra é mais importante para ti?
Qual palavra te rende mais feliz?
E as três palavras que ganharam foram: “Amizade, Esforço e Vitória” – Satisfeito com o resultado, Nagano transformou essas três palavras no “Slogan” da revista mensal. “As três palavras mágicas” se mantiveram como slogan quando a Shonen Book veio a se tornar a Weekly Shonen Jump.
A Criação da Shonen Jump
Contudo, enquanto a Shueisha tentava se expandir através dos lançamentos mensais, outras revistas no mesmo período apostavam lançamentos semanais: A Weekly Shonen Sunday e Weekly Shonen Magazine, ambas criadas em 1959, já nos anos 60 estavam apostando em lançamentos semanais. Isso levou o então diretor chefe da Shonen Book, Tadasu Nagano, a pressionar a Shueisha para uma mudança na periodicidade da revista. Começou deste modo uma grande luta pela criação da Weekly Shonen Jump.
O então presidente da Shueisha, Tetsuo Aiga¹ era relutante sobre a mudança da periodicidade da revista: A Shonen Book tinha um grande público, e Aiga acreditava que um lançamento semanal poderia diminuir as vendas da revista, já que os jovens não estariam estimulados em comprar a Shonen Book semanalmente. O trabalho de persuação de Nagano foi intenso, e depois de muitas reuniões e projetos, conseguiu convencer Aiga a criar uma nova revista, a Shonen Jump. Porém, Aiga não cedeu completamente: Obrigou a revista ser quinzenal e não semanal.
A periodicidade quinzenal, contudo, não durou muitos anos, já que as altas vendas da Shonen Jump somado ao fato que as revistas semanais da concorrência estavam dando muito certo, levaram a Shueisha a ouvir os pedidos de Nagano. Os resultados alcançados por Tadasu Nagano foram espetaculares, em apenas um ano da sua criação, a revista saiu de 105 mil cópias em circulação para 240 mil cópias em circulação, um aumento de 117% em suas vendas.
¹ – Tetsuo Aiga era o filho mais velho de Takeo Aiga, criador da Shokugakan, e foi responsável pela criação da Shueisha Co Ltd, se tornando assim o primeiro presidente da empresa. E por mais que tenha sido relutante em relação a criação da revista, foi um dos mais importantes líderes do Japão, já que estruturou e guiou a Shueisha e a Shokugakan ao sucesso durante os anos da grande expansão dos mangás. Faleceu em 21 de dezembro de 2008
O Duro Início da Weekly Shonen Jump
A Shonen Book, porém, não foi totalmente descartada, muito pelo contrário, se tornou uma edição especial da Shonen Jump, mantendo metade da sua equipe editorial. Isso trouxe um grande problema para a Nagano, que tinha que gerir uma revista semanal com uma equipe minúscula de somente 8 editores regulares. É importante dizer que a revista tinha inicialmente somente três séries, sendo o restante One-Shots, entretanto, somente 8 editores regulares era mesmo assim pouca mão de obra.
Weekly Shonnen Jump #01 de 1968 (11 de Julho)
Os primeiros desafios de Tadasu Nagano foi garantir que a transição fosse um grande sucesso, deste modo apostou em constantes One-Shots de autores veteranos e também de autores internacionais, como é o caso da história de Dan Barry. A Shonen Jump tinha que se provar uma versão melhorada da Shonen Book. Para isso, era necessário também construir uma equipe de qualidade, uma missão extremamente complicada, tanto pelas condições materiais da época quanto pela política de precarização do trabalho, comandada pelo Tadasu Nagano.
As condições materiais eram complicadas, pois Shokukagan não destinava um grandíssimo budget para a Shueisha. E a editora dava preferência para outras revistas que julgava mais lucrativas, como a “Seventeen”, revista de moda mensal, criada em 1967. Além disso, muitos editores preferiam trabalhar em outras revistas semanais, como a Weekly Shonen Sunday, Weekly Shonen King ou Weekly Shonen Magazine, que já estavam no mercado a muito anos, e eram muito mais organizadas.
As políticas de trabalhista de Tadasu Nagano eram também bem duras, já que pagava salários baixos e havia preferência em contratar trabalhadores não-regulares para compor a equipe (“Freelances”).
