O folclore japonês na visão genial de Masaaki Yuasa.
Como muitos de vocês já sabem, no começo de setembro, participei do Festival de Veneza (E provavelmente continuarei a participar nos próximos anos), e pude ver a “premiere” vários filmes de altíssima qualidade: The Hand of God, Power of The Dog, Spencer, Madres Paralelas, Dune, The Card Counter, The Happening, 7 Prisioneiros, The Last Night in Soho, e muitos exemplos.
Porém entre os mais de trinta filmes que pude apreciar no festival, um dos que mais me surpreendeu acabou sendo justamente Inu-Oh, do renomado diretor Masaaki Yuasa. Responsável pelo líndissimo “Kimi to, Nami ni Noretara” e pelo chocante “Devilman: Cry Baby”, Yuasa une suas forças a roteirista Akiko Nogi, para contar uma história profunda, pirotécnica, musical, deforme e visualmente espetacular.
Sinopse di Inu-Oh:
“Inu-Oh nasceu com característica físicas singulares, e os adultos, assustados, decidiram cobrir seu corpo e rosto com roupas largas e máscaras. Um dia, Inu-Oh encontra um musicista cego, Tomono, que toca o instrumento “Biwa” – a música produzida por Tomono leva Inu-Oh a mover seu corpo, a dançar – O jovem garoto descobre logo que é um espetacular dançarino. Deste modo, os dois formam uma dupla artística, que rapidamente vai encantando todo a cidade.”
Um Japão submerso em guerras e tradições.
Inu-Oh nos transporta século XIV, em um Japão feudal, imerso em seus mitos, tradições e guerras. Deste modo, vemos já nos primeiros minutos da obra, vários elementos históricos, como por exemplo os clãs, a batalha por poder entre dois Shoguns: Genji e Heike, as lendas populares que compôs aquele determinado período histórico e por fim todos os preconceitos que já viviam no Japão feudal, e de certo modo são transportados ainda no Japão atual.
De fato, os protagonistas da longa-metragem, Inu-Oh e Tomono são filhos das problemáticas do Japão feudal. Enquanto Inu-Oh é excluído e tratado como um animal por causa da sua aparência (O culto da beleza, por parte da sua família, não permite que Inu-Oh aparecer em público), Tomono é um órfão de guerra, que está à procura de vingança e utiliza o seu instrumento musical como um modo de sobrevivência, mas também de se manter conectado com os seus ancestrais e tradições.
Porém de nenhum modo Inu-Oh é uma obra histórica ou realística. Masaaki Yuasa une as inúmeras metáforas e lendas japonesas à uma animação dinâmica e pirotécnica, criando assim uma atmosfera mágica em cada um dos quadros. Isso mesmo, cada cena é desenhada majestosamente e surpreende até mesmo o espectador mais distraído. Uma pena que a qualidade visual não se traduz em um roteiro de impecável.
Tradicionalmente sabemos que por mais que Masaaki Yuasa entregue ótimas animações, o seu roteiro tende a ser bastante caótico. Nem mesmo a parceria de Akira Nogi acaba salvando por completo o longa-metragem, que muitas vezes soa confuso e desordenado. Simplificar alguns conceitos e reduzir as ramificações do roteiro, renderia a sua narrativa um pouco mais compreensível e digerível, e quem sabe, conseguiríamos entender melhor algumas mensagens e críticas que o autor tentou tecer.
Um preço a se pagar.
Contudo, Masaaki Yuasa mesmo não explicando bem os conceitos secundários, ele é MUITO CLARO na mensagem principal da obra. “Inu-Oh” discute sobre o valor da arte e a importância de não corromper os próprios princípios. Assistimos Inu-Oh e Tomono escaparem da condição de excluídos e renegados através dos seus próprios talentos artísticos.
Os dedos de Tomono transformam o Biwa em um instrumento mágico, que entrega sons épicos e envolventes (O Biwa praticamente se torna uma guitarra que entrega um rock psicodélico espetacular, digno de bandas como “Pink Floyd”, “Rolling Stones” e “Queen”), que me emocionou em vários momentos. Os sons de Tomono se unem aos movimentos fluídos de Inu-Oh. O protagonista utiliza a sua “deformidade” para criar passos de danças únicos – É um equilíbrio quase perfeito entre música e dança.
Mas quanto mais os dois protagonistas ganham reconhecimento, mais os princípios de ambos vão se corrompendo. Como dito nas entrevistas para o Festival de Veneza, Masaaki Yuasa deixa claro que “Inu-Oh” é também uma mensagem moderna sobre o preço que todos pagam quando ganham mais poder e reconhecimento. É de certo modo, uma história que dialoga com o próprio diretor, que, por ter uma experiência pessoal sobre a temática, desenvolve muito bem o dilema entre o reconhecimento artístico, a acquição de poder e o preço a se pagar..
Conclusão
Inu-Oh é uma obra singular, com uma animação espetacular, músicas envolventes, personagens simpáticos, cenas inesquecíveis, que mesmo 1 mês após a sessão, ainda não consigo esquecer. A longa-mentragem resta presa na sua cabeça semanas e meses após tê-la assistido. Talvez o seu único grande grande problema seja o roteiro, que poderia ser simplificado e melhor organizado. Recomendo a todo mundo assistir essa ótima animação. A previsão de estréia nas salas é para 2022.
Nota: 8.0