A dor da perda.
Quando terminei de ler “My Broken Mariko”, tantas sensações estavam borbulhando no meu corpo: Os meus olhos se inundaram de lágrimas, meu peito se carregou com um doloroso respiro pesado e meus lábios tremiam. Em minha mente eu via uma garota, que eu já havia conhecido, mas não tenho contatos a anos. Via também em Mariko várias mulheres que ao redor do mundo sofrem com o abuso sexual… E estranhamente via também um antigo “Leo” naquelas páginas.
“My Broken Mariko”, da desconhecida Waka Hirano, é uma aventura emocional que simplesmente me destruiu. O mangá conta a história de Shiino, uma jovem que descobre que sua melhor amiga, Mariko cometeu suicido. Os motivos pelo qual Mariko cometeu suicido talvez sejam claros desde o primeiro dos quatro capítulos que essa mini-série entrega, porém, a protagonista Shiino não consegue mesmo assim entender como a sua melhor amiga decidiu abandoná-la. O mangá, deste modo, não é uma história sobre exatamente o suicidio de Mariko, como muitas sinopses mostram, e sim sobre o luto da protagonista, que perdeu a pessoa que mais amava.
“My Broken Mariko” é sobre Shii-chan.
Ler “My Broken Mariko”, na minha opinião, será uma experiência totalmente diferente dependendo da pessoa: Quem nunca sofreu com a depressão ou com o medo do abandono, talvez veja essa história como um conto emocional sobre uma garota fadada ao suícidio. Já quem, de certo modo, já sentiu uma parte dos sentimentos da Mariko, lerá cada páginas como uma experiência estranha. É como sentir nos espetaculares rasbiscos de Waka Hirano, uma parte de seus medos ou sentimentos sendo exposos em preto e branco.
Por tantos anos sofri com a depressão; Muitas das experiências vividas por Mariko eu não sofri (como abusos sexuais ou violência em casa), porém, conheci a depressão com uma idade muito jovem – quando eu ainda era uma criança – E mergulhei nessa doença quando com dezoito anos vim morar na Itália, deixando para trás todo mundo que eu conhecia. Experimentei a solidão total, em um país que por mais que eu conhecesse bem, eu ainda não conhecia quase ninguém, além de um único amigo, que se tornou a minha única âncora. Enquanto eu lia “My Broken Mariko”, eu entendi o medo de Mariko em perder Shii-Chan… Eu sentia o mesmo medo continuamente. O medo da solidão completa, do abandono.
Foram anos obscuros, que consegui superar depois de vários anos de terapia. Hoje eu não sofro mais com a depressão, porém este espetacular mangá, me fez sentir novamente toda a dor que eu sentia naquele período, e sabe? Foi uma sensação positiva. Pois “My Broken Mariko” nos ajuda a refletir principalmente da nossa importância para as pessoas que estão ao nosso redor, uma importância que tendemos a não enxergar nos momentos mais complicados. A aventura caotica que a protagonista vive para realizar o sonho da sua amiga, é tocante e delicado. Até mesmos os vários gritos e lágrimas despersos por Shii-Chan, parecem sutis.
É por isso que eu digo que a história não é sobre Mariko, e sim sobre Shiino. O mangá é uma história sobre superar o luto de uma pessoa que amamos. Deste modo, o mangá, na verdade acaba dialogando perfeitamente com um terceiro público: As pessoas que convivem com amigos ou familiares que sofrem com uma das doenças mais mortais desse século, a depressão. Existem tantas Mariko no mundo – pessoas que retiraram suas vidas -, mas para várias dessas “Marikos”, também existem “Shiinos”, que sofrem por não ter mais a pessoa amada ao seu lado. E em “My Broken Mariko” conseguimos sentir a dor de ambos os lados. Entendemos o suícidio de Mariko e entendemos as lágrimas de Shiino.
Talvez essa seja a principal beleza da criação de Waka Hirano; como a autora consegue escrever e ilustrar um tema tão pesado, de modo tão empático e gracioso. Sim, a história é dramática e exagerada em vários momentos, mas mesmo assim consegue não soar “over-dramatic” ou “novelesca”. Outra grande capacidade da autora é conseguir entregar uma arte lindíssima, que transmite perfeitamentee os sentimentos dos personagens: Os sorrisos tristes de Mariko, o desespero de Shii-Chan, a melanconia do pescador… A autora consegue entregar tudo isso com rasbiscos perfeitos, que parecem terem sido inspirados nos quadrinhos franceses. Digo mais, acredito eu que mesmo não tendo diálogos, a obra conseguiria mesmo assim entregar a sua mensagem.
Porém, devo agradecer pelo mangá ter diálogos: São eles que transformaram esse quadrinho em uma obra-prima. Eu não conheço a vida de Waka Hirano, mas a história de “My Broken Mariko” é tão intensa e sincera, que se ela revelasse que seu real nome é “Shiino”, eu acreditaria. E repito, não conheço a vida da Waka Hirano, porém somente uma mulher consegue escrever uma história sobre abuso sexual com tamanha delicadeza. A autora nos faz refletir sobre como o abuso pode ser extremamente confuso na mente das pessoas o sofrem, como certas frases, ditas pelos agressores, conseguem entrar na mente de uma mulher oprimida, ao ponto de se ver como a própria culpada pelo abuso sofrido.
“My Broken Mariko” é um grande suspiro pesado que você agradece de ter tido. É uma lágrima quente que te aquece e te fere. É um pranto de dor que te faz entender sentimentos que você tinha esquecido ou nunca visto. É uma leitura obrigatória que para quem gosta de obras de obras de arte e para quem acredita que ler mangás vai muito além de um entrentenimento, ler quadrinhos é também se aventurar em sentimentos de tristeza, angústia, compreensão e reflexão… E acredite, essa obra realmente te faz refletir. Atualmente o mangá não está traduzido em português (somente em inglês), porém a partir de hoje trabalharei incessantemente para que essa obra prima seja traduzida e que quanto mais pessoas possíveis possam se aventurar nessa bela estória.
Nota: 10.