Os poucos trabalhadores regulares e bem-pagos foram: Yusuke Nakano, vice-editor chefe da Shonen Jump e “escudeiro” de Nagano, foi um dos principais criadores da revista, já que também trabalhou na idealização e projetação da nova revista. Tínhamos o Tsuneo Kato, que era um dos melhores editores da Shonen Book. Porém, o editor que mais chamava atenção era Shigeo Nishimura, que seguia passo a passo os ensinamentos de Tedusa Nagano. Como editor, Nishimura guiou muitos dos autores que renderam a Weekly Shonen Jump daquela época um sucesso: Sachio Umemoto, Toshio Shoji, Noboru Nawasaki e Hiroshi Mitoyama.
Shigeo Nishimura, que vem se tornar o terceiro editor-chefe da revista em 1978, porém, não era bom somente em encontrar novos talentos, tinha uma grande habilidade em gerir situações complexas, um punho de ferro digno que os japoneses amavam e tinha ótima influência sobre os outros editores, mostrando um perfil de liderança que era muito apreciado pelos planos altos da Shueisha.
Para compensar a falta de mão de obra, Nagano apostou na contratação de editores “freelance”, não-regulares, diminuindo assim os custos de salários e seguros. O sucesso desse método, levou a mantenimento dos editores não regulares mesmo quando a Shonen Book acabou sendo descontinuada, em 1969, resultando na transferência dos seus editores para a Weekly Shonen Jump, dando fim a “crise de mão de obra”.
Crise Trabalhista na Shueisha
O trabalho nas magazines japoneses era tão precário, que ainda em 1969, vimos a formação do “Sindicato dos Trabalhadores Temporários da Shueisha”, que levou uma crise institucional tanto na Shueisha quanto na própria Weekly Shonen Jump. Tanto Tetsuo Aiga, presidente da Shueisha, quanto Tadasu Nagano, tentaram esmagar todas as tentativas de greve e adesão ao sindicato laboral. As propagandas anti-sindicalistas dentro da Shueisha eram fortes, e a empresa tentou convencer os trabalhadores que teriam mais liberdades se continuassem sendo simples “Freelances”.
Como a propaganda não estava dando certo, Tadasu Nagano decidiu utilizar da influência de Shigeo Nishimura para bloquear a adesão ao sindicato por parte dos trabalhadores não regulares da Weekly Shonen Jump. A missão de Nishimura era utilizar os seus contatos e sua amizade com o presidente da união, na época o editor da WSJ Tozaki, para bloquear os movimentos sindacais. Porém, Nishimura não conseguiu persuadir Tozaki e os protestos continuaram. A situação se tornou mais tensa, quando Tozaki começou a planejar uma greve dos editores, por melhores condições de trabalho e mais direitos.
Foi assim que Aiga e Nakano tiveram a ideia de organizar um concurso de “promoção” dos trabalhadores não-regulares à trabalhadores regulares no dia da manifestação. O objetivo era criar a falsa esperança aos trabalhadores que eles podiam se tornar trabalhadores regulares (e assim ser protegidos pelo sindicato dos editores regulares) e também esvaziar a manifestação planejada por Tozaki. Foram colocados à disposição três vagas, e os vencedores foram os editores: Sakuragi, Yamada e Taniguchi, último que se tornaria um importante editor nos anos a seguir.
Nos meses seguintes, as manifestações de Tozaki acabaram falhando novamente, já que as estratégias utilizadas por Nagano e por Aiga continuavam a ter um grande sucesso. Isso levou a não formação de uma verdadeira força sindical na Weekly Shonen Jump, e a manutenção do “Status Quo”, no qual a revista era composta principalmente por trabalhadores não-regulares.
A Supremacia do Questionário
Foi o Nagano que também trouxe para a Shonen Jump a política mais importante da revista: “A Supremacia do Questionário” – Quando virou editor-chefe da Shonen Book, o Nagano notou que poderia comandar melhor a revista se soubesse, edição após edição, o que o público pensava. Deste modo, criou o questionário que expliquei nos parágrafos antneriores. Para o Nagano, esses questionários eram a base de cada uma das suas decisões, e era natural que utilizasse o mesmo sistema para guiar suas decisões na recém-criada Weekly Shonen Jump.
Mas o que perguntava os questionários? A pergunta mais importante era os três conteúdos preferidos. Porém também realizava perguntas específicas, como por exemplo, a popularidade de um determinado personagem, quais mangás tinham uma bela arte ou os gêneros que agradavam mais os leitores. Até hoje o sistema se mantém quase o mesmo. Era e ainda é importante, porém, não avaliar SOMENTE o resultado das votações, mas também o público que está votando. Para Nagano era importante dividir os votantes em grupos de idades e regiões geográficas diferentes, para assim descobrir como cada série dialogava com um determinado grupo.
Tudo era decidido através do questionários: As novas séries que entravam na revista, as séries que continuavam, os autores que voltavam a lançar One-Shot, o conteúdo especial produzido – o conteúdo deste modo era mirado – Foi através dessas informações, que o Nagano começou a moldar a revista, e em poucos meses vimos grandes mudanças no conteúdo lançado e na tipologia de material utilizado. Em apenas 1 ano de vida, a WSJ saiu de 3 séries para 11 séries ou minisséries, todas elas miradas ao gosto popular. Por exemplo, a revista era rica em comédias, que era amado pela juventude dos anos 60 e 70.
É importante relembrar que essas séries lançadas tinham uma duração variável, já que como o público estava acostumado com séries que duravam menos de 2 ou 3 anos – Algumas tinham somente um volume mesmo – A duração das séries foi aumentando gradualmente, no mesmo tempo no qual a revista ia se estabilizando. Em 1970, foram lançadas 30 novas séries ou minisséries, para vocês verem como a revista tinha uma grandíssima rotação. O questionário, deste modo, às vezes nem decidia quais mangás iam ser cancelados (Somente naqueles que já planejavam durar mais de 6 meses), mas no caso das séries curtas, quais autores iam retornar ou não a revista.
Todos os autores que aceitavam lançar um mangá na Weekly Shonen Jump sabiam que a manutenção da série na revista dependia diretamente do seu rendimento no questionário: Isso, ao mesmo tempo que podia ser amedrontador, dava uma garantia que para sobreviver a série deveria simplesmente agradar o público e não os editores da revista (Diminuindo assim as séries que sobreviviam por causa de uma decisão pessoal do editor-chefe). Nasce, com Nagano, aquela Weekly Shonen Jump severa e cruel, que cancela todos os mangás que não estão indo bem na popularidade interna.
Colhendo os Frutos (1970 – 1974)
Após o turbulento dois primeiros anos de criação, a Weekly Shonen Jump tinha conseguido se estabilizar no mercado, podendo assim colher os frutos do seu trabalho. Se a revista começou com uma impressão inicial de 105 mil cópias, em 1970 já estava vendendo 1.1 milhões, e conseguia bater de frente com a Weekly Shonen Sunday e com a revista mais lucrativa do mercado, que vendia 1.5 milhões de cópias por volume, a Weekly Shonen Magazine. A incrível gestão de Nagano criou um monstro em vendas em apenas dois anos.
Entre 1970 e 1974, deste modo, Nagano manteve as estratégias que renderam a Weekly Shonen Jump um grande sucesso. E utilizou a crescente influência da revista para procurar melhores editores. Em um concurso, em 1970, foram contratados Hiroki Goto e Kazuo Nakano, dois editores de personalidade forte, que tinham uma grandíssima capacidade de encontrar novos talentos e de propor novas ideias para a gestão da revista. Os dois, que inicialmente eram colegas de profissão, vão protagonizar uma importante luta pela liderança da Shonen Jump.
Também decidiu criar uma substituta para a “Shonen Book”, a revista Monthly Shonen Jump que tinha como objetivo lançar séries mensais e spin-offs das séries mais populares da Weekly Shonen Jump. A revista foi um grandíssimo sucesso e conseguiu vender milhares de cópias já na sua primeira edição. Rapidamente, a marca “Shonen Jump” estava se expandindo e se tornando cada vez mais influente.
Em 1974, a Jump já havia se tornado a maior revista shonen no mercado, vendendo acima de 1.6 milhões de cópias. Os resultados alcançados pela gestão Nagano foram acima do esperado, e era o momento de o velho editor-chefe passar o bastão para Yusuke Nakano, o vice editor-chefe e que ajudou a criar a Weekly Shonen Jump. O Nagano foi promovido para diretor administrativo da Shueisha, cargo que restou até 1992. Morreu de cancer em 2001, mas o seu legado vive até hoje